30.10.07

Viagem em retrospectiva da Ramada Alta à Cordoaria

O desaparecido mercado do peixe

Julgo que acontece com muito mais gente aquilo que se passa comigo percorremos todos os dias um determinado número de ruas desta cidade, julgamos que acerca dela sabemos tudo, até a sua própria história e, de repente, surge uma informação que nos leva a pensar exactamente o contrário - que nada sabemos da origem dos sítios que até aí nos pareciam familiares.

A crónica de hoje é uma espécie de teste aos conhecimentos do leitor acerca da história de meia dúzia de lugares e dos mais conhecidos da nossa cidade.

Tomemos como ponto de partida o Largo da Ramada Alta. Sabe-se muito pouco sobre a origem desta designação. Que tem a ver com as características rurais que o sítio teve no passado, parece não haver dúvida.

Logo a seguir temos a Rua do Barão de Forrester. O nome deste súbdito britânico só muito recentemente foi dado a esta artéria.

Até meados do século XIX toda esta zona era considerada um arrabalde da cidade e tinha ainda um aspecto verdadeiramente rústico.

A rua em análise, que chegou a ser a continuação da Rua de Cedofeita, chamou-se, antes disso, Rua do Ribeirinho, por causa de um pequeno curso de água que ali corria a céu aberto e que alimentava a chamada Fonte do Ribeirinho ou dos Ablativos.

O curso de água era tão pequeno que passou a ser designado pelo diminutivo de ribeiro…

E eis-nos chegados à Rua de Cedofeita. Não vou perder tempo a explicar a origem lendária e simplista da expressão latina "cito-facta" ou seja, "cedo-feita".

A urbanização desta rua é relativamente recente. E se tivermos em conta que uma artéria só começa verdadeiramente a ser "gente" quando é bordejada de casas temos de aceitar que estamos perante uma rua relativamente moderna enquanto aglomerado urbano.

No século XVIII a artéria ainda não estava totalmente urbanizada e o povo designava-a por Rua da Estrada. A velha estrada que da medieval Porta do Olival seguia para Vila do Conde, Barcelos e Guimarães.

Foi já no século XIX que se começaram a urbanizar terrenos como o campo da Corredoura, o lameiro do Carril e o casal da Cruz, que chegou a dar o nome a uma parte da actual Rua de Cedofeita.

Prosseguindo na caminhada, sempre com a Torre dos Clérigos por fundo, vamos dar direitinhos à moderna Praça de Carlos Alberto, antiga Praça dos Ferradores, por os deste ofício ali terem as suas oficinas; mas que também se chamou Largo da Feira das Caixas porque por ali se faziam as caixas de madeira em que os emigrantes que iam para o Brasil metiam o seu modesto bragal.

Aqui chegados ocorre perguntar onde ficava por estes sítios a "Rua do Outeiro, por detrás do Carmo, que vai dos Ferradores para Cedofeita…" Julgamos tratar-se da actual Travessa do Carregal também indicada em documentos antigos como ficando "à entrada da Rua de Cedofeita…"

Neste sitio cruzavam-se várias estradas e caminhos que tendo como ponto de referência a já citada Porta do Olival daqui continuavam para Guimarães, Braga, S. Tiago de Compostela, Barcelos, etc. Não é de estranhar, por isso, que ali se tivessem estabelecido várias estalagens com "seus cómodos, assim para pessoas como para bestas…"

As mais famosas situavam-se "no caminho para o Moinho de Vento", um dos raros topónimos antigos ainda existente. Serviu para designar um largo, uma rua e uma travessa. Prevalece apenas no largo através do qual se chega a um pequeno logradouro onde em tempos não muito distantes se fazia a Feira do Pão.

O logradouro em causa é a Praça de Guilherme Gomes Fernandes que ao tempo em que ali havia o mercado se chamava Praça de Santa Teresa. E antes disso foi o Campo da Via Sacra ou do Calvário Velho, por se situar ali a cruz que evocava a última estação de uma "Via Crucis" que começava junto à Sé e acabava neste planalto.

A designação de Calvário Velho tinha uma explicação era para distinguir do Calvário Novo que ficava para as bandas do antigo Mercado do Peixe, na Cordoaria. As cruzes desta Via Sacra estavam implantadas na Rua do Dr. Barbosa de Castro que, por isso, se chamava Rua do Calvário. Que pena que lhe tivessem mudado o nome…



A nossa digressão em retrospectiva terminou na Cordoaria, junto ao desaparecido Mercado do Peixe. Um sítio que, estou seguro, ainda está na memória de muitos dos leitores destas crónicas. Começado a construir em 1869, em terrenos que anteriormente havia sido ocupados por dois espaçosos armazéns a que se dava o nome de Celeiros da Cordoaria, também chamados Celeiros do Pão, o mercado durou praticamente até aos nossos dias, até à construção do Palácio da Justiça, em 1961. Para aqueles que já não conheceram esse mercado portuense fazemos aqui uma pequena mas emotiva evocação do que era a vida quotidiana dentro e fora do mercado. Pode dizer-se que o ambiente era de romaria popular. No largo fronteiriço havia todos os dias um formigueiro de gente que se movimentava num constante vai-vém, por entre o alarido dos pregões como nos tempos em que por aquelas bandas se fazia a Feira de S. Miguel.

Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias


29.10.07

Rua JOAQUIM DE VASCONCELOS



foto publicada e localizada aqui

Joaquim António da Fonseca Vasconcelos - Historiador (Porto n. 10/02 1849 - f. 2/03/1936). (Arquivo da Toponímia)

Já foi: Rua da Paz (Planta de 1892). O nome actual data de 1934.

21.10.07

Rua do PINHEIRO




Em 1508, um certo João Rodrigues de Avelar, com a sua mulher Grácia Luís, venderam o seu campo no casal do Pinheiro «junto aos Carvalhos do Monte, prez da cidade» e um par da estrada pública. Um quarto de século mais tarde, em 1533, nova venda encontramos do « lugar ou casal do Pinheiro, situado entre a estrada que vem de Guimarães para a Porta do Olival e o caminho de Liceiras». Tinha então esta propriedade um pombal e várias árvores de fruto, entre as quais se mencionam laranjeiras que mais tarde, com outras por ali existentes, dariam ao casal do pinheiro o nome, de Quinta do laranjal de cima, que já tinha em 1661. A Quinta do Pinheiro foi alienada há poucos anos pelos últimos sucessores dos Monteiros, na posse desta bela propriedade desde princípios do século XVIII.(Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas)

19.10.07

Rua de O COMÉRCIO DO PORTO




A rua que hoje se chama do Comércio do Porto, juntou duas antigas artérias citadinas: a Rua da Rosa e a Ferraria de Baixo, ou Ferraria Nova...(Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas)

A data de deliberação é de 10 de Janeiro de 1891.

"O Comércio do Porto" foi um jornal português, fundado no Porto em 2 de Junho de 1854. Quando se deixou de publicar, em 2005, era o segundo mais antigo jornal português, a seguir ao Açoriano Oriental.
Os fundadores foram Henrique Carlos Miranda e Manuel Sousa Carqueja.


Nomes que desapareceram das esquinas de certas ruas


Um estimado amigo e leitor atento destes modestos trabalhos ofereceu-me, há dias, o prospecto publicitário que ilustra a crónica de hoje. Mas fez acompanhar a oferta de uma, digamos assim, intimação "Diga onde fica essa artéria porque, das muitas pessoas que consultei, ninguém soube dizer onde é…" Pois não. Pela simples razão de que a rua em causa mudou de nome. Já não se chama Travessa da Praça da Trindade. Mas não é muito difícil adivinhar onde ficava. É a actual Rua do dr. Ricardo Jorge.











Este é o prospecto. Publicita um tipo de comércio já desaparecido


Esta não foi, porém, a única mudança de nome que a rua teve. E julgo que vale a pena ficarmos a conhecer um pouco mais da história da discreta artéria , do tempo em que o recheio das lojas extravasava para o passeio e, às vezes, como é o caso (atente-se bem na imagem), para o próprio leito da rua.

Vamos pois à história. A folha 14 do Livro de Plantas da Cidade do Porto (número 2), que se guarda no nosso Arquivo Histórico Municipal, representa a planta, de um projecto urbanístico de 1761 denominada Planta do Bairro dos Laranjais, da autoria do sargento-mor de Infantaria, com o exercício de engenheiro, Francisco Xavier do Rego. Aí estão delineadas algumas artérias. Umas que já existiam, caso das ruas do Bonjardim e de Santo Ovídio, esta agora denominada dos Mártires da Liberdade; outras em projecto, que são as ruas do Almada e da Conceição; e uma que desapareceu. Chamava-se, na altura, Rua de Santo António dos Lavadouros depois ficou só dos Lavadouros e desapareceu com a abertura da Avenida dos Aliados.

Na mesma planta está prevista a abertura de mais duas novas artérias a que ainda não havia sido dada qualquer denominação. Uma delas nunca chegou a ser rasgada. Ligaria em linha recta a actual Rua dos Mártires da Liberdade a Liceiras. A outra unia duas praças também em projecto a Praça da Conceição, depois Largo da Picaria e que é hoje o Largo de Mompilher, com a Praça da Trindade, assim chamada por ficar diante da igreja da Ordem Trinitária, que substituiu a Ordem Terceira de S. Domingos, extinta em 1755, na sequência de um conflito com os dominicanos. Neste mesmo espaço, onde se ergue a igreja daquela Ordem, riscada pelo arquitecto Carlos Amarante, faziam-se, antes, duas importantes feiras: uma de erva e de palha e outra de carneiros. Por isso também se deu a este largo o nome de Praça da Erva.

Voltemos à rua projectada para ligar o Largo de Mompilher à Praça da Trindade. O leitor já concluiu, sem grande esforço, naturalmente, que se trata da actual Rua do dr. Ricardo Jorge. Mas nem sempre teve esta nomenclatura. Inicialmente teve duas designações. Entre a Praça da Conceição e a Rua do Almada chamou-se Travessa do Pinheiro por causa da sua proximidade à rua deste nome. Da Rua do Almada até à Praça da Trindade começou por se chamar Travessa do Laranjal, o que se compreende se tivermos em conta que o largo em frente à igreja antes de se chamar Praça da Trindade foi Largo do Laranjal. A partir de 1776, aparece denominada de Travessa da Rua do Almada. Mas numa planta da autoria do arquitecto Teodoro de Sousa Maldonado, datada de 1787, é designada como a Travessa da Chancelaria. Só a partir de 1846 é que aparece como a Travessa da Trindade e, posteriormente, como Travessa da Praça da Trindade.

A actual designação homenageia a memória de uma figura ilustre do Porto que toda a gente conhece como médico higienista. Mas Ricardo Jorge foi também um eminente escritor, historiador, crítico de arte e um purista da língua portuguesa. O seu estudo sobre as origens e o desenvolvimento do Porto é a melhor obra que até hoje se escreveu sobre esse complexo assunto.

Houve tempos

em que o negócio

extravasava

do interior da loja

para o meio da rua

O chafariz do Laranjal

O emblema do antigo Largo do Laranjal, depois Praça da Trindade, foi o chafariz que passou à história, exactamente, com o nome do largo. Inicialmente era uma fonte, a Fonte da Trindade, que funcionou desde 22 de Junho de 1844 até Maio de 1853. Neste ano fizeram-se obras na já então denominada Praça da Trindade para rebaixamento do leito e a fonte foi demolida. As suas pedras, provenientes da demolição, foram recolhidas num terreno de Liceiras, para uma eventual reconstituição. Que nunca chegou a fazer-se. Com efeito havia sido demolido, também, um chafariz que, desde o século XVI, pelo menos, estava no meio do Largo de S. Domingos. Foi este que acabou por ser reconstruído na Praça da Trindade. A sua inauguração ocor-reu no dia 11 de Março de 1854. Mas não ficou ali definitivamente. Novas obras na praça em 1911 e o chafariz foi transferido para os jardins dos SMAS sendo substituído por um simples fontenário "com água da Companhia". Só há relativamente poucos anos (1960) é que voltou para a Praça da Trindade, agora como mero objecto de decorativo. Gravada no bordo de uma das suas taças tem uma legenda em latim "REIP - VSIV - DICATVM - COMMUNI". Que significa: "Ao uso do povo".

Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias


Rua DIOGO BRANDÃO


15.10.07

Rua S. JOÃO DE BRITO




Nota biográfica de S.João de Brito

( 1647 - 1693 )

Filho de Salvador de Brito Pereira, de Vila Viçosa, trincheiro-mor do senhor D. João IV, e de Dona Brites de Portalegre, nasceu João de Brito, em Lisboa, na calçada de S. André (Costa do Castelo), no primeiro de Março de 1647. De ascendência fidalga, deste menino cujo seu destino natural era ser pagem na Corte. O país vivia então uma prolongada guerra com Espanha, em resultado da restauração da Independência (1640). João de Brito já entrado na adolescência, é vítima de uma grave enfermidade. A sua cura marcou uma viragem na sua vida, dado que para dar cumprimento à promessa de sua mãe, teve que vestir o hábito de S.Francisco Xavier.

No ano que sobe ao trono D. Afonso VI, 1662, a 17 de Dezembro, entra no noviciado da Companhia de Jesus em Lisboa. Faz estudos em Évora e Coimbra, será professor no Colégio de Santo Antão, em Lisboa, mas o sonho dele é a Índia. No ano de 1668, pede ao Superior Geral que o deixe ser missionário. Entretanto, passam os anos, consolida-se a vocação, ordenado sacerdote (1673) e recebe com alegria o mandato de partir as missões da Índia, não obstante a intervenção do núncio apostólico, solicitado por influências da Corte movidas a rogos de sua mãe. Partiu a 25 de Março de 1673 numa expedição em que vão 27 jesuítas (16 portugueses, 1 romeno, 1 italiano, 1 siciliano, 1 de Trento, 1 saboiano, 1 inglês, 2 belgas e 1 bávaro), sendo capitão-mór Rodrigo da Costa. Uns destinam-se à China, outros como João à India.

No ano de 1674, desembarca em Goa, a grande capital do Oriente. Logo vai fazer visita ao túmulo de S. Francisco Xavier. A missionação na Índia como é sabido pode caracterizar-se em várias fases: a 1ª (de 1498 a 1542) é marcada pela actividade dos franciscanos e dominicanos. A 2ª. corresponde à estadia de S. Francisco Xavier, durante uns 6 a 7 anos, antes de partir para o Japão. Xavier limitou-se à costa marítima, passando ao lado da civilização hindú. A 3ª. fase é marcada pela chegada de novas Ordens e congregações religiosas, mas em que pouco se altera a postura anterior. A 4ª fase, os missionários, como João de Brito, adoptam um modo de viver, vestir e de comer dos "pandarás-suamis", género de penitentes aceites por todas as castas da Índia. Com este novo método os missionários aumentam a sua aceitação.

Em Abril de 1674 entrou na missão do Maduré, na qual abraçou a vida austera e penitente dos pandarás-suamis, a fim de evitar a repugnância dos indianos cultos pelos missionários associados à conversão dos párias, a casta mais desprezada da Índia que tornava imundos os que com eles contactavam. A sua figura é emblemática do novo método de evangelização seguido na Índia pelos missionários. Na mão segura uma cana de bambú, veste roupão cor de almagre, calça palmilhas de madeira.

Em doze anos de apostolado governou a residência de Colei, passou aos reinos de Ginja e de Travancor, atravessou a pé, e muitas vezes descalço, o continente Índico e percorreu a costa da Pescaria e de Travancor e esteve muitas vezes a ponto de perder a vida.

Em 1685, seria nomeado superior da missão de Maduré. Esperam-no tribulações e sacrifícios. No território de Muravá, é sujeito ao suplicio da água e açoites. O régulo interdita-o de aí pregar. Em 1686 desencadeou-se violenta perseguição no Maravá. Correndo a apoiar os cristãos, foi preso pelo chefe das milícias do reino, que o sujeitou enormes torturas e o condena a ser empalado. Mas era precisa confirmação desta sentença pelo soberano, a cuja presença João de Brito foi levado. Porém o rei, depois de o sujeitar a interrogatório sobre a doutrina que pregava, restituiu-o à liberdade, impondo-lhe que não voltasse a entrar no Maravá.

Partiu para o Malabar, cujo provincial o mandou como procurador à Europa, a fim de em Lisboa e em Roma informar o que se passava nas missões . Chegou a Lisboa a 8 de Setembro de 1687. O novo rei Pedro II, por motivos políticos não autorizou a viagem a Roma. João de Brito percorre então as principais casas dos jesuítas em Portugal procurando reunir apoios para a missão no Oriente.

Ultrapassando todos os obstáculos volta a partir para a Índia a 8 de Abril de 1690 com 25 novos missionários, sendo 14 portugueses. Entrou em Goa a 2 de Novembro. É nomeado visitador do Maravá e aí trabalha cerca de ano e meio. Os convertidos ao catolicismo atingem os oito mil. Entre eles contava-se um príncipe da casa real, baptizado a 6 de Janeiro de 1693.

Corre célere a fama do Apóstolo do Malabar, Não lhe esmorece o entusiasmo. Os poderosos locais olham-no com desconfiança. A condenação não tardou. Bastou que João de Brito que tivesse ido outra vez à terra de Maravá para que o governador Ranganadevem o acusasse de desobediência e o condenasse à morte . O martírio chegou no alto do monte sobranceiro ao rio Pamparru, à vista de Urgur. Decapitado foi em Fevereiro de 1693. O cadáver é amputado de pés e mãos, sendo os despojos dados às feras e aos abutres. Os cristãos puderam ainda recolher o crânio e alguns ossos. O cutelo da execução obteve-se do verdugo mediante grossa soma de dinheiro. Contido numa bainha de filigrana de prata foi trazido para Lisboa e oferecido a D. Pedro II, que o confiou à guarda da Companhia de Jesus, no Colégio de Santo Antão. O local do martírio começou logo a ser venerado pelos cristãos.

Séculos mais tarde coube ao Papa Pio XII canonizar o santo missionário português, assinando de modo sublime na história da Igreja urna página de gesta heróica. A canonização realizou-se a 22 de Junho de 1947. Na audiência concedida, no dia seguinte, à peregrinação portuguesa que assistiu à canonização, Pio XII evocou as legiões de missionários portugueses.

Publicado aqui


11.10.07

Foi na praia de Miragaia que montaram a ponte Pênsil



Todos nós temos presente, na memória, claro, as belíssimas imagens da elegante ponte Pênsil que, depois de 1843, substituiu, na ligação da cidade com Vila Nova de Gaia, a velhinha ponte das Barcas - de tão triste memória para os portuenses.

O que muito pouca gente deve saber é que, inicialmente, a "ponte suspensa", como então era designado o projecto, fora prevista para ser, digamos assim, um prolongamento da Rua de S. João, na sua ligação com a margem esquerda do rio Douro; e que a montagem de toda a estrutura da nova ponte, quando já se havia decidido que seria construída na parte mais estreita do Douro, foi montada no areal que, ao tempo, havia em frente ao bairro piscatório de Miragaia. É uma curiosa história, esta, a da construção da ponte Pênsil.

Foi há precisamente cento e setenta anos, em dia de S. João, (24 de Junho de 1837) que foi apresentada à Câmara do Porto uma proposta para a construção "de uma nova ponte suspensa" sobre o rio Douro. A ideia teve óptimo acolhimento por parte da Vereação que a apreciou e a proposta chegou a colher o aval do Governo. A ponte seria construída no enfiamento da Rua de S. João, aberta havia pouco mais de setenta anos.

Com efeito, em reunião camarária de 1 de Julho de 1837, "a que assistiu o arquitecto da cidade", os presentes foram informados sobre "a conveniência de (a nova ponte) ser collocada defronte da Rua de S. João", na expressa condição de que "as cazas que hão- -de servir de prisão aos tirantes" não causem qualquer embaraço ao trânsito público para os dois lados da Praça da Ribeira.

Os protestos, porém, não tardaram. Vieram dos moradores mas também, e sobretudo, dos negociantes daquela zona ribeirinha. Alegavam que as torres de grandes dimensões que teriam de ser construídas para a suspensão dos cabos de aço iriam estorvar e prejudicar o muito trânsito que diariamente por ali passava.

Consta de uma notícia da época que "tão acertadas e justificadas pareceram as razões expostas" que a Companhia da Ponte Pênsil, entretanto constituída, começou de imediato a estudar, com o patrocínio do Município, um outro local. Mas não havia maneira de o projecto avançar.

Foi então que o Governo mandou ao Porto o inspector-geral dos Trabalhos Públicos que, depois de vários estudos e conferências sugeriu, que a ponte devia ser construída para montante da ponte das barcas, ainda em funcionamento, no local mais estreito do rio. O sítio onde, efectivamente, veio a ser construída. Os trabalhos de construção começaram no dia 2 de Maio de 1841, dia do aniversário do coroamento de D. Maria II. Daí que, depois de construída a ponte, lhe tivesse sido dado o nome daquela soberana.

O novo projecto previa a construção de uma ponte suspensa de um só tramo com 170,74 metros de vão, cujos cabos eram suportados por quatro obeliscos colocados dois em cada margem tendo cada um 18 metros de altura. Dois desses obeliscos ainda existem do lado do Porto.

Uma obra desta envergadura ia precisar, obrigatoriamente, de estaleiros à altura da empreitada.

Ora, na zona da Ribeira, onde a ponte ia ser construída, não havia espaço suficientemente amplo para que aí se desenrolassem todos os trabalhos.

Foi necessário, no entanto, arranjar, na Ribeira, uma área com a capacidade suficiente para nela os canteiros aparelharem as pedras com que iriam ser construídos os obeliscos.

Para a confecção dos cabos de aço e para a montagem do tabuleiro foi preciso procurar um espaço maior que viria a ser encontrado no amplo areal de Miragaia.

O terreno, contudo, apresentava alguns inconvenientes era bastante irregular; ficava, por vezes, submerso pelas águas do rio, especialmente nos períodos de marés vivas; e, no caso de haver cheias, a inundação era inevitável.

Mas era o que estava mais perto do local onde se pretendia construir a ponte e havia que arriscar. Como aconteceu.

O terreno, depois de terraplenado, foi inteiramente vedada por uma alta paliçada. No seu interior trabalhavam os operários que se ocupavam com a construção dos cabos e do tabuleiro. As forjas e as ferramentas eram guardadas, à noite, nos armazéns que ficavam debaixo dos cobertos. As peças do tabuleiro e os cabos, à medida que iam ficando prontos, eram levados em grandes barcaças para o sítio exacto onde se ia construir a ponte.

Nos finais de 1842, começaram a ser feitos os primeiros testes de resistência. Alguns meses depois ( Janeiro de 1843) ainda não estavam feitas as guaritas para a cobrança da portagem e, do lado de Gaia, ainda se andava a expropriar um armazém para a construção de uma rampa de acesso. Em 17 de Fevereiro de 1843 a ponte foi finalmente, aberta ao trânsito de peões e de veículos.


Quando a ponte Pênsil começou a ser construída, a cidade do Porto atravessava uma das suas fases mais prósperas. Curiosamente, estava também em construção, por essa altura, a sede da Associação Comercial do Porto. O Palácio da Bolsa, ainda hoje o símbolo do nosso cariz mercantil e emblema do liberalismo tripeiro, porque foram os liberais que o começaram a construir embora a maioria não o tivesse visto concluído. Há muito que haviam ficado para trás tempos conturbados como das invasões francesas, da guerra civil e da Patuleia. Guardada a espingarda com que vitoriosamente se batera no Cerco do Porto, o mercador tripeiro arregaçou as mangas e atirou-se ao trabalho, prosperando. A construção da ponte Pênsil responde, em certa medida, à urgente necessidade que se sentia de criar novos e mais cómodos meios de comunicação com os arredores. Na vizinha Vila Nova de Gaia estavam os armazéns das mais importantes companhias que se dedicavam ao comércio do vinho do Porto e a ligação com aquela margem através da ponte das Barcas, além de incómoda, era perigosa.

Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias


Largo de S. PEDRO DE MIRAGAIA


miragaia



Uma velha tradição, sem qualquer fundamento Histórico, atribuiu remotissímas origens à igreja de São Pedro de Miragaia. Recentemente defendeu-se que a tese que a igreja de São Paulo seria a capela da mesma invocação, em Campanhã o que nos parece pouco de aceitar. Este largo de S. Pedro de Miragaia vem, com certo pormenor descrito no «Portugal Antigo e Moderno» de Pinho Leal sobre indicações fornecidas pelo seu continuador, o abade de Miragaia, Dr. Pedro Augusto Ferreira. Actualmente, o Largo de S. Pedro de Miragaia fica entre as ruas de S.Pedro, de Tomás Gonzaga, Travessa de S. Pedro e Rua Ancira. (Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas)


Um pouco sobre a história de Miragaia:

"Não podemos ignorar que o itinerário de António Pio situava na margem direita do Douro uma pequena povoação, de seu nome Gale, que, segundo Pinho Leal, significava defronte de Gaia. Seria o local dos que, vindos da Bracara Augusta para o sul, tinham de descansar antes de entrar nos barcos, no portus, e rumando a nascente do Castelo de Gaia seguiam para Lancobrica (a actual cidade da Feira), Talabrica (Aveiro) ou Aeminium (cerca da actual Coimbra).


O Castelo de Gaia, ou o que restava dele, desapareceu aquando das lutas liberais. Os miguelistas tinham-se apoiado naquele local, montando aí uma forte bateria que, segundo consta, seria a que bombardeou o Palácio dos Carrancas onde D. Pedro tinha estabelecido o seu quartel-general. D. Pedro, bombardeado no seu próprio quarto, mudou para Cedofeita, mas, no dia seguinte, na sua habitual visita as linhas, foi até aos canhões que tinham montado no local que chegou a ser conhecido como o da Bateria das Virtudes (onde esta hoje o SAOM) e, afinando a pontaria, desfez o reduto do Castelo de Gaia e, claro, as ruínas do próprio castelo. Se calhar e só uma interpretação dos factos, mas a verdade é que o que restava do castelo de Gaia desapareceu naquela altura.

Outros querem, por exemplo, que a antiguidade deste lugar seja atestada pela inscrição existente na Igreja e onde se lê "Prima Cathedralis fecit haec. Basilius oh egris quam pedibus sanus, condidit inde Petro", o que em versão portuguesa daria "Esta foi a primeira catedral do Porto. S. Basílio, apenas se viu são dos pés, a edificou, e por aquele motivo a dedicou a S. Pedro". Ora este S. Basílio morreu no ano 37, e segundo algumas opiniões poderá ter sido o primeiro bispo do Porto.

A ser assim, a Igreja de Miragaia teria sido fundada no ano 37, o que, convenhamos, seria antiguidade a mais....... E das duas uma: ou a tradução (ou a inscrição em si) é deficiente ou o S. Basílio é outro que não o referido como bispo do Porto, até porque no primeiro século da nossa era o Porto nem sequer existia. Carlos Passos, na vertical "Guia Histórica e Artística do Porto" supõem-na remontando ao século XIII e do tipo românico, mas a actual é do século XVIII, já que em 1740 foi a anterior demolida na sua quase totalidade - só escapou a capela-mor e os lados do transepto.

Na primeira metade do século XV, um grupo de arménios, fugindo dos turcos, em 1453, vejo até ao Porto, trazendo consigo as relíquias de S. Pantaleao, martirizado em 1305, em Nicomedia, e que haveria de ficar como patrono da cidade. Foram estas relíquias depositadas na Igreja de Miragaia e em cofre de prata lavrada oferecido por D. Manuel I, para dar cumprimento a uma das ultimas disposições do seu antecessor e primo D. João II, e mais tarde, em 12 de Dezembro de 1499, transferidas para a Sé do Porto por ordem do bispo de então, D. Diogo de Sousa.

Curiosamente, e aquando das lutas liberais, alguém fez desaparecer da Sé o cofre das relíquias... e nunca mais apareceu nem um, nem as outras. Pinho Leal escreveu que o ladrão tinha sido um nobre, que ele sabia quem era, mas não o dizia...

O nome desta nossa freguesia é controverso e, como não podia deixar de ser, a lenda entrou na vida (ou será que a vida entrou na lenda?), e o miragaiense Almeida Garrett, que nasceu, em 1779, na Rua do Calvário, recolheu da oralidade popular um romance que, pela sua mão, viu a luz do dia pela primeira vez no primeiro volume do Jornal de Belas Artes, em 1845.

Em resumo, no ano de 932, o rei Ramiro desceu da Galiza e veio raptar Zahara, a bela irmã do xeque Alboazar, e este, ofendido e por vingança, rapta a não menos bela esposa de Ramiro, a rainha Gaia, vindo a apaixonarem-se perdidamente um pelo outro. Ramiro, ignorando esta situação, vem com o filho e as suas gentes de armas até ao castelo do rei mouro que, na margem esquerda do Douro, se erguia no caminho do rio para a foz. Ramiro esconde as suas gentes na encosta, sob a folhagem, e vestido de romeiro sobe a rampa e fica junto a uma fonte, a espera de novidades. Uma criada vem buscar água fresca à fonte para a sua nova ama – a cristã. E logo Ramiro aproveita para esconder o seu próprio anel na água da bilha e fica a aguardar.

A rainha Gaia, ao encontrar o anel na água, pressente a verdade e manda chamar o romeiro a sua presença. Apaixonada pelo mouro, resolve desfazer-se do marido e, embriagando-o, prende-o num quarto, que se abre quando chega Alboazar. Ramiro tenta reagir mas é logo preso pelas gentes do mouro que, sorrindo, lhe pergunta o que lhe faria ele, rei cristão, se tivesse as mãos o seu inimigo. Ramiro, lembrando-se do que acordara com os seus homens, responde que lhe faria comer um capão, beber um canjirão de vinho, e depois coloca-lo-ia no alto da torre a tocar trompa até rebentar. Alboazar acha graça e diz-lhe que será então essa a sua morte e, para mais gáudio, manda abrir os portões do castelo a convidar todos os moradores extramuros a virem assistir.

Ramiro come, bebe, toca a trompa e de repente as suas gentes, ouvindo o sinal combinado, irrompem pelos portões abertos do castelo, chacinando as tropas sarracenas desprevenidas. O próprio Ramiro mata Alboazar e, pegando na mulher, ruma para o barco, seguido pelos seus homens. Já a bordo, encara, atónito, o pranto da esposa, que fita desolada as ruínas do castelo, e pergunta-lhe qual a razão:

Perguntas-me o que miro?
Traidor rei, que hei-de eu mirar?
As torres daquele Alcácer
Que ainda estão a fumegar!
Se eu fui ali tão ditosa,
Se ah soube o que era amar,
Se ah me fica a alma e a vida...
Traidor rei, que hei-de eu mirar?
Pois mira, Gaia! E, dizendo,
Da espada foi arrancar:
Mira Gaia, que esses olhos
Não terão mais que mirar!

Ainda hoje está dizendo
Na tradição popular,
Que o nome tem – Miragaia
Daquele fatal mirar.

Poderá ser só lenda, poderá... mas a encosta que o rei subiu chama-se a Rua do Rei Ramiro, a fonte e a Fonte do Rei Ramiro, as armas da cidade de Gaia estão encimadas por um cavaleiro tocando trompa, e a zona do Porto, frente ao local onde a rainha foi degolada, chama-se Miragaia...

O Padre J. Augusto Ferreira escreveu, nas suas Memórias Archeologico-Históricas da Cidade do Porto, que Miragaia começou a ser povoada em 1243 e, ao escrever-se sobre o Porto a morte do bispo D. Pedro Salvadores, em 24 de Junho de 1247, revela-se que nessa data Miragaia era um pequeno lugarejo de pescadores a beira-rio, haviam sido construídas setenta e cinco casas e mais algumas se estavam a construir.

Estes textos levar-nos-iam levianamente a supor que só em 1243 se começa a povoar Miragaia e que em 15 anos só se tinham levantado 75 casas nesta zona, mas o já citado escritor, no mesmo primeiro volume da sua obra, informa que das Inquirições de 1258, consta que, junto de Monchique, em menos de quinze anos se tinham erguido setenta e cinco casas, o que demonstra que se dilatava a cidade pelo Ocidente até Miragaia.

Quanto a nós, o que será mais correcto de interpretar destes textos e que Miragaia estava já ligada a cidade, e viria a adossar-se inclusive a muralha que D. Afonso IV viria a edificar, e que este desenvolvimento, de facto, e o caminho do ocidente, portanto de Monchique.

Alias, este nosso ponto de vista é reforçado pela leitura de Alexandre Herculano, em Lendas e Narrativas, onde escreve "A povoação de Miragaia assenta ao redor da Ermida de S. Pedro, que nos fins do século XIV trepava já para o lado do Olival e vinha entestar pelo norte com o couto de Cedofeita e pelo oriente com a vila no burgo episcopal".

E é nesta freguesia que se encontra a maior parte do que resta da mal chamada "Muralha Femandina". E esclareço que lhe chamo mal chamada muralha fernandina, porque tal titulo só lhe advém do facto de ter sido no reinado de D. Fernando que ela se acabou, quando, na verdade, quem teve a ideia da sua construção e a principiou foi D. Afonso IV, mais precisamente em 1336.

Os quintais e alguns prédios da Rua Barbosa de Castro, que contactam com as traseiras dos da Rua das Taipas, estão separados por panos de muralha, que só foi cortada para abertura da Rua das Taipas (fazendo desaparecer a porta deste nome), muralha que continua nos terrenos da Brevia dos Religiosos de S. Bernardo, hoje SAOM, onde existe o único postigo aberto na muralha para terra. Continua pelas traseiras dos prédios da Rua Tomas Gonzaga e só interrompe no local onde existiria o postigo da Esperança; e logo temos ali, ao nosso lado, um grande pano da muralha a descer as escadas do Caminho Novo até lá ao fundo, onde deveria ter estado a Porta Nobre.

Porta Nobre que teria sido mandada edificar por D. Manuel I para substituir ou, se quisermos, e supomos ser o mais correcto, para ampliar o velho Postigo da Praia de Miragaia. A Praia, que se estendia desta porta até Monchique, era conhecida como a "Praia do Mosqueiro", mas as gentes de então chamavam-Ihe somente a praia, e chegava. E é curioso que ainda nau há muito tempo, quando tentávamos a identificação de um postal existente na colecção da Biblioteca Municipal, ao contactarmos com as gentes mais antigas da zona, elas ainda denominaram o largo que forma a Rua de Miragaia, frente a Alfândega, como o "Largo da Praia"

Há por aí uma grande confusão e, talvez por se romper por aí a Rua Nova da Alfândega, ou, como costumo dizer por brincadeira, a Rua da Alfândega Nova, há quem queira nomear a tal porta como Porta Nobre.

Pinho Leal, no seu sempre consultado Portugal Antigo e Moderno, esclarece de vez este assunto, escrevendo: "Continua a muralha em direcção ao Sul, em linha ao rio Douro, atravessando a Rua da Esperança, em cujo sitio havia um pequeno postigo com o mesmo nome, o qual creio ter estado em terreno próximo a pequena Capela de Nossa Senhora dessa invocação, correndo como se vê, junto a ela, a muralha até fechar na porta nobre, assim nomeada por ser por ela que costumavam fazer a sua entrada "os Príncipes e grandes Senhores".

Alias, seguindo pela Rua de Miragaia, que foi cortada quando se criou ah o Largo da Alfandega, vamos encontrar uma antiquíssima fonte, simples, adossada a um prédio (alias protegida pela varanda do primeiro andar desse prédio), no local onde aparentemente a rua acaba, intitulada a Fonte da Colher. Foi restaurada em 1940, aquando da febre das comemorações dos centenários. Era um local de portagem, que desenvolveremos mais a frente, quando tratarmos das fontes da freguesia.

Alias, se há freguesia que ainda tenha locais e denominações a lembrar tempos recuados, essa é, por certo, Miragaia. E assim lembramos a Rua Ancira, frente a Igreja, que Sousa Reis acha que, porque e muito apertada (como alias quase todas as daquela época), derivaria o seu nome de "arecia-augusta-apertada". Supomos que a explicação e mais simples e derivara, na linha da Rua dos Arménios, de uma homenagem a lembrar a Ancara ou Angora, nome actual da antiga capital da província romana da Galasia, na Ásia Menor. Outra rua de nome curioso e a da Atafona, nome de um engenho de moer grão - e não nos podemos esquecer que relativamente perto, se bem que já na freguesia de S. Nicolau, existe a zona do forno comunitário, e ainda por lá ficou a Calcada do Formo Velho. E vamos, uma vez mais, chamar à puridade o "velho Sousa Reis, que informa que Atafona é um moinho de moer em seco e deriva o nome da palavra árabe Tamane, que significaria moer, ou do hebraico Tahane, que significa mó.

Esta atafona, e este moinho velho, trazem-nos a baila outra das grandes zonas desta freguesia – a dos judeus! Alias bem lembrada na toponímia miragaiense, com a Escada do Monte dos judeus, a Rua do Monte dos judeus e Os Cidrais – de baixo e de cima. Frei Fernando da Soledade, na sua História Seráfica, lembra que em 1410 foi dada autorização a Gil Vaz da Cunha para construir umas moradas no pequeno monte em que tinham habitado os judeus, e onde existia uma sinagoga abandonada. Era o Bairro dos judeus, em Monchique.

O Porto teve varias judiarias, os locais onde "arrumavam" os judeus. Eram perseguidos, na teoria, como culpados pela morte de Cristo, mas, na prática, por problemas económicos. A religião cristã proibia os fieis de ganharem com a onzena, o que, ao fim e ao cabo, os proibia de ganhar dinheiro com o dinheiro. Por aqui não surgiram grandes problemas - a Igreja cristã não os hostilizava e foram-se mantendo até ao decreto que, por força de umas saias, D. Manuel I promulgou. Mas mesmo aí não tiveram problemas os judeus de Miragaia e os outros do restante Porto. Quando receberam da Câmara a comunicação do decreto real, puderam, sem o menor vexame, embarcar no Douro com destino a Inglaterra e a Holanda.

O seu bairro, em Miragaia, ocupava um largo espaço entre a praia, a escarpa da bandeirinha e a zona de Monchique. Tinham a sua sinagoga própria e cemitério privativo. A sinagoga situar-se-ia no terreno onde, no século XVI, se construiu o Convento de Monchique, e o cemitério - o almocavar - localizar-se-ia ao fundo da rua da Bandeirinha, nuns terrenos hoje murados e que confinam com o local da dita Bandeirinha.

Quanto a bandeirinha propriamente dita, foi durante muito tempo mais uma das marcas do rio, uma das que serviam de orientação para quem subia o rio. Depois, no século XVIII, passou a ser conhecida como "bandeirinha da saúde", por ser o sinal indicativo de que nenhum barco devia ultrapassar essa zona sem receber primeiro a visita da inspecção sanitária. Eram tempos de peste e todos os cuidados eram poucos. Havia necessidade de evitar o contágio a cidade. Durante algum tempo, ainda que muito pouco, a paragem foi também obrigatória para a visita dos homens de Santo Oficio, à procura de livros ou símbolos de heresia ou desvio da religião oficial.

Era um plinto de granito, que sempre se manteve no seu sítio, onde se arvorava uma haste de ferro que suportava uma bandeira de chapa pintada de amarelo (a cor da peste). O ferro era encimado por uma espécie de esfera armilar. Por força do vento ou da corrosão, a haste, a bandeira e a esfera desapareceram, mas voltaremos a falar deste assunto com mais pormenor quando tratarmos da zona da Bandeirinha.

Do outro lado do largo fica o Palácio da Bandeirinha ou, para o portuense vulgar, o Palácio das Sereias, com o brasão dos Cunhas Portocarrero na frontaria, virada ao rio, ladeado por duas sereias em granito. Nos anos 4o era um local de peregrinação oculta dos "grandes" das escolas primarias das redondezas, para ver as "mamudas". E que naquele tempo ainda não havia televisão com programas hardcore e a pomografia ficava-se por uns beijos "à artista", em filmes mais ousados do Carlos Alberto ou do Parque das Camélias. E ter logo aí dois pares das ditas era mesmo motivo para peregrinação. Hélder Pacheco faz-se eco da lenda, que se contava nos tempos da avó dele, de que as sereias desnorteavam os rapazes. E a sua miragaiense avó retorquia sempre que "os encantamentos eram mas é os castigos dos meninos que iam lá acima ver as mulheres nuas. E ela bem sabia porquê...

O palacete foi mandado construir em 1575 pelo fidalgo D. Pedro da Cunha, enquanto sua esposa, D. Brites de Vilhena, mandava edificar o convento de Monchique. Durante o século XVII, foi o Palácio das Sereias habitado pela família dos Cunhas e Vilhenas. No século XVIII, passou para a família Portocarrero.

Aquando das invasões francesas, o então proprietário, oficial de artilharia, foi considerado, talvez pelo seu nome (Portocarrero), estrangeiro e o seu corpo foi arrastado pelas ruas, sendo depois lançado ao rio junto aos muros de Miragaia.

Por razão de partilhas, o Palácio foi vendido ao Instituto das Filhas da Caridade Canossianas Missionarias.

E, já que referimos Monchique, é altura de lembrar um dos privilégios dos homens do Porto e que, resumidamente, se cifrava no facto de ser proibido aos fidalgos residir ou passar largas temporadas no Porto. A evolução foi-se dando e os fidalgos foram abusando, fazendo esquecido o direito, até que, e como Camilo Castelo Branco tão bem evoca no seu Mosaico,"concedeu o Porto a Fernão Coutinho que vivesse nas suas casas de Monchique quarenta e cinco dias cada ano, repartidos em três temporadas, cada uma de quinze dias. Vindo o seu descendente Rodrigues Pereira ao Porto, e demorando-se mais de três dias para alem dos determinados, se ajuntou o povo e lhe pôs fogo às casas e houve mortos. Queixou-se Rodrigues Pereira ao juiz e vereadores. Os criminosos foram absolvidos por matarem e incendiarem em defesa dos seus privilégios.

A baixa de Miragaia, com as suas famosas arcadas, que mais não eram do que a frente das casas que davam para o areal, foi pouco a pouco sendo invadida pelo grupo terciário da nossa população, neste caso concreto os despachantes e transitários, e os seus escritórios foram tomando conta, como e habito, dos andares onde vivia gente. Mas o rio deixou de ter tráfego e as cargas por contentores, com muitas entregas directas aos importadores, foram cerceando a actividade dos despachantes e transitários e assiste-se agora ao fenómeno inverso: os escritórios partem e voltam as gentes, mas ainda há por cá muito inestética tabuleta a pedir legislação apropriada...

E, ao recordar a zona ribeirinha da vizinha Sé, temos de lembrar a da nossa freguesia. Nos tempos em que o rio era grande, como diz o nosso amigo e arrais Mestre Domingos, ou seja, no tempo em que não havia barragens no Douro, mal começavam as aguas a ameaçar a zona da Ribeira, já Miragaia as via a ameaçar as suas casas. E que a Alfândega foi construída sobre estacaria e dai que o contacto directo das aguas se faca rapidamente do rio para terra, através dos bueiros abertos para o movimento oposto. No ano de 1966, a agua foi tanta que algumas vezes voltou a entrar nas casas e os barcos tomaram a sulcar a Rua de Miragaia. A luta deste povo reflecte afinal o querer, a vontade indómita desta gente miragaiense, que se ergue impávida, briosa, a honrar-se como legitima descendente dos marinheiros de antanho que por aqui viviam.

Sendo uma das mais pequenas freguesias do Porto, não deixa de ser muito procurada por artistas do desenho e do pincel, que nas suas arcadas e ruelas vão encontrando, ao longo dos séculos, motivos de inspiração. Prova disso são, ao acaso, dois quadros que reproduzimos, de dois períodos tão diferentes: o romântico Gouvêa Portuense, publicado em livro de sua autoria, e o contemporâneo Angel Vasquez."

Júlio Couto ... "Guia de Miragaia"
Publicado pela Junta de Freguesia de Miragaia



9.10.07

Rua das CAMPINAS



Foto publicada e localizada aqui


Esta artéria começa na avenida da Boavista e termina na rua Dr. Alberto Macedo.



Avenida da BOAVISTA






Projecto dos arquitectos Arménio Losa (ver biografia) e Cassiano Barbosa (ver biografia), conhecido como Cooperativa do Pinheiro Manso - 1935.

Actualização (2012)



Foto de 2011, logo no início desta avenida temos um novo imóvel, eis a sua foto:


090112





Esta artéria começa na rua da Boavista e termina na praça Gonçalo Zarco.


4.10.07

Rua DOMINGOS MACHADO

vila leopoldina


Andei à procura e não encontrei quem foi este Domingos Machado... será que algum especialista da toponímia da cidade me pode ajudar?

Rua 5 DE OUTUBRO




Data que celebra a proclamação da República em 1910. (Arquivo da Toponímia)

Outras designações:
Rua do Príncipe da Beira (Roteiro de 1933)

3.10.07

Antigos nomes de ruas do Porto (fim)


Nomes Antigos _ _ _ Nomes Actuais

Rua Senhora de Agosto _ _ _ Terreiro D. Afonso Henriques

Travessa da Senhora de Campanhã _ _ _ Rua da Arada

Travessa da Senhora da Conceição _ _ _ Rua do Carvalho

Travessa de Serpa Pinto _ _ _ Rua de Niassa e Zambeze

Rua de Serralves _ _ _ Rua de Tânger

Travessa de Serralves _ _ _ Rua Jorge Reinel

Praça de Sidónio Pais _ _ _ Praça do Municipio

Bairro de Sobreiras _ _ _ Bairro Rainha D. Leonor

Bairro Social da Arrábida _ _ _ Bairro Sidónio Pais

Rua da Sovela _ _ _ Rua dos Mártires da Liberdade

Rua do Sport Progresso _ _ _ Rua Dr. Carlos Ramos

Rua do Teatro de S. João _ _ _ Rua do Cimo de Vila

Travessa do Teatro de S. João _ _ _ Travessa do Cimo de Vila

Avenida Teixeira Coelho _ _ _ Rua António José da Silva

Rua do Tenente Vidal Pinheiro _ _ _ Rua de Santa Isabel

Terreiro da Alfândega _ _ _ Largo do Terreiro

Viela da Tia Rosa _ _ _ Rua Comandante Rodolfo de Araújo

Viela da Tia Rosa _ _ _ Rua do Funchal

Viela dos Tintureiros _ _ _ Travessa do Bonjardim

Rua do Trás da Sé _ _ _ Rua de D. Hugo

Rua da Travessa _ _ _ Rua de S. Veríssimo

Largo Treze de Fevereiro _ _ _ Largo Primeiro de Dezembro

Travessa da Trindade _ _ _ Rua Dr. Ricardo Jorge

Rua do Triunfo _ _ _ Rua D. Manuel II

Lugar do Tronco _ _ _ Rua Nova do Tronco

Rua do Túnel _ _ _ Rua Cândida Sá de Albergaria

Praça da Universidade _ _ _ Praça Gomes Teixeira

Rua e Travessa de Val Pegas _ _ _ Rua e Travessa de S. Nicolau

Rua das Valas _ _ _ Rua Nossa Senhora de Fátima

Rua Particular do Vale Formoso _ _ _ Rua de Alcácer Ceguer

Travessa do Vale Formoso _ _ _ Rua Capitão Pombeiro

Rua das Verdades _ _ _ Rua da Senhora das Verdades

Rua de Vila Estrela _ _ _ Rua Brito Capelo

Rua de Vila Meã _ _ _ Rua Dr. Mauricio Esteves Pereira Pinto

Rua Visconde da Ribeira Brava _ _ _ Rua Pero de Alenquer

Praça dos Voluntários da Rainha _ _ _ Praça Gomes Teixeira



Travessa da PRELADA



1.10.07

Caminho das CONGOSTAS


Eu procurei, procurei, mas não consegui encontrar a origem do nome de Congostas. Tenho a impressão que tenho que ir dar uma volta ao blog da toponímia portuguesa...

Origem da Fonte Taurina e a idade da Fonte da Colher



O Porto e a água das fontes

"Fonte Aurina, D'Ourina, Tourina, ou Taurina ? Um jovem estudante, por causa de um trabalho académico que está a elaborar, tem andado a tentar saber mais sobre o abastecimento de água ao Porto, mas, é ele que o diz, a meio das investigações esbarrou em dois enigmas - o da Fonte Taurina e o da Fonte da Colher. Por isso mandou mail com duas perguntas a Fonte Taurina, existiu mesmo ou é produto da imaginação popular?; e qual a data da fundação da Fonte da Colher ?


Antes das respostas possíveis, uma curiosidade, para quem não saiba, evidentemente. A Fonte Taurina teve várias designações, algumas bastante estranhas e outras simplesmente incompreensíveis. Vejam só "Fonte Aurina" ou "Fonte de Aurina"; "Fonte Ourina" ou "Fonte d'Ourina"; e "Fonte Tourina" ou "Fonte Taurina". Esta designação é a que ainda hoje prevalece.

Que a Fonte Taurina existiu, não há dúvidas. Que foi de grande utilidade para as gentes ribeirinhas, em cuja zona se localizava, também é verdade. A dúvida maior, se assim se pode dizer, é estabelecer com rigor o local onde esteve.

Vamos, pois, à localização. A rua que tem o nome da fonte é das mais antigas da cidade. Já existia, pelo menos, em 1296. Em 1424, dizia-se que era "a rua que ia da Praça da Ribeira para a Fonte d'Aurina". Um documento de 1540 dá a fonte como ficando "no sítio da Ribeira, logo abaixo donde entra o Rio da Vila no Douro…" Mas há ainda quem assegure que a fonte ficava "cerca do Postigo e da Ponte das Tábuas…" E outro documento de 1535, existente no riquíssimo arquivo da Santa Casa da Misericórdia do Porto, indica a Rua da Ponte das Tábuas como sendo a actual Rua da Fonte Taurina.

Moral da história a fonte existiu, é um facto, porque há inúmeros documentos que o atestam, mas nada se sabe, em concreto, acerca da sua localização embora se presuma, com pequena margem de erro, que deve ter ficado algures no começo da Rua da Fonte Taurina, tomando como seu inicio a parte junto à Praça da Ribeira, ponde desagua o referido Rio da Vila que agora corre encanado por baixo das ruas de Mouzinho da Silveira e de S. João.

Agora, a Fonte da Colher que ainda funciona, embora não esteja no sítio primitivo. Está agora encaixada, se assim se pode dizer, na fachada de um prédio da Rua de Miragaia, perto das Escadas do Monte dos Judeus. O sítio onde se localiza a fonte, uma espécie de logradouro, ao fundo das Escadas do Monte dos Judeus e das embocaduras da Rua dos Armazéns e da Viela da Companhia, chamou-se, em tempos idos, Escampado, Escampadouro, Largo dos Navios e Largo da Fonte da Colher.

A mais antiga referência que se conhece à Fonte da Colher está num documento do cartório do Cabido que se guarda no Arquivo Distrital do Porto e refere-se ao ano de 1491 e diz respeito a um "contrato condicional de censo de 300 reis para aniversários, imposto nas casas que estão em Miragaia sobre a Fonte da Colher…"

O nome de Colher anda ligado a um antigo tributo que os feirantes pagavam quando vinham vender os produtos da sua lavra à cidade.

Pagava-se esse imposto de "todo o pão, farinha, nozes, castanhas e legumes que de fora chegassem ao Porto para aí serem vendidos".

Em 1868, os moradores de Miragaia que se serviam da água da Fonte da Colher reclamaram junto da Câmara porque a água, devido ao rebentamento do cano abastecedor, começava a escassear e porque "há muito tempo se não limpava o tanque ou depósito d'aquella fonte, onde a água se conserva estagnada e cheia de limo, produzindo emanações deletérias, reconhecidamente nocivas à saúde pública…"

Como facilmente se deduz do que acima fica escrito, a Fonte da Colher é muito antiga mas não é possível estabelecer a data exacta da sua fundação na praia de Miragaia. Sabe-se, no entanto, que o sitio onde agora está não é o que teve inicialmente. É verdade, também, que a sua água foi em tempos considerada "como a melhor em qualidade que teve a cidade". Pode-se avaliar da antiguidade desta fonte pela leitura da legenda, hoje quase imperceptível, que foi gravada na lápide da frontaria " Louvado seja o santíssimo Sacramento e a Puríssima Conceição da Virgem Nossa Senhora, concebida sem pecado original. 1629. A água d'esta fonte é da Cydade…"


O abastecimento de água, em qualidade e quantidade, a qualquer povoação, deve ser a primeira preocupação das entidades locais. Assim aconteceu no passado na cidade do Porto.

Desde sempre que os homens da Vereação Municipal se preocuparam com o abastecimento de água à cidade cuidando de que esse abastecimento fosse feito em quantidade suficiente mas, sobretudo, em qualidade. Exemplo disso é o teor da acta de uma reunião camarária de 1732.

Depois de ter "despachado vários papeis e petiçoens" e após ter "deferido seus requerimentos e partes" a Vereação tratou de nomear "Olheiros da limpeza das fontes e dos tanques da Cidade.

Estes "olheiros" tinham por missão zelar pela limpeza das fontes, tanques e chafarizes da cidade impedindo que nesses sítios as peixeiras tratassem do seu peixe ou as fressureiras lavassem as miudezas que andavam a vender de porta em porta.

Muitos anos mais tarde, o zelo municipal ainda se mantinha activo porque em 1868 o vereador Tomás Joaquim Dias pediu à Câmara que mandasse fazer um estudo sobre os tanques e nascentes do então já chamado Campo de 24 de Agosto, por estarem a ser conspurcados pelos tintureiros."

Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias


Viela dos ABRAÇOS DE RAMALDE

Abraços de Ramalde

Foto publicada aqui




Esta artéria começa em: rua de Requesende

e termina em: travessa da Prelada.


Largo do PADRE BALTAZAR GUEDES

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Foto publicada e localizada aqui



Em 1903, nas ruínas do Seminário de Santo António iniciado em 1804 e que ardeu durante o cerco do Porto, foi instalado o Colégio dos Meninos Orfãos, que o padre Baltazar Guedes fundara em 1651, no Campo do Olival, onde está hoje a Universidade. Com esta transferência ao que se denominava, desde princípios do séc. passado, o Monte do Seminário, passou a apelidar-se avenida e agora Largo do Padre Baltazar Guedes. (Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas)

Já se chamou igualmente: Monte do Seminário e Avenida do Padre Baltazar Guedes.


Sobre o Padre Baltazar Guedes:

Nasceu no Porto em 6 de Fevereiro de 1620 e faleceu no Porto em 6 de Setembro de 1693. Fundador do Colégio dos Meninos Órfãos. Sacerdote desde 1644, aplicou todos os seus bens e esmolas que angariou na fundação, no Porto, do Colégio de Nossa Senhora da Graça, para meninos órfãos, em 21-11-1651. Fundou também, em 1681, um hospício para crianças abandonadas, onde funcionou, até 1864, a roda dos expostos. Graças à sua influência reedificou-se a Igreja de S. Lázaro, com o hospício anexo. Instituiu ainda as confrarias de clérigos de S. Pedro e de S. Filipe de Neri e para seculares a da Nossa Senhora da Boa Morte.
Arquivo da Toponímia


Sobre o Colégio dos Órfãos:
COLÉGIO DOS ÓRFÃOS - Primeira Roda dos Expostos. Fundador, o padre Baltazar Guedes, portuense nascido em 1620. Possuía inatas habilidades arquitectónicas pois diz-se ter sido ele quem desenhou e quem dirigiu as obras da igreja de S. Nicolau na versão de 1671 que ardeu em 1758, também foi o autor do delineamento da Fonte da Arca, na sua versão de 1682, na Praça da Natividade. Procedente de família pobre, a morte prematura do pai interrompeu-lhe os estudos sacerdotais. Cheio de força de vontade prometeu entregar a sua vida ao culto da Senhora da Graça se lograsse concluir a ordenação. Logo que tomou ordens de presbítero ficou a ser o capelão da velha capela da Senhora da Graça, assente sobre uma parcela do terreno onde hoje (1972) se ergue a Universidade, e concebeu o plano de acudir à infância desvalida fundando um colégio, onde as crianças órfãs do sexo masculino encontrassem agasalho, educação e sustento, habilitando-as a serem úteis a si e à sociedade. Absolutamente sem recursos, tomou conta de dois órfãos, e pondo-se em peregrinação com eles, foi percorrendo a pé toda a província, de terra em terra e depois todo o reino, a solicitar esmolas para a caridosa instituição. Quando teve uma quantia que lhe pareceu suficiente para os primeiros trabalhos da fundação, voltou à cidade do Porto. O local escolhido foi o Campo do Olival fora dos muros da cidade, hoje Campo dos Mártires da Pátria e, o título que deu à instituição foi o de Colégio dos Meninos Órfãos, sob a invocação de Nossa Senhora da Graça cuja capela se encontrava mesmo ao lado do Colégio. Em 1649 com o seu jeito para a arquitectura construiu um pequeno edifício para albergar os primeiros órfãos, o povo espicaçado por “algumas pessoas eclesiásticas” inimigas do colega que queria transcender as suas funções litúrgicas para se espraiar no mundo social, apedrejaram e por fim destruíram o modestíssimo colégio, ao mesmo tempo que vociferavam as mais torpes injúrias contra o seu construtor. As obras pararam por falta de dinheiro até que teve uma herança de um tio. Esta herança tem outra história: o certo é que Baltasar Guedes tinha um irmão Pantaleão da Cruz, surdo-mudo de nascença que enviou para o Brasil e este conseguiu obter vultosa soma para os desamparados. Inauguração solene no dia 25 de Março de 1651 e colocou-se à testa do estabelecimento como reitor. As disciplinas eram: latim, música, náutica, desenho e outras artes. Faleceu em 1693. No testamento entregou ao senado da cidade o colégio e a sua administração. Foi nesta instituição que em 1762 se instalou a Aula de Náutica e em 1779 a aula de Desenho e Debuxo, ambas precursoras da Academia real de marinha e comércio da cidade do Porto, fundada em 29 de Julho de 1807, por Maria I, e transformada em 1837 num estabelecimento de instrução, com feição industrial denominada Academia Polytechnica do Porto. Em 1803 o governo quis edificar grande casa para a Academia nos terrenos do Colégio, que dela colheria bons réditos com o aluguer de dependências que se lhe destinavam. Mas o Colégio, desastrosamente enquistado nela, não veio a lucrar o prometido. Daí o acordo com a Câmara que administrava o Colégio; o Estado dar-lhe-ia trinta contos, deixando a propriedade do seu colégio, que veio para a Rua dos Mártires da Liberdade e depois para o edifício do Seminário Velho, ao Monte do Prado, perto do Cemitério do Prado do Repouso onde ainda se encontra com a sua igreja inaugurada em 1906 e sob a direcção dos padres Salesianos a quem foi entregue pelo Município em 1951.