2.4.07

Sobre a rua dos Caldeireiros

Profissões que deram origem a nomes de ruas da cidade estão praticamente extintas
Rua de apenas um caldeireiro

Vão longe os tempos em que a actividade da ferraria era rainha na Rua dos Caldeireiros. Actualmente, apenas um caldeireiro faz jus à toponímia que deu o nome definitivo aquela artéria. A designação ficará para sempre, a actividade apenas permanecerá na memória de quem viveu os tempos áureos dos caldeireiros.


Cátia Alves da Silva no Primeiro de Janeiro

Muito antes de surgir o nome Rua dos Caldeireiros, em 1780, a actividade ligada à ferraria já ocupava vários recantos daquela artéria. Rua dos Ferreiros e da Ferraria do Souto foram alguns dos nomes que antecederam a actual designação toponímica de Rua dos Caldeireiros, conforme se pode ler na edição de Cunha e Freitas. É, entretanto, curioso verificar que apesar da designação da artéria ter derivado de ali existirem em tempos oficinas de caldeiraria, que assumiram uma importância inquestionável, actualmente apenas um caldeireiro resistiu à evolução dos tempos.
Quem sobe a Rua dos Caldeireiros é impossível deixar de ouvir o som estridente do martelo a bater na chapa. Caminhando de encontro a esta sonância acabamos por encontrar uma placa publicitária da caldeiraria, já marcada pelas intempéries do tempo, onde pode ler-se: «Desde 1946». Mas José Santos, o único caldeireiro sobrevivente, garante que a data está errada e que o estabelecimento conta já com muitos mais anos.
José Santos tem 72 anos e há 50 que trabalha na única caldeiraria ainda aberta. Mesmo depois de se ter reformado continuou a trabalhar. Não pelo dinheiro, mas para estar “entretido” e essencialmente porque, reforçou, “parar é morrer”. Há sete anos que a caldeiraria está na sua posse apesar de o estabelecimento não ter ido parar às suas mãos por vontade própria, mas porque o patrão lhe pediu para tomar conta. A sua rotina diária é simples e meticulosa. Chega à caldeiraria por volta das 7h30 mas só abre o estabelecimento apenas às 9h00. Durante todo o dia fica à volta das ferrarias e fecha por volta das 20 horas. No entanto, o trabalho é cada vez menos e começa a tornar-se complicado manter a caldeiraria aberta. “Os cilindros eléctricos vieram tirar trabalho aos caldeireiros e aos poucos as oficinas foram fechando”, explicou.
Hoje em dia, José Santos vai arranjando alguns dos cilindros e fazendo alguns novos, até porque “a mão do homem é imprescindível”.

O fim de uma arte secular
Foi há cerca de 14 anos que as caldeirarias que deram nome à rua começaram a fechar e foi com tristeza que José Santos assistiu a todos esses encerramentos. “É com mágoa que vejo a minha arte a acabar. Se tivesse algum tipo de apoio da câmara, que me desse apenas para as despesas mantinha a caldeiraria aberta, nem que fosse apenas para continuar a cumprir a tradição desta rua”, apelou o caldeireiro, acrescentando que as artes antigas vão acabar junto com as pessoas que durante anos lhes deram vida.
Apesar das contrariedades, José Santos mantém a caldeiraria aberta, mas segundo os vizinhos já não é a primeira vez que este ameaça encerrar o estabelecimento. Actualmente, o caldeireiro conta apenas com um funcionário que vai lá “dar uma mão”. No entanto, confessa que os lucros nem sequer dão para as despesas. Por enquanto, o resistente caldeireiro vai fazendo jus à toponímia e é no Verão que se torna o ex-libris da Rua dos Caldeireiros, quando os turistas que por lá se passeiam lhe tiram fotografias enquanto martela nas chapas envelhecidas à entrada da caldeiraria.
O certo é que se José Santos fechar a caldeiraria encerra também um capítulo importante da cidade Invicta, o de uma actividade que durante vários séculos trouxe milhares de forasteiros à rua que ficou conhecida como sendo dos Caldeireiros.

O tempo dos caldeireiros
Com uma vida dedicada à arte da ferraria, José Santos recorda-se da rua dos Caldeireiros ser prolífera neste tipo de oficinas. Nesta altura, havia duas épocas altas durante o ano, a altura da Páscoa quando as confeitarias precisavam de tachos para fazer as amêndoas e a época das vindimas quando se faziam os alambiques para a feitura da aguardente. Fundiam-se ainda fogões a lenha, braseiros, caldeiras e faziam-se trabalhos artesanais em cobre martelado, chaminés e loiça decorativa.
José Santos ainda relembra com saudade o tempo em que a caldeiraria tinha sete funcionários e o trabalho “era mais que muito”. O horário de entrada era às oito da manhã e saíam apenas quando a lua já ia alta, por volta das nove da noite. Os tachos e braseiros enfeitavam a entrada da caldeiraria e convidavam a entrar.
Ferraria, pichelaria e funilaria eram apenas algumas das artes que também tinham representatividade nesta artéria, hoje em dia extintas. Na sapiência dos seus 72 anos, José Santos atreve-se a dar uma explicação para o encerramento das oficinas: “Os pais reformaram-se e os filhos não quiseram saber mais da arte”. No entanto, afirma que por vezes ainda vão lá algumas pessoas procurar por esse tipo de serviços.

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Insegurança
Assaltos diários

Nos dias de hoje a rua dos Caldeireiros não tem movimento praticamente nenhum, mas houve tempos em que as lojas comerciais ali existentes, tal como a Casa das Lâmpadas, a única ainda em funcionamento, tinham fila à porta. “Hoje em dia quem quiser abrir aqui um estabelecimento é para se desgraçar porque isto não tem movimento nenhum”, lamentou José Santos. Este gradual encerramento dos estabelecimentos comerciais deu lugar a um crescendo de actos de vandalismo. Uma das coisas que o caldeireiro mais lastima é o facto de, ultimamente, a rua dos Caldeireiros ter vindo a ser alvo de uma onda de assaltos. “Não há uma loja nesta rua que já não tenha sido assaltada”, sublinhou. A própria caldeiraria já foi assaltada por duas vezes. “Há alturas em que sinto medo de estar aqui sozinho, principalmente pela manhã e pela noite”, referiu. A falta de policiamento é uma outra das queixas apresentadas por José Santos. “É certo que a polícia faz a sua ronda por estas bandas uma ou duas vezes por dia, mas os ladrões sabem quando actuar”, frisou.

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Outras profissões
outras ruas
Para além da Rua dos Caldeireiros, a toponímia portuense privilegia ainda outras profissões que foram basilares para a cidade em séculos anteriores. O JANEIRO calcorreou algumas dessas ruas e foi à procura de vestígios ou até mesmo das actividades que deram nome às artérias. Começando pela antiga Rua Chã, actual Rua do Loureiro, o cenário com que nos deparamos é bem diferente daquele que em tempos, não muito longínquos, dava primazia ao comércio de electrodomésticos. Actualmente, os artigos chineses e indianos invadiram a artéria.

Das canastras
aos restaurantes
Descendo até à Ribeira bem defronte ao Rio Douro avistamos a rua dos Canastreiros. Em tempos, foi assento de operários da arte de fazer canastras. Hoje, poucas são as canastras feitas artesanalmente e nenhumas são feitas naquele local. O lugar privilegiado da Rua do Canastreiros fez com que ali se instalassem restaurantes e tascas que fazem as delícias de turistas e não só. Lembranças dos tempos em que os canastreiros ocuparam aquele local há apenas o nome de um restaurante «A Canastra da Ribeira».

Os móveis da Picaria
Quem sobe em direcção ao Túnel de Ceuta encontra do lado direito a Rua da Picaria. Como picaria é a arte de adestrar cavalos será, portanto, de admitir que houvesse por ali, em algum tempo, qualquer picadeiro, de que hoje não resta memória. Nos nossos dias, quase todos os estabelecimentos estão ligados à carpintaria e marcenaria, a par das lojas de venda de mobiliário. Actualmente quase que aquela artéria se poderia chamar rua dos Carpinteiros. Dos tempos em que os cavalos relinchavam por aqueles lados, apenas resta a fachada de um edifício que na época os acolhia. No presente é uma oficina de placas de fibras de madeira.