31.3.08

Rua GUSTAVO DE SOUSA (actualização - 2013)



30 | 03 | 08

Fotografia publicada e localizada no Flickr



Embora nada esteja especificado na página da Toponímia da Câmara Municipal, penso que este "Gustavo de Sousa" (1818 - 1899) deve ter sido o engenheiro responsável pela construção do "Salão Árabe" do Palácio da Bolsa.

Actualização em Dezembro de 2013:

Acabo de encontrar algo mais sobre Gustavo Adolfo Gonçalves de Sousa na página da Universidade do Porto:


« Gustavo Adolfo Gonçalves de Sousa nasceu no Porto, em 1818.


Durante a juventude combateu no Cerco do Porto (1832-1833), tendo servido como alferes no batalhão comandado por José Vitorino Damásio (1807-1875), engenheiro, professor e fundador da Associação Industrial Portuense.


Nesta cidade, frequentou a Academia Politécnica do Porto. A 18 de Setembro de 1850 foi-lhe atribuída carta de curso de Engenharia Civil de Pontes e Calçadas.


Em 1851 foi nomeado lente substituto da Academia Politécnica do Porto, deste modo tornando-se o primeiro ex-aluno formado nessa escola a integrar o seu corpo docente. Dezassete anos mais tarde, pelo Decreto de 7 de Outubro de 1868, foi promovido a lente proprietário da 5.ª cadeira (Astronomia e Geodesia), sucedendo a Joaquim Torcato Álvares Ribeiro. Em 1853 passou a leccionar também a 3.ª e 5.ª cadeiras da Escola Industrial do Porto, incentivado por José de Parada e Silva Leitão, combatente liberal, lente da Academia Politécnica do Porto e fundador do "Jornal da Associação Industrial Portuense".


Gustavo de Sousa integrou a comissão para a construção da Academia Politécnica, projectada por José da Costa e Silva e Carlos Amarante e, em 1862, sugeriu alterações para o edifício cuja construção estava em curso. Esta foi a razão pela qual, na sessão de 30 de Julho desse ano, o Conselho Académico da Academia Politécnica votou agradecimentos a Gonçalves de Sousa "pelo muito trabalho que teve em elaborar as plantas e os cortes para o edifício da Academia, oferecendo para subir ao governo um trabalho que honra a Academia".


A 26 de Janeiro do ano seguinte, o "plano geral" das obras do edifício foi enviado às autoridades competentes, dele constando acomodações para a Academia Politécnica, para a Academia Portuense de Belas Artes, para a Escola Industrial e para a Biblioteca Pública.


Entre 1860 e 1879, Gonçalves de Sousa dirigiu as obras do Palácio da Bolsa, onde, entre outros projectos, riscou a Escadaria Nobre (1862) e o Salão Árabe (antigo "Salão das Recepções"), construído a partir de 15 de Setembro de 1862 e inaugurado a 12 de Junho de 1880, numa sessão comemorativa do terceiro centenário da morte de Luís Vaz de Camões (1524-1580).


Na década de sessenta do século XIX, Gonçalves de Sousa colaborou na construção do Palácio de Cristal, desenhado por Thomas Dillen Jones e executado por F. W. Shields. Foi director do Instituto Industrial do Porto, trabalhou nos serviços das Obras Públicas do Estado, na construção de estradas e foi engenheiro da Câmara Municipal do Porto. Projectou a Avenida da Boavista durante a segunda metade do século XIX e traçou a planta da nova Capela Geral do Cemitério de Agramonte, iniciada entre 1870/1871 e alterada em 1906 pelo arquitecto José Marques da Silva.


Morreu no Porto a 30 de Março de 1899. »


30.3.08

Rua CÔRTE REAL

cores

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António Maria de Vasconcelos Côrte Real foi personalidade em evidência na política dos princípios do séc. XX.
(Arquivo da Toponímia)


Esta rua já teve o nome de Rua da Igreja de Nevogilde até 12-04-1922 e de Rua de António Corte Real até 17-05-1922, segundo o que consta nos já citados arquivos, embora eu não tenha encontrado mais referências ao citado Corte Real...


28.3.08

S. Brás

O coronel Owen, no seu relato sobre o Cerco do Porto, aponta como 8.ª Bateria das linhas que o protegiam uma colocada "em S. Brás para para defender o Lindo Vale". Também Alberto Pimentel a situa próxima do Monte Pedral, "centro da linha, sob o auxílio da bateria de S. Brás, que protegia aquele Vale". A bateria ficava no ponto mais alto da rua do mesmo nome e Eugénio Cunha e Freitas considera que, quando esta foi aberta, teria recebido o nome daquele reduto liberal. O mais provável, porém, é que rua e bateria colhessem a designação de anterior devoção religiosa ali existente, dedicada a um santo popular na região do Porto pelas virtudes curativas dos achaques da garganta.

De qualquer modo, interessa para aqui o facto de, ao longo da segunda metade do século XIX, na nova artéria de expansão da cidade para Norte, a partir de Santo Ovídio, se terem implantado residências da pequena e média burguesia portuense e, pelas proximidades do grande pólo fabril de Salgueiros, inúmeras ilhas (ou, nuns casos, bairros). Não admira, de igual modo, o aparecimento de manifestações de uma certa cultura popular, operária, característica daquele Porto profundo que o tempo e as mudanças sociais vão desvanecendo.

Dos bairros, destacavam-se o da Coreia e o dos Verdetes, este há muito demolido, que adquirira o nome da alcunha de uma família da zona. E, de entre as figuras típicas e apreciadas da rua, destacava-se (nos anos 20 ou 30) a bruxa de S. Brás, Armandina de seu nome.

Era uma mulher baixa, vestida de preto, muito respeitada pela vizinhança do bairro da Lapa e redondezas. Tinha a casa sempre cheia de clientes e um dos serviços mais comuns que lhes prestava era espantar o diabo, ao sábado à noite, do cemitério da Lapa (que confina com a zona baixa da rua). Para tal operação arranjava um galo e pedia ajuda a catraios, que lhe serviam de assistentes, pagando-lhes vinte e cinco tostões pelo serviço.

Nada mal para a época. Estes lançavam o galo de um sítio alto, em momento previamente combinado, e o bicho esvoaçando no escuro, para as almas incrédulas, passava pelo mafarrico a fugir dos poderes da bruxa. Depois, os miúdos percorriam o bairro à procura do bicho, e quem o encontrasse chegava a casa com um inesperado pitéu para o almoço familiar de domingo.

Nesta comunidade solidária, também existia um daqueles "lugares de encontro sem etiquetas que alimentavam a vida dos bairros" (Christopher Lasch, que lhes chamava "pátrias da conversa") o tasco do Se Zé. O dono desempenhava, além do mais, a importante função de construir os bonecos do Judas que, em sábado de Aleluia, eram queimados no meio de grande foguetório e bichas de rabiar. Inicialmente realizada às dez da manhã, a função passou a ter lugar à noite, que dava outro efeito (arrelampando o Diabo de serviço, que, na altura dos estoiros, nem precisava de galo ou bruxa para se pôr ao fresco). Mas, se a Páscoa era uma festa, o S. João da rua não lhe ficava atrás. Com cascata, luminárias, música e arraial e, em 1953, ornamentações. Para isso, em 20 de Julho daquele ano, o cidadão Alberto Lajes, ali morador, entregava na C.M.P. um pedido de licenciamento para a colocação dos mastros para a festa.

Sendo os meados do século XX ainda anos de ouro de lugares e colectividades que, para Lasch, definiam "as raízes da coesão social a partir de pressupostos comuns tão profundamente inscritos na vida de todos os dias", a rua possuía o Grupo Excursionista "Os Amigos de S. Braz". Fundado em 8.8.1954, integrava (contrariamente a outros, só masculinos) nove homens e oito mulheres. O seu 6.º Passeio Anual realizou-se entre 28 de Agosto e 1 de Setembro de 1960, com partida às 5 da manhã do Porto para Coimbra (pequeno-almoço), seguia para Tomar (almoço na Pensão Tomarense) e Lisboa (Pensão Lusitana), onde ficavam três dias. De regresso, saíam às 7 da manhã, para Estoril, Cascais, Sintra, Nazaré, Batalha e Leiria (almoço na Pensão Castelo), depois para Aveiro (jantar de confraternização na Casa Birra) e até ao Porto. Contentes por terem visto o país, que, para eles, era o turismo possível. Fraternalmente, como diziam na Saudação constante do Programa dirigida aos "Grupos congéneres, assim como toda a população das lindas terras por onde passam, formulando a todos votos de grandes prosperidades."

Tudo isto desapareceu. O mundo mudou e a cidade também. Para melhor e para pior. A perda do sentido da vida em comum está nesta última categoria. Como escrevia Ray Oldenburg num livro magnífico de título compridíssimo sobre "Os Bons Velhos Lugares", etc. "Aqueles que pretendem que os centros comerciais favorecem um novo sentimento de comunidade resvalam nas margens do absurdo mais total". E explica: "Enquanto a rua apresenta uma grande riqueza humana", o centro comercial "é amálgama flutuante de não-pessoas".

Hélder Pacheco
publicado no Jornal de Notícias



Rua PERO DA COVILHÃ

verde e azul num domingo


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O nome desta rua data de 1939.


Sobre Pêro da Covilhã pode ler mais aqui: Pêro da Covilhã na Wikipédia


Eu li com muita atenção e não consigo vislumbrar a relação existente entre este indivíduo e a cidade onde nasci....


27.3.08

Rua GONÇALO CRISTOVÃO

os modestos

Edifício onde durante décadas funcionaram "Os Modestos"


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Tem este nome desde 1838!

Gonçalo Cristovão Teixeira Coelho de Melo Pinto da Mesquita, senhor de Teixeira e de Cergude, e da Quinta de Santo António do Bonjardim, planeou em 1831, iniciar a urbanização desta sua vasta e bela propriedade, então às portas da cidade. Para isso e com parecer favorável do Corregedor, de 19 de Janeiro de 1832, alcançou uma Provisão, em 8 de Fevereiro seguinte, para ceder parte desses terrenos à Câmara. Mas só por escritura de 31 de Dezembro de 1838 se efectivou esta cessão abrindo-se no ano seguinte de 1839 três artérias: a Rua Nova do Duque do Porto, hoje Rua de João das Regras, a de Camões e a de Gonçalo Cristovão. Esta que faria a ligação entre as ruas de Santa Catarina e do Bonjardim com o Campo de Santo Ovídio actual Praça da República, dizem-no que recebe o nome do doador por expressa imposição deste. Nos terrenos marginais das três artérias subemprazou depois seu filho e sucessor José António Teixeira Coelho de Melo Pinto da Mesquita, chãos para edificar, o que se fez rapidamente, com o consentimento do senhorio directo que era o Cabido da Sé do Porto. Uma planta desenhada por Costa Lima, em 138, aponta a Rua de Gonçalo Cristovão sem alcançar ainda a do Bonjardim; outra, do ano seguinte, já a mostra ligando esta no actual Largo do Dr. Tito Fontes. A continuação até à Rua de Santa Catarina fez-se só mais tarde, não figurando ainda na planta de Perry Vidal, de 1844.

"Toponímia Portuense" de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas

Também aconselho a leitura de “O Tripeiro” , V série, ano XV pág. 37



"Liga a Praça da República (Campo de Santo Ovídio) à Rua de Santa Catarina. Fazia parte dos terrenos da Casa e Quinta de Santo António do Bonjardim. Esta quinta era foreira ao Cabido da Sé do Porto, seu directo senhorio, e cujo domínio útil pertencia a Gonçalo Cristóvão que detinha a enfiteuse. Este ofereceu
à Câmara a quinta para nela se fazerem duas ruas tendo os terrenos laterais, mal elas se rasgaram, começado logo a serem subemprazados a diversos particulares que implicitamente ficavam também a ser onerados com o respectivo laudémio de 4-1 a favor do Cabido.
Foi num desses terrenos da Rua Gonçalo Cristóvão que se fez a mina de água para o Manancial de Camões.
O fidalgo do Bonjardim, como era conhecido Gonçalo Cristóvão, possuía também casa em Vila Real de onde era oriundo, assim como em Lisboa, onde costumava passar largas temporadas como fidalgo da corte. Esteve 16 anos encarcerado no forte da Junqueira por ordem de Pombal, 1761 a 1777. Só o salvou a demissão do ministro em Março. Mal saiu em liberdade foi para Vila Real onde ainda viveu muitos anos.

À época das negociações para a abertura da Rua de Camões o proprietário era outro Gonçalo Cristóvão, moço fidalgo da Casa Real, assentou praça em 1794 com 15 anos e, em 1814 era tenente-coronel com exercício de coronel-comandante do Batalhão de Voluntários Reais do Porto.
A Quinta do Bonjardim, que tinha a forma de um pentágono, era limitada ao sul pela Travessa da Doida (Rua de Liceiras, hoje Alferes Malheiro) que chegando ao sítio da actual estação remontava para a Rua do Bonjardim, fazendo assim os dois lados inferiores do pentágono; ao poente pela Praça de Santo Ovídio (Campo da Regeneração) e um pouco da Rua do Almada; ao norte pelo sítio de Germalde (onde se abriu com direcção nascente-poente a Nova Rua do Duque do Porto, hoje João das Regras); e ao nascente pela Rua do Bonjardim. A Nova Rua do Duque do Porto é aquela que pelo lado direito chega à fachada do Quartel da Praça da República e que, portanto, está em frente da Rua da Boavista. A casa senhorial da quinta erguia-se um pouco acima do actual Largo do Dr. Tito Fontes, voltada para a Rua do Bonjardim.

Em 1831 Gonçalo Cristóvão requereu ao governo (miguelista) que estava disposto a oferecer gratuitamente à Câmara todo o terreno necessário à abertura de três ruas, desde que a uma delas se desse o seu nome. A Câmara aceitou a generosa oferta em 1838 com a condição expressa de que toda a água lá encontrada seria para uso da cidade, pelo que se lavrou escritura em 1838, já com o filho. Depois
de 1838 foram abertas três ruas. Uma com a direcção sul-norte, a Rua de Camões e outra no sentido nascente-poente a que se chamou Gonçalo Cristóvão, a terceira, paralela a esta, no limite setentrional da quinta, também no sentido nascente-poente, a actual Rua João das Regras.

O lado nascente da Rua de Camões desde a Rua de Gonçalo Cristóvão até Liceiras (isto é, a parte onde estão hoje os terrenos da estação da Trindade) depois de várias vicissitudes foi passando para a posse da Câmara. Neste lado nascente no extremo sul, talvez onde está hoje o edifício da estação, a Câmara já comprara ao fidalgo, em 1829, um chão rectangular onde havia uma óptima nascente que era privativa da quinta e que foi comprada com o seu aqueduto. Era o manancial de Camões. A Câmara mandou construir uma arca de água em 1846 que veio a ser demolida em 1853. O manancial de Camões alimentava o Hospital da Ordem da Trindade a fonte da Praça da Trindade, demolida em 1853, as fontes do pátio dos Paços do Concelho, da Rua de Sá da Bandeira na esquina com Sampaio Bruno e do Largo de S. Bento das Freiras.

Nas traseiras do prédio nº 308 da Rua Gonçalo Cristóvão, ao fundo de um pátio com frente para a casa, que no ano de 1957 foi demolido juntamente com dois contíguos para se erguer um edifício de sete andares, havia uma lindíssima fonte com espaldar de pedra artisticamente trabalhada, que se pensa ter pertencido ao fidalgo do Bonjardim. Esta fonte foi vendida em 1957, ao conde da Covilhã.

A primitiva Rua de Gonçalo Cristóvão corria entre o Largo do Bonjardim e a Rua de Camões. Depois, mais tarde, é que se abriu a parte da Rua de Gonçalo Cristóvão que vai até à Rua de Santa Catarina. Na parte que ia para a Rua de Camões havia uma depressão muito grande e foi preciso para a nivelar construir de ambos os lados da rua dois altos paredões. Ainda se pode ver o do lado sul sobranceiro à estação da Trindade. O paredão do lado norte desapareceu pois foi aterrado, em 1852, para trazer os terrenos desse lado ao nível da rua. No lado da rua que vai em direcção da Rua de Santa Catarina o problema era inverso.

Havia uma alta pedreira que foi preciso desbastar. Ainda hoje restam indícios.
Na esquina de Gonçalo Cristóvão com a Praça da República construiu-se o Palacete das Águias no qual esteve a cooperativa “O Problema da Habitação” (actualmente é a Ordem dos Advogados). Na esquina oposta e com frente para a Rua do Almada ergue-se a Capela dos Pestanas de estilo neo-gótico mandada construir em 1888 pelo engenheiro Pestana da Silva. Em redor da capela e nas traseiras do Palacete dos Pestanas viceja um jardim que chegou a ser um dos melhores e mais aprazíveis da cidade.
Nos terrenos da futura estação da Trindade, espaçoso recinto que veio a tomar o nome de Largo de

Camões, havia o antigo Horto Municipal. Aí foi inaugurado em 27 de Novembro de 1886 o Teatro Camões, que pouco tempo depois, em 1887, passou a chamar-se Teatro Chalet, que foi demolido em 1899 para ser ampliado o Horto. No Largo de Camões, já nos anos 30 (?), com as suas típicas casas de pasto em redor, estacionavam as camionetas de passageiros que serviam as zonas arrabaldinas do lado oriental da cidade.
Na Rua Gonçalo Cristóvão estavam as escolas primárias: Escolas Paroquiais da Freguesia de Santo Ildefonso, fundadas em 1886. No mesmo edifício encontravam-se instaladas a Regedoria e a Junta de Santo Ildefonso assim como uma Biblioteca Popular a nº 1, a cargo da Câmara.
Também na mesma rua, há uma fotografia, no chamado Palacete das Lousas, por o último andar do prédio estar revestido de placas de ardósia, estava a Escola Comercial Raúl Dória, inaugurada em 9 de Outubro de 1907, não obstante a sua fundação datar de 30 de Novembro de 1902.
Também na mesma rua está a Creche de S. Vicente de Paulo - depois de várias instalações, encontrava-se em edifício próprio na Rua Gonçalo Cristóvão num terreno cedido pela Câmara. O projecto é da autoria do arquitecto António de Fontes Soares e começado em 1884. Fundada em 1852. Camilo fez parte da primeira direcção como visitador. Em regime gratuito e provisório instalou-se no prédio da Praça da Trindade esquina da Rua do Laranjal, que pertencera ao capitalista Ferreirinha, e onde havia funcionado a Assembleia Portuense, passando depois pelas ruas do Pinheiro, da Picaria, de Santo Ildefonso, do Almada, até que nos finais de 1886, se assenta definitivamente em Gonçalo Cristóvão, ângulo das Carvalheiras, com um número de 100 crianças.

Ainda havia o edifício da Associação Portuense de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas, instituída e instalada no dia 25 de Março de 1856 e confirmada por alvará régio de 10 de Março de 1857. Neste prédio foi fundado o Grupo dos Modestos (Escola de formação de muitos actores de teatro portuenses) em 25 de Setembro de 1902.

Ainda na Rua Gonçalo Cristóvão foi assente em 1904 a primeira linha de carros eléctricos que ligou a Boavista a S. Lázaro.
O viaduto de trânsito automóvel e carros eléctricos foi aberto no dia 20 de Setembro de 1962."

Notas recolhidas por Jorge Rodrigues

Rua de CABO VERDE

verde

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Arquipélago de origem vulcânica situado no Atlântico entre os paralelos de 17° e 14° de latitude norte e entre cerca de 400 a 500 Km a oeste da costa africana. É constituido por dez ilhas que se distribuem em dois grupos; o de Barlavento, de que fazem parte as ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boavista; e o de Sotavento, com as ilhas de Maio, Santiago, Fogo e Brava .
(Arquivo da Toponímia)

Desde 1945 que tem o nome actual!


26.3.08

Praça NOVE DE ABRIL

jardim

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Mas eu, como muitos portuenses, continuo a dar o nome de Jardim da Arca d'Àgua.

Para ler mais sobre o "9 de Abril de 1918" ver aqui.


"Para sabermos um pouco mais sobre esta praça, podemos recorrer ao que sobre ela escreveu Luís Miguel Queirós, no Público de 13 de Fevereiro de 1994:

«Em 1865, a imprensa da Universidade de Coimbra dava a lume um opúsculo intitulado "Bom-senso e Bom-gosto: Carta ao Excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho". Antero de Quental, o autor da missiva respondia a dobrar às ironias que o patriarca das hostes ultra-românticas, o velho Castilho, ousara endereçar-lhe num posfácio que redigira para o "Poema da Mocidade", do então jovem escritor Pinheiro Chagas. Esta inofensiva troca de sarcasmos serviu de faúlha para acender uma violenta polémica, que envolveu boa parte das principais figuras literárias da segunda metade do século XIX.

Camilo foi um dos saiu a terreiro a defender o poeta cego. E Ramalho Ortigão, que mais tarde se integraria plenamente na chamada Geração de 70, talvez influenciado pelo facto de ter tido Castilho como professor de Grego e Humanidades, não lhe regateou também a sua pena-e o seu braço, como veremos...-,repreendendo duramente Antero no seu "Literatura de Hoje". A ramalhal figura foi mesmo ao ponto de publicamente crismar de covarde o poeta das "Odes Modernas". Antero não gostou. E a coisa esteve para se resolver numa trivial pancadaria de rua. Mas chegado ao porto para se esclarecer com Ramalho, Antero deu de caras com Camilo, que o persuadiu a desistir da cena de rua em favor de um duelo "comme il faut". Ramalho foi pois convidado a escolher as armas e optou pela espada, que manejava com reconhecida destreza. Antero, por seu turno, dirigiu-se a uma sala de esgrima para se inteirar das regras básicas da modalidade. Na manhã de 6 de Fevereiro 1866, paravam dois coches no
largo da Arca d'Água. Apearam-se contendores e testemunhas e logo se deu início ao duelo. Foi uma coisa rápida, e pouco depois as viaturas voltavam a partir, levando, uma delas, um Ramalho combalido e de braço ao peito, a outra o impetuoso Antero, que não sofrera a mínima beliscadura.
Quando serviu de cenário à resolução da célebre pendência, a Arca d'Água pouco mais era do que um descampado, ainda que o grande manancial de água de Paranhos conferisse ao local, desde tempos medievais, assinalável importância na vida do burgo.
O seu topónimo secular-na carta de couto que a rainha D.ª Teresa outorgou em 1120 ao bispo D.Hugo mencionam-se já duas "arcas", supondo-se que esta seria uma delas- deriva do lençol de água que corre sob o actual jardim. Sabe-se que no século XVI ali existiam três fontes, justificando que em documentos antigos surja a denominação "Arca das Três Fontes", e que no reinado de Filipe I se levou a água de Paranhos, através de condutas de granito, aos vários chafarizes da cidade.
O belo jardim que hoje embeleza este local, outrora praticamente deserto, transformou a Arca d'Água num dos largos mais aprazíveis do Porto. E os que nele habitam, ou nas suas imediações, prezam tanto o seu tranquilo reduto que recentemente se insurgiram contra a utilização do jardim como palco de uma festa popular, que ali se realiza anualmente. Mas temos vindo a falar do jardim de Arca d'Água e esquecemo-nos de mencionar que, na verdade, não se chama hoje assim.
O seu nome oficial é Praça de Nove de Abril, designação que, segundo já vimos escrito, recordaria um dos combates que, durante as lutas liberais, opuseram os partidários de D. Pedro aos absolutistas fiéis a D.Miguel. De facto, o Covelo fica ali perto e a sua tomada pelas tropas liberais, o fim da tarde do dia 9 de Abril de 1833, constituiu um gravíssimo revés para o exército miguelista. No entanto, a generalidade dos autores que têm tratado a toponímia portuense defende que a data evocada é antes a da batalha de La Lys. Travada na Flandres a 9 de Abril de 1918, nela participaram, como se sabe, forças portuguesas que, ao lado das tropas britânicas, defrontaram nos campos da Flandres, entre Armentières e o canal de La Bassée, o 6.º Exército germânico comandado por Von Quast. Os alemães não venceram a guerra, mas ganharam esta batalha, na qual perderam a vida muitos soldados portugueses. Pudemos apurar que a praça recebeu o seu nome actual no dia 6 de Abril 1922, data que, sendo posterior a 1918, não elimina nenhuma das duas hipóteses aventadas, embora, dada a proximidade cronológica, pareça reforçar a segunda. Até essa data, os mapas registam ainda a velha denominação de Largo da Arca d'Água. Registe-se que, nas proximidades da praça, e na direcção oposta ao Covelo, existem ainda uma rua e uma travessa de Nove de Abril. Em relação à primeira, sabemos apenas que a designação constava já de um guia do Porto de 1933.

Resultaram vãs as tentativas de aclarar esta incógnita junto da Comissão de Toponímia da Câmara Municipal e do Arquivo Histórico do Porto. Dado que a mudança de nome ocorreu já neste século, é de crer que a decisão tenha ficado registada e que o respectivo documento, decerto consultável, justifique a atribuição do novo topónimo. Mas os responsáveis autárquicos por este sector afirmam não possuir "registos tão antigos" e ignoram onde estes possam ser consultados. Em todo o caso, aos portuenses tanto se lhes dá que a Praça de Nove Abril evoque a batalha do Covelo ou a de La Lys. É que continuam a chamar-lhe, simplesmente, Arca d'Água. E sendo o nome tão antigo e tão apropriado, por que carga de água-apetece perguntar-é que lhe haviam de chamar outra coisa?»"

Publicado no Blog "Paranhos"

lavadouro



25.3.08

Nova Travessa do VALE FORMOSO

formoso

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Rua NOVE DE ABRIL

03|08

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"...Denomina-se Rua de Nove de Abril, em lembrança da batalha de La Lys, travada nos campos de Flandres nesse dia e mês do ano de 1918, e onde os nossos soldados se cobriram de glória..."


"Toponímia Portuense" de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas


Já teve o nome de Rua da Bica Velha

Sobre a Batalha de Armantières:

"

A Batalha do Lys (conforme a historiografia francesa) ou Batalha de La Lys, também conhecida como Batalha de Ypres 1918, ou ainda Quarta Batalha de Ypres , e como Batalha de Armentières pela historiogafia britânica e a alemã, deu-se entre 9 e 29 de Abril de 1918, no vale da ribeira da La Lys, sector de Ypres, na região da Flandres, na Bélgica.

Nesta batalha, que marcou a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, os exércitos alemães, provocaram uma estrondosa derrota às tropas portuguesas, constituindo a maior catástrofe militar portuguesa depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.

A frente de combate distribuía-se numa extensa linha de 55 quilómetros, entre as localidades de Gravelle e de Armentières, guarnecida pelo 11° Corpo Britânico, com cerca de 84.000 homens, entre os quais se compreendia a 2ª divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP), constituída por cerca de 20 000 homens, dos quais somente pouco mais de 15 000 estavam nas primeiras linhas, comandados pelo general Gomes da Costa. Esta linha viu-se impotente para sustentar o embate de oito divisões do 6º Exército Alemão, com cerca de 55 000 homens comandados pelo general Ferdinand von Quast (1850-1934). Essa ofensiva alemã, montada por Erich Ludendorff, ficou conhecida como ofensiva "Georgette" e visava a tomada de Calais e Boulogne-sur-Mer. As tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha, perderam cerca de 7.500 homens entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, ou seja mais de um terço dos efectivos, entre os quais 327 oficiais.

Entre as diversas razões para esta derrota tão evidente, têm sido citadas, por diversos historiadores, as seguintes:

  • A revolução havida no mês de Dezembro de 1917, em Lisboa, que colocou na Presidência da República o Major Doutor Sidónio Pais, o qual alterou profundamente a política de beligerância prosseguida antes pelo Partido Democrático.
  • A chamada a Lisboa, por ordem de Sidónio Pais, de muitos oficiais com experiência de guerra ou por razões de perseguição política ou de favor político.
  • Devido à falta de barcos, as tropas portuguesas não foram rendidas pelas inglesas, o que provocou um grande desânimo nos soldados. Além disso, alguns oficiais, com maior poder económico e de influência, conseguiram regressar a Portugal, mas não voltaram para ocupar os seus postos.
  • O moral do exército era tão baixo que houve insubordinações, deserção e suicídios.
  • O armamento alemão era muito melhor em qualidade e quantidade do que o usado pelas tropas portuguesas o qual, no entanto, era igual ao das tropas britânicas.
  • O ataque alemão deu-se no dia em que as tropas lusas tinham recebido ordens para, finalmente, serem deslocadas para posições mais à rectaguarda.
  • As tropas britânicas recuaram em suas posições, deixando expostos os flancos do CEP, facilitando o seu envolvimento e aniquilação.

O resultado da batalha já era esperado por oficiais responsáveis dentro do CEP, Gomes da Costa e Sinel de Cordes, que por diversas vezes tinham comunicado ao governo português o estado calamitoso das tropas.

Bibliografia

  • La Lys, 1918, Mendo Castro Henriques e António Rosas Leitão, Lisboa, Prefácio («Batalhas de Portugal»), 2001, ISBN 972-8563-49-3
  • Guerra & Marginalidade. O Comportamento das Tropas Portuguesas em França. 1917 - 1918, Luís Alves de Fraga, Lisboa, Prefácio («História Militar»), 2003, ISBN 972-8563-90-6
  • «Portugal e a Grande Guerra» in Factos Desconhecidos da História de Portugal, Luís Alves de Fraga, Lisboa, Selecções do Resder's Digest, 2004, ISBN 972-609-416-X, pp. 214-225
  • «La Lys - a batalha portuguesa» in Portugal e a Grande Guerra, (coord. Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes), Luís Alves de Fraga, Lisboa, Diário de Notícias, 2003, ISBN 972-9335-07-9, pp. 427-442
  • AMARAL, Ferreira do. O 9 de Abril e a nossa política de Guerra.
  • GOMES DA COSTA, Manuel de Oliveira. A Batalha do Lys. 1920. 260p.
  • LUDENDORFF, Eric. Souvenirs de Guerre. 1920."

Rua das ROSAS

rua das rosas

Fotografia localizada aqui


Escolas na Freguesia de Paranhos
"A primeira Escola Régia de Paranhos sediou-se no Lugar da Igreja e começou a funcionar no ano de 1872, sendo o Director o Professor José Tomás Piteira?
Passado um ano, a escola muda-se para a Rua de Costa Cabral para casa de João da Costa Bispo e só em 1882 é aberta uma escola para meninas na Rua de Costa Cabral.
Em 1885 a escola do sexo masculino contava já com 92 crianças.
No ano de 1898 é inaugurado um curso nocturno para adultos e menores do sexo masculino. Em 1926 o director deste curso era o Professor Augusto Lessa.
Só em 1887, a Junta de Freguesia começou a idealizar uma escola num edifício privado que albergasse a escola de meninos e de meninas com residência para os professores.
Decorria o ano de 1890, quando começaram as aulas no edifício da Rua da Lealdade, actual Rua de Álvaro Castelões, onde hoje se situa a Junta de Freguesia.
Em 1912 havia 4 escolas e em 1916 eram já 6. Hoje as escolas do 1º ciclo na Freguesia são 9."

Ler mais na página da Junta de Freguesia de Paranhos


Praça de GOA



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Data da deliberação: 5/13/1948

Sobre a praça de Goa o Arquivo da Toponímia nada nos diz!




Rua de TIMOR



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Ilha do arquipélago de Sonda (Insulíndia), situada a oriente das ilhas de Sumba e das Flores, com cerca de 470 Km de comprimento e 100 Km de largura, àrea de 32 300 Km². (Arquivo da Toponímia)

Mas já teve outro nome... (!)





24.3.08

Rua SILVA PORTO

grades 03|08

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Sobre António Francisco Silva Porto - o Africanista - (1817-1890)

"Silva Porto

A Árvore das Patacas
Durante muitos anos, foi o único branco que os negros viram, porque muito antes de os mais conhecidos exploradores africanos cruzarem África, já ele se tinha estabelecido no Bié, em pleno sertão angolano. A sua experiência revelou-se preciosa para muitos comerciantes e aventureiros que demandavam o interior desconhecido. Chamava-se Silva e, porque era natural do Porto, ficou conhecido por Silva Porto.
Do Brasil a África
António Francisco Ferreira da Silva, assim se chamava, nasceu no Porto, no dia 24 de Agosto de 1817. Filho de gente humilde, o pai tinha-se distinguido na luta contra os franceses, aquando da última invasão, em 1810. Depois de completados os estudos primários, aliás os únicos que efectuou, o pequeno António Francisco nunca pensou seguir a carreira do progenitor. Inteligente e ambicioso, fascinavam-lhe novos mundos e outras paragens, e também o Porto era demasiado pequeno para os seus anseios.
O Brasil, lá bem longe, do outro lado do Atlântico, seduzia-o, especialmente pelas histórias de sucesso contadas pelos familiares dos emigrantes. Um dia, quando o pai o inquiriu sobre o queria da vida, o pequeno Silva Porto não hesitou e desenhou a árvore das patacas. Pronto, estava tomada a decisão. E assim, com apenas 12 anos, resolveu fazer-se ao mar, embarcando no brigue "Rio Ave" com destino ao Rio de Janeiro. Do pai ouvira uma última recomendação, incentivando-o ao trabalho: " Olha ... pedra boliça não cria musgo."
Na então capital brasileira, emprega-se como marçano mas, indignado com os tabefes que recebe do patrão, acaba por saltar de emprego em emprego, embora mantendo-se sempre ligado à área comercial. Aos 18 anos, constata a inutilidade dos sucessivos empregos e resolve partir para a Bahia. Aqui, num misto de querer romper com o passado mas também para evitar a confusão com outro António Ferreira da Silva, faz anunciar no jornal "Correio Mercantil" que, de futuro, passaria a assinar o seu nome como António Francisco Ferreira da Silva Porto.

Mas há uma razão íntima: ele quer prestar homenagem à sua terra natal. Todavia, a alteração do nome não significou mudança de vida. Nos dois anos seguintes continuou frustrado com o emprego de caixeiro, sujeito a todo o tipo de despotismo de patrões sem escrúpulos. Quando, no cais do Rio, tem conhecimento da partida de um navio para Angola, embarca sem fazer a mais pequena ideia do que vai encontrar." em sabia onde ficava Angola", confessaria mais tarde. Luanda, porém, não o fascina particularmente e, passado pouco tempo, ei-lo de regresso à Bahia, onde encontrou um clima de grande agitação política. Deflagrara há pouco a chamada revolta do Sabino e, como a instabilidade política é inimiga dos bons negócios, revolve voltar a Angola. Na capital angolana emprega-se numa taberna.
No Rio, emprega-se como marçano mas, indignado com os tabefes do patrão, salta de emprego em emprego. Pouco a pouco, surge o fascínio do comércio do interior. O feitiço da selva irá absorvê-lo por mais de 50 anos. Não é pessoa para estar parado atrás de um balcão e por isso, com os primeiros salários, compra fazendas e tecidos. Quando julga ter artigo suficiente, deixa a taberna e inicia a carreira de comerciante no sertão. Conta somente 22 anos.
Comerciar no mato pode ser um negócio próspero mas encerra múltiplos perigos. As caravanas que partem do litoral de Benguela para o Lui, Lunda e Catanga estão à mercê de todo o tipo de roubos, pilhagens e cobrança de imposto abusivos por parte dos sobas. E é frequente ser-se apanhado no meio de uma guerra tribal. Por isso, há que conhecer o terreno e travar amizades com o gentio, à partida avesso ao domínio do europeu. É o que faz Silva Porto e facilmente conquista amizades. Adapta-se bem a África e cria com o continente uma enorme empatia. A sua governanta é negra e os filhos mulatos. Sente-se em casa quando pernoita na embala do soba do Lui. Admita e elogia as técnicas agrícolas e artesanais indígenas. Inebria-se com toda a beleza daquelas terras virgens.

Uma fazenda chamada Belmonte
Todavia, o sertanejo não se estabeleceu logo no Bié. Primeiro errou pelas planícies do interior de Luanda; depois desceu para Benguela, lançando os seus comissários no caminho de Lui pelo Lutembo e Alto Zambeze. Só se fixa definitivamente no Bié na fazenda Belmonte, principiando a exploração do Barotce, que abriu ao comércio de Benguela. No armazém da grande libata de Belmonte o trânsito de gente e mercadorias é intenso.
As peças de fazenda, as missangas e a pólvora compradas em Benguela cruzam-se com o marfim, a cera e a borracha permutados no sertão. No seu diário regista, minuciosamente, tudo o que vê e ouve. Só está bem, como referiu Luciano Cordeiro, "a conversar com o papel". E acrescenta Cordeiro: "Com a sua letra apertada e tortuosa que lembra os zig-zagues através das florestas cerradas; na sua linguagem quasi creola, às vezes, pela longa isolação no meio selvagem, ele passava muitas horas n'estas silenciosas palestras ... " Dos 14 volumes do seu diário, que constitui um magnífico repositório geográfico, étnico e antropológico daquela região de África, apenas um foi publicado nos Annaes do Conselho Ultramarino.

A este respeito, Silva Porto afirmava: "Se a minha obra fosse o que deveria ser, há muito que estaria publicada, e talvez em diversas línguas." Em 1848, foi interinamente nomeado capitão-mor do Bié. No exercício destas funções revelou ser um verdadeiro apaziguador. Uma das suas primeiras medidas foi reunir todos os brancos, portugueses e estrangeiros que habitavam a região no intuito de conseguir que o soba Lhiumbulla obstasse a que "quimbumdos" e "guanguelas" acabassem com os sequestros que, pela mais pequena razão, faziam aos comerciantes brancos. Mas o soba morreu e, vendo-se na impossibilidade de recorrer à autoridade nativa, Silva Porto é obrigado a apelar ao governador-geral para que o Bié fosse ocupado militarmente, garantindo os interesses dos portugueses ali desterrados. Mas a voz da experiência não foi ouvida.

Antes a morte que a desonra
Por volta de 1850, dá-se início às grandes explorações africanas. Na embala de Belmonte, o sítio mais a leste onde flutua a bandeira portuguesa, há acolhimento certo para o explorador desinteressado ou comerciante audaz que demanda as terras do Leste. Como explorador experimentado, o sertanejo a todos dá conselhos: que caminhos seguir, os maiores perigos a evitar, o nível dos caudais dos rios, etc.
Chega mesmo a enviar os seus mais fiéis serviçais para os acompanhar. Livingstone, Stanley, Capelo, Ivens e Serpa Pinto servem-se dos seus conhecimentos e das suas boas relações com os nativos. Apesar disso, Livingstone, ingrata e invejosamente, apelida Silva Porto de "vulgar negreiro" quando chega às terras do Alto Zambeze. E mais: nos seus escritos, refere-se aos dois portugueses que encontrou (Silva Porto e Caetano Ferreira) como sendo "mulatos ou manbaris", omitindo que anteriormente Silva Porto o ajudara fornecendo-lhe preciosos elementos de orientação.
Em meados de 1889, depois de uma visita à metrópole, Silva Porto encontrou a embala de Belmonte devorada por um incêndio. Escreveu ao velho amigo Luciano Cordeiro: "Estou inválido e pobre. Não tenho pão e só ambiciono por consolação suprema a todas as minhas canseiras, poder morrer na pátria." Mas o Ultimato Inglês e sobretudo a perda de confiança do soba Dunduna na sua pessoa constituem o seu golpe de misericórdia.


O chefe autóctone chegou mesmo a puxar-lhe as barbas brancas quando correram rumores que uma expedição militar portuguesa se aproximava do Bié para ocupá-lo pela força. Indignado por Silva Porto não o ter avisado, afirmou inclusive que um homem sem carácter e sem vergonha não devia usar tal símbolo de respeito. Agora, para ele, tudo estava perdido: o Bié, que sempre considerara português, vinha sendo um campo de intrigas e sentia-se já claramente a intenção expansionista da Inglaterra. Desde 1850 que ele clamava pela ocupação militar daquela província, mas ninguém o escutou.
Contudo, o mais insuportável foi a sensação de desonra a que fora sujeito. Por isso, na madrugada do dia 1 de Abril de 1890, humilhado e moralmente de rastos, o velho sertanejo pegou na bandeira nacional que ele próprio fizera, enroscou-se nela, sentou-se num barril de pólvora e chegou­se fogo. Morreria três dias depois numa intensa agonia.

A CIDADE FANTASMA "A cidade de Silva Porto é de aspecto gracioso e de ruas bem delineadas e recentemente asfaltadas em grande parte, dispõe de energia eléctrica e água canalizada, emissor de rádio e piscinas com medidas regulamentares para desportos. Na cidade foi recentemente erguida uma bela estátua em bronze, com 3,5 metros de altura, em honra deste grande português."
Era assim que o Anuário de Angola de 1962/1963 anunciava a capital do Bié, que com esta designação glorificava o seu grande colonizador. Em relação à população, referia: "Há 2400 europeus, 1.900 mestiços e pouco mais de 400 mil nativos." Hoje, passados 40 anos, é caso para dizer que qualquer semelhança com nomes, pessoas ou lugares é mera coincidência. Martirizada pelo conflito, a cidade actualmente chama-se Cuíto e encontra-se completamente arrasada pela guerra. Os mestiços são meia dúzia, os brancos não existem e até os negros encontram-se em número mais reduzido. Agora, pelas suas ruas, vagabundeiam pessoas, cães, gatos, todos eles esfomeados, removendo os contentores do lixo na busca quotidiana pela sobrevivência ..."

Artigo publicado aqui:

http://www.rss88.com/l/167121.html


23.3.08

Rua Pedro Homem de Mello

phm 08

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Biografia de Pedro Homem de Melo
Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello (Porto, 6 de Setembro de 1904 - Porto, 5 de Março de 1984) foi um poeta, professor e folclorista português.

Nasceu no Porto, em 1904, no seio de uma família fidalga, filho de António Homem de Mello e de Maria do Pilar da Cunha Pimentel, tendo desde cedo sido imbuído de ideais monárquicos, católicos e conservadores. Foi sempre um sincero amigo do povo e a sua poesia é disso reflexo. O seu pai, pertenceu ao círculo íntimo do poeta António Nobre.

Estudou Direito em Coimbra, acabando por se licenciar em Lisboa, em 1926. Exerceu a advocacia, foi subdelegado do Procurador da República e, posteriormente, professor de português em escolas técnicas do Porto (Mouzinho da Silveira e Infante D. Henrique), tendo sido director da Mouzinho da Silveira. Membro dos Júris dos prémios do secretariado da propaganda nacional. Foi um entusiástico estudioso e divulgador do folclore português, criador e patrocinador de diversos ranchos folclóricos minhotos, tendo sido, durante os anos 60 e 70, autor e apresentador de um popular programa na RTP sobre essa temática.

Pedro Homem de Mello casou com D. Maria Helena Pamplona e teve dois filhos, Maria Benedita, que faleceu ainda criança e Salvador Homem de Mello, que faleceu sem deixar descendência poucos anos após o seu pai.

Foi um dos colaboradores do movimento da revista Presença. Apesar de gabada por numerosos críticos, a sua vastíssima obra poética, eivada de um lirismo puro e pagão (claramente influenciada por António Botto e Federico García Lorca), está injustamente votada ao esquecimento. Entre os seus poemas mais famosos destacam-se Povo que Lavas no Rio e Havemos de Ir a Viana, imortalizados por Amália Rodrigues, e O Rapaz da Camisola Verde.

Afife (Viana do Castelo) foi a terra da sua adopção. Ali viveu durante anos num local paradisíaco, no Convento de Cabanas, junto ao rio com o mesmo nome, onde escreveu parte da sua obra, "cantando" os costumes e as tradições de Afife e da Serra de Arga.

Bibliografia

* Danças De Portugal
* Jardins Suspensos (1937)
* Segredo (1939)
* A Poesia Na Dança E Nos Cantares Do Povo Português (1941)
* Pecado (1943)
* Príncipe Perfeito (1944)
* Bodas Vermelhas (1947)
* Miserere (1948)
* Os Amigos Infelizes (1952)
* Grande. Grande Era A Cidade (1955)
* Poemas Escolhidos (1957)
* Ecce Homo (1974)
* Poesias Escolhidas (1987)
* E ninguém me conhecia, Lisboa, Campo da Comunicação, 2004 (Selec. de Poemas por Manuel Alegre e Paulo Sucena)
* Poesias Escolhidas, Lisboa, Asa, 2004 (selec. e pref. de Vasco da Graça Moura)
* Eu, Poeta e tu, cidade, Quasi Edições, 2007

Publicado na Wikipédia

Existe nesta rua o edifício de habitação (também chamado da Boavista) cujos autores do risco foram os arquitectos Álvaro Siza Vieira e António Madureira. Data de início: 1990, a conclusão foi em 1998. 

20.3.08

A história de Paranhos com recurso à toponímia

O célebre doce de Paranhos


Sabemos alguma coisa (alguma coisa, porque ninguém sabe tudo!) acerca da origem dos nomes de uma boa parte das ruas que integram o chamado Centro Histórico do Porto.

Já não sabemos tanto no que respeita às artérias das freguesias ditas da periferia. Como Paranhos, por exemplo. Até 1837, o antigo couto de Paranhos, pertença da Igreja portucalense, fazia parte das Terras da Maia. Foi só a partir deste ano que passou a integrar o concelho do Porto.

Couto, como é geralmente sabido, significa terra protegida, refúgio, abrigo. O topónimo Paranhos, na opinião de alguns historiadores, como Andrêa da Cunha e Freitas, quer dizer amparado ou defendido por honra "… amparam o amo enquanto é vivo, e desde que os amos são mortos, amparam o lugar pondo-lhe o nome de Paranho, isto é amparado ou defendido por honra…"

Mas esta não é a única versão sobre a origem do nome de Paranhos. Conta uma antiga lenda que possuindo esta terra boas e grandes pastagens era frequentada por inúmeras cabeças de gado lanígero e caprino e que os pastores costumavam recolher-se a uns casotos (pequenas cabanas de madeira) para se abrigarem da intempérie.

Dizia, então, o povo que os ditos casotos eram mais próprios PARA- A-NHOS do que para os pastores e daí o nome de PARANHOS.

O leitor tire daqui a ilação que mais lhe agrade…

As Memórias Paroquiais de 1758 registam na freguesia de Paranhos a existência de 15 aldeias, a saber Regado, Agueto, Couto, Igreja, Lamas, Tronco, Carvalhido, Vale, Cruz da Regateira, Antas, Travessa, Amial, Azenha, Bouça e Cabo.

Há, depois, as quintas Outeiro, Casal, Azenha, Telheira, Agra, Estrada, Monte Velho, Eira, Padrão, Pereira, Tojo de Lamas, Gandra do Vale, Aval, Covelo, Cortes, Regueiras e Asprela.

A esta riqueza toponímica temos que acrescentar, ainda, os nomes de alguns casais e campos Couto, Fonte do Pereira, Coalhães, Barrocas, Arroteias, Patusca, junto a Costa Cabral, sitio de grandes patuscadas; e ainda Crispelos, Carriçal, Marco e Chão dos Espinheiros.

Posteriores à data da elaboração das referidas Memórias Paroquiais apareceram mais estes lugares Aguardente (1764); Novo do Monte (1779); e Agrinhas (1818).

Ora, foi ao longo das antigas aldeias, quintas e casais que se rasgaram muitas das artérias da freguesia e algumas delas mantiveram a denominação de origem, como é o caso das travessas da Bouça, das Cortes e da Asprela; as ruas do Amial, Azenha, Antas, Aval de Cima e Aval de Baixo, Arroteia, Covelo e Barrocas, para citar apenas alguns exemplos.

Noutros casos houve mudanças de nomes. Como aconteceu com o Largo da Aguardente que, a partir de 1882, passou a chamar-se Praça do Marquês de Pombal.

A antiga e sinuosa Rua da Bouça é agora a Rua do Dr. Eduardo Santos Silva e o sítio da aldeia do cabo deu lugar à moderna Rua da Igreja de Paranhos.

A Rua de Monsato, designação que celebra a vitória dos Republicanos sobre os monárquicos que aconteceu na serra daquele nome, chamava-se, antes disso, Rua do Regado, em alusão à aldeia deste nome que subsiste na Rua Nova de Regado.

Ao longo da Quinta do Casal abriu-se a Rua de Delfim Maia. Com a designação de Estrada havia dois nomes a Estrada Velha e a Estrada de Baixo. Aquela corresponde a actual Rua do Lindo Vale; e a segunda é a parte da Rua de Antero de Quental que vai da Rua do Vale Formoso ao Largo do Campo Lindo.

O topónimo Regueiras alude, sem dúvida, aos inúmeros regos de água que, a céu aberto, cruzavam estas terras. Houve uma travessa com esta denominação que foi alargada e é, desde 1924, a Rua de Luís de Aguiar.

No campo de Coalhães, derivante de Coalhais ou Coalhal (nome dado à flor de certas plantas espinhosas), nas proximidades da Quinta do Paço, construiu-se a Rua do Dr. Manuel Laranjeira; e na antiquíssima aldeia de Currais abriu-se uma artéria que adoptou esta mesma denominação; um lado é da freguesia de Campanhã e o outro pertence a Paranhos.

Mais algumas curiosidades toponímicas a Rua do Visconde de Setúbal teve, antigamente, a designação de Viela dos Espinheiros; a Rua do Almirante Leote do Rego era a Rua Nova do Monte Louro; Rua da Bica Velha, era como se chamava a actual Rua de Nove de Abril; a Rua de Ribeiro de Sousa foi a Rua do Paiol; à antiga Viela do Covelo deram, em 1930, o nome de Rua do Bolama; e dois anos depois a Calçada do Campo Lindo passou a ter a designação de Rua do Dr. Pedro Dias; dois nomes diferentes teve a Rua do Dr. Carlos Ramos que começou por se chamar Viela do Amial e, depois disso, foi Rua do Sport Progresso; ligada ao topónimo Currais anda a actual Rua da Diamantina que anteriormente se chamou Travessa de Currais; a nossa conhecida Rua do Alto teve em tempos idos a curiosa designação de Rua do Alta da Rabeca.


Era a mais afamada iguaria de quantas se vendiam nas romarias nortenhas e nunca faltava num arraial. Chamava-se o "doce de Paranhos", por a sua confecção ser originária desta freguesia do Porto. Eram de tal modo vulgares e apareciam com tanta frequência em festa populares e romarias que das raparigas que andavam por todo o lado se diziam que eram "como o doce de Paranhos, estão em toda a parte…" O doce de Paranhos ainda hoje mantém a configuração que apresentava há cinquenta, setenta anos semelhantes a tijolos, até na cor. Inicialmente, na sua confecção, além da farinha de trigo entrava, também, a de centeio de mais fraca qualidade. Além das indispensáveis gemas de ovos juntava-se-lhes açúcar amarelo que ajudava muito a dar ao produto aquele tom de grés que ainda hoje apresenta. Eram as raparigas de Paranhos que vinham vender "ao Porto", como se dizia antigamente, os doces da Paranhos e também os tremoços que os rapazes acondicionavam no lenço de assoar a que atavam as pontas… Costumes antigos.


Germano Silva

Publicado no Jornal de Notícias



Rua MARECHAL SALDANHA



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Marechal Saldanha (João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, 1.° conde, 1.° marquês e 1.° duque de). n. 17 de Novembro de 1790. f. 20 de Novembro de 1876. Político.
(Arquivo da Toponímia)


Sobre o Marechal Saldanha:

Saldanha (João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, 1.° conde, 1.° marquês e 1.° duque de).

n. 17 de Novembro de 1790.
f. 20 de Novembro de 1876.

Marechal general do exército, par do reino, conselheiro de estado efectivo, presidente do conselho de ministros, ministro da guerra e ministro plenipotenciário em Londres, mordomo-mor da Casa Real, vogal do supremo conselho de justiça militar, etc. N. em Lisboa a 17 de Novembro de 1790, fal. em Londres a 20 de Novembro de 1876. Era 9.º filho do 1.º conde do Rio Maior, João Vicente de Saldanha Oliveira e Sousa Juzarte Figueira, e da condessa sua mulher, D. Maria Amália de Carvalho Daun, 3.ª filha dos 1.os marqueses de Pombal.

Matriculou-se na Academia Real de Marinha em 1805, fez um curso brilhante, tendo recebido distinção no 1.º ano lectivo, a sendo premiado no 2.° e 3.° A 28 de Setembro de 1805 assentou praça no regimento de infantaria n.º 1, comandado então pelo marquês de Alvito, foi reconhecido cadete, e a 24 de Junho de 1806 promovido a capitão, em virtude do decreto de 8 de Janeiro desse mesmo ano, pelo qual se determinava que os filhos militares dos conselheiros de Estado recebessem como 1.° posto o de capitão. Não tinha o agraciado ainda 16 anos completos. A 17 de Agosto de 1807 era promovido de capitão adido a capitão efectivo. Quando a família real se retirou para o Brasil em Novembro desse ano e o general Junot entrou em Portugal à frente das suas tropas, o jovem capitão Saldanha pediu a sua demissão, que a regência do reino lhe concedeu por decreto de 25 de Janeiro de 1808. Em 5 do mês de Fevereiro seguinte alistou-se intrepidamente num grupo de conspiradores que premeditavam arrancar a pátria ao domínio estrangeiro. Foi na 13.ª sessão dos conjurados que o capitão Saldanha se apresentou para colaborar na restauração da pátria, mas apenas se soltou o brado da independência, e um punhado de tropas portuguesas se foi juntar ao pequeno exercito inglês que desembarcara na baía de Lavos, Saldanha correu logo a juntar-se aos soldados que se agrupavam em torno do general Bernardim Freire de Andrade, e reintegrado no seu posto por decreto de 13 de Setembro de 1808, voltou a comandar a 8.ª companhia do regimento de infantaria n.º 1. Começou então a brilhante carreira militar de Saldanha. Contava somente 18 anos, e já conquistara o prestígio que sempre depois exerceu entre os soldados, tanto que foi escolhido pelo coronel para fazer entrar na ordem uma companhia insubordinada. Nomeado ajudante de campo do general Miranda Henriques, que estava em Tomar, estudou com afinco a táctica inglesa mandada adoptar por Beresford, e mostrando-se apto para comandar por essa táctica um regimento na presença do general, este promoveu-o a major por distinção a 9 de Dezembro de 1809, continuando a servir em infantaria n.º 1. Em 1810 distinguiu se notavelmente na batalha do Buçaco, improvisando uma coluna com duas companhias de infantaria n.º 1 e n.º 16, e repelindo intrepidamente os franceses. Na batalha de Salamanca em 22 de Julho de 1812, tornou se tão saliente que foi promovido a tenente-coronel em Setembro desse ano, sendo por ele preteridos 23 majores, alguns deles ingleses, o que prova a consideração em que era tido por Beresford e Wellington. Com o seu regimento, que fazia parte da brigada Park, entrou Saldanha no combate de Carrion a 25 de Setembro de 1812, na defesa da passagem de Tormes de 8 a 14 de Novembro, no combate de Muñoz a 27, na batalha de Vitoria a 21 de Junho de 1813, na tomada da aldeia de Viasayn a 24, na tomada de Tolosa, em Espanha, a 25, e nos assaltos à praça de S. Sebastião nos dias 25 de Julho e 31 de Agosto. Depois das batalhas dos Pirinéus, em que Saldanha tomou parte, o exército anglo-português entrou em França, e na batalha de Nive, a 13 de Dezembro de 1813, estreou-se Saldanha no comando do seu regimento. De tal forma se conduziu que Beresford o achou digno de lhe dar interinamente o comando duma brigada, composta dos regimentos nºs 12 e 21 e do batalhão de caçadores n.º 5. Tendo, porém, adoecido o general Hill, comandante doutra brigada, foi ela também entregue ao jovem tenente-coronel Saldanha, que assim, aos 23 anos de idade, era comandante duma divisão que formou a esquerda do corpo do exercito que cercou Baiona. Foi esta a admirável estreia de Saldanha, e os seus talentos e a sua bravura foram tão apreciados em Inglaterra, que, tendo recebido os comandantes dos regimentos que entraram na batalha de Nive, uma medalha comemorativa da vitória, a medalha que veio para Saldanha era especial.

Voltando com pouco mais de 23 anos ao país, João Carlos de Saldanha entrava na casa paterna com o posto de tenente-coronel, com as medalhas de ouro das 6 campanhas, as medalhas inglesas do Buçaco, de S. Sebastião e de Nive, as medalhas espanholas de Vitoria, S. Sebastião, Nive e Tolosa. Em boa conta o tinha o marechal Beresford, que foi o regimento que ele comandou, o primeiro escolhido para embarcar para a Bélgica, quando lorde Wellington. pediu 20.000 homens a Portugal para tomarem parte na campanha terminada em Waterloo. 0 governo português não quis mandar os 20:000 homens reclamados, e a campanha foi rápida, e por isso o 13 de infantaria não chegou a embarcar. Entretanto Saldanha casava a 5 de Outubro de 1814 com. uma senhora irlandesa, Maria Teresa Horan Fitzggerald, filha do general Thomaz Horan e de sua mulher Isabel Fitzgerald, a qual, ficando órfã de seus pais, fora educada desde os 7 anos pela condessa de Rio Maior. Organizando-se a divisão que devia partir para o Brasil para tomar parte na expedição de Montevideu, foi logo Saldanha escolhido para ser um dos oficiais da divisão. Promovido a coronel e colocado como adido ao estado-maior, saiu de Lisboa a bordo do navio Despique a 27 de Julho de 1815. Recebido pelo príncipe regente D. João com as máximas distinções, nomeado cavaleiro da ordem de Cristo e comendador da Torre e Espada, Saldanha recebeu a 7 de Junho de 1816 o comando do 1.º regimento de infantaria. Foi rápida e fácil a campanha de Montevideu para esses veteranos da Guerra Peninsular, e de pouco valeram as vitórias de Chafalote e da Índia Morta para os soldados que tinham batido em Vitoria as magnificas tropas do grande Napoleão. Contudo, se essas primeiras vitórias em campina rasa, pouca importância tiveram, entrando os nossos facilmente na cidade de Montevideu, a campanha da guerrilhas que depois se abriu, e que durou 5 anos, campanha em que tinham vantagens enormes esses destemidos gaúchos, que formavam a força principal do exercito de Artigas, teve séria importância, e nela conquistaram louros não menos apreciáveis do que os que tinham ganho na Guerra Peninsular os soldados portugueses. Esteve até 1818 a primeira brigada de que fazia parte o regimento de que Saldanha era coronel, encarregado do serviço exterior da praça de Montevideu e teve por isso de repelir em numerosas sortidas os ataques do inimigo. Em 1818 foi Saldanha encarregado de ir comandar na divisão do general Curado a coluna ligeira com o posto de brigadeiro. Saldanha já era general aos 27 anos. Foi essa uma das mais brilhantes campanhas da sua carreira militar, debaixo do ponto de vista do valor pessoal. Na sua frente tinha a mais terrível cavalaria irregular, esses formidáveis gaúchos que vivem a cavalo, que realizam nas planícies americanas a fábula dos centauros. A sua coluna compunha-se principalmente de cavalaria, costumada a bater-se com os dragões e os hussardos de Napoleão, mas pouco habituada à luta contra esses guerrilheiros fantásticos que apareciam e desapareciam num momento, depois de terem vibrado os seus golpes mortais. Nos combates de cavalaria repetidos que travou com o inimigo, teve sempre Saldanha a espada em punho, lavado em sangue, acutilado e ferido. Uma manhã deu 5 cargas à frente dos seus esquadrões. Uma noite, surpreendido por um destacamento de cavalaria de Lavalleja, tendo-lhe morrido o cavalo, defendeu-se a pé com toda a energia, mas deveu a sua salvação a um intrépido sargento que lhe cedeu o cavalo, e que perdeu um braço decepado por uma cutilada que ia com destino ao jovem brigadeiro. Saldanha adquiriu desde logo com o seu porte nessa campanha uma reputação gloriosíssima. Escolhido, apesar de ser o brigadeiro mais moderno, para comandar a divisão do general Curado, foi, quando terminou a guerra com a fuga de Artigas, nomeado capitão-general da província do Rio Grande do Sul, em 1821, em substituição do conde da Figueira. Saldanha partiu para o seu governo, onde começava já a agitar-se, assim como em todo o Brasil, o espírito da independência; porém, chegando com a sua brigada, a tudo pôs cobro rapidamente, e não só impediu a revolta de rebentar, mas de tal modo conciliou as simpatias de todos, que o próprio imperador D. Pedro lhe contou, muitos anos depois, que, ao visitar as províncias de Rio Grande do Sul, não ouvira senão o seu nome repetido sempre com louvor. Saldanha entregou-se dedicadamente ao seu governo, provando que era tão hábil administrador como se mostrara já valente e hábil oficial.

Quando D. Pedro foi proclamado imperador, vendo Saldanha, os portugueses coagidos ou a aderir à proclamação dessa nacionalidade ou a deixar o Brasil, não hesitou um momento, e pediu a sua demissão. Empregaram todos os esforços para que ele desistisse do seu propósito, mas Saldanha conservou-se firme na sua insistência e foi então para o Rio de Janeiro acompanhado por uma escolta de cavalaria, que lhe tinham dado a pretexto de o guardar e honrar, mas que verdadeiramente o levava preso, porque os rio grandenses, perdendo a esperança de o ver abraçar a independência do Brasil, também não queriam largar de mão tão perigoso adversário. Publicou por essa ocasião no Rio de Janeiro uma Carta do brigadeiro João Carlos de Saldanha dirigida aos membros do governo provisorio da provincia do Rio Grande do Sul, pedindo a demissão dos seus empregos e passaporte para se retirar para Lisboa; no mesmo ano de 1822 publicou 2.ª edição com o título de Representação que faz João Carlos de Saldanha, etc. No Rio de Janeiro, D. Pedro mandou-o soltar, mas tentou retê-lo no Brasil, com as mais, brilhantes promessas; por fim, reconhecendo que tudo era inútil, deixou-o partir para a Europa a bordo do brigue Três Corações, a 4 de Dezembro de 1822. O que o novo imperador lho oferecia era o título de marquês, o posto de major general do exército brasileiro, de que era comandante o próprio imperador, e a propriedade de vastíssimos terrenos. Tudo rejeitou, e entrou em Lisboa apenas com 25$000 reis, e nem isso traria, se não tivesse deixado no Rio Grande a mulher que fora ter com ele à América, e os filhos que tinham ali nascido, e que pouco depois vieram para Portugal. Entretanto acontecia a Saldanha um caso muito estranho. Bem recebido em Lisboa, era imediatamente nomeado para o comando duma expedição que ia embarcar para a Baía, a fim de reduzir o Brasil à obediência da metrópole. Ordenava-se lhe, porém, que embarcasse imediatamente na fragata Pérola, onde receberia as instruções necessárias. Saldanha correu a declarar ao ministro da guerra, então Manuel Gonçalves de Miranda, ser-lhe impossível partir assim, sem saber as forças que lhe confiavam e a missão de que o encarregavam, mostrando o estado em que se achava o Brasil, e a necessidade, se queriam operar seriamente contra ele, de empregar nessa empresa forças importantes. Debalde se amiudaram as conferencias, e persistindo Saldanha na sua recusa, por que via que forçosamente ia macular a sua justa reputação com desastres inevitáveis, foi enviado preso para o castelo de S. Jorge, e mandado responder a conselho de guerra. Revoltado com tão flagrante injustiça, Saldanha recorreu pela primeira vez à imprensa, e escreveu e publicou: Exposição ingenua dos motivos que decidiram o brigadeiro João Carlos de Saldanha a não acceitar o commando da expedição á Bahia, Lisboa, 1823. A prisão realizara-se em Fevereiro, mas chegou o mês de Maio sem o conselho de guerra se ter reunido, nem havia já vontade que ele se reunisse. O ministério quisera apenas dar uma prova de força, quisera salvar a sua existência, posta em risco pela desgraçada questão do Brasil, mas não queria de modo algum que Saldanha repetisse no conselho o que dissera nas conferências com o ministro. Nesse mês de Maio, com o movimento da Vilafrancada, Saldanha recuperou a liberdade. Reclamava o conselho de guerra, mas el-rei D. João VI declarou-lhe que o dispensava de dar provas da sua inocência, que era bem conhecida, e em seguida o nomeou comandante do exército de observações que se formara no Alentejo em virtude dos acontecimentos de Espanha. Esse exército ficou dissolvido, quando Espanha sossegou, e Saldanha foi nomeado a 8 de Abril de 1825 governador das armas do Porto.

Um ano depois morreu D. João VI, sucedendo-lhe seu filho D. Pedro, com o nome de D. Pedro IV, e o novo soberano enviou do Brasil, por lorde Stuart, a Carta Constitucional, que foi recebida com entusiasmo pelos liberais. Era regente do reino a infanta D. Isabel Maria, que se havia rodeado dum ministério perfeitamente reaccionário, o qual procurava todos os pretextos para impedir a publicação e o juramento da Carta. Os liberais começaram a impacientar-se, e o Porto agitou-se e reclamou energicamente protestando contra a demora. Saldanha, como governador militar, escreveu à regente e ao governo, e como as respostas tardassem, mandou a Lisboa o coronel Rodrigo Pinto Pizarro, que não só repetiu as instâncias do brigadeiro Saldanha para que fosse jurada a Carta, mas que da parte do mesmo general convidou os comandantes dos corpos a dirigirem à regente um manifesto no mesmo sentido. Era uma intimação, e tão formal que a infanta cedeu, e a 12 de Julho a Carta foi publicada na Gazeta de Lisboa, designando-se o dia 31 para o juramento. Apenas a notícia chegou ao Porto, Saldanha foi aclamado como um herói. Houve grandes festas para celebrar o juramento da Carta, levantaram-se arcos triunfais em diversas ruas, realizando-se entusiásticas manifestações. O ministério adverso à Carta pediu a demissão logo que viu, que a regente seguia um caminho diverso do que ele lhe indicara. Por decreto de 1 de Agosto formou-se novo ministério, e a infanta mandou chamar Saldanha para lhe confiar a pasta da guerra. No Porto repetiram-se as manifestações ao governador das armas, quando no dia 3 ele partiu para Lisboa a tomar posse do seu novo cargo. Em 20 de Outubro rebentou no Algarve uma revolta militar miguelista, e Saldanha correu pessoalmente a subjugá-la, o que pouco tempo bastou, porque os revoltosos, sendo avisados, atravessaram o rio Guadiana para a fronteira cidade de Ayamonte, na Andaluzia. Saldanha regressou logo a Lisboa; deixando ao conde de Vila Flor o comando das tropas liberais, mas apenas chegou uma doença grave, que o teve às portas da morte, o obrigou a afastar-se por algum tempo do serviço público. Graves questões se iam entretanto levantando no país. A regente não estava perfeitamente afecta à causa liberal, ou pelo menos deixava se dominar pelos seus adversários. O partido vencido em 31 de Julho ia recuperando pouco a pouco o seu ascendente, e no ministério composto primeiro de homens liberais iam entrando elementos profundamente adversos à liberdade. Todas as medidas, todas as resoluções que se tomavam, tendiam a destruir a liberdade, a, Carta não se cumpria senão dum modo perfeitamente irrisório. Quando Saldanha, depois de 5 meses de trabalhosa doença, entrou restabelecido no conselho de ministros, encontrou tudo completamente diferente do que tinha deixado. Imediatamente, não só na sua repartição seguiu um caminho diverso, mas imprimiu no caminhar de todo o ministério uma direcção contrária à que se estava seguindo. Promulgou uma série de medidas, entre as quais se contavam a substituição do redactor da Gazeta de Lisboa, a demissão do regedor das justiças do Porto, do intendente da policia e do presidente da Relação de Lisboa, inimigos declarados das ideias novas, Aconselhada pelos elementos absolutistas, a infanta D. Isabel Maria recusou-se a assinar estes decretos, e Saldanha pediu imediatamente a sua demissão, que lhe foi concedida a 23 de Agosto de 1827. Era exactamente o que os partidários do governo absoluto queriam. Esta demissão significava simplesmente que o ultimo sustentáculo da causa liberal no ministério era sacrificado pela regente às tendências absolutistas do resto do gabinete, e o povo tanto o compreendeu, que nessa mesma noite, em sinal de protesto, fez uma imponente manifestação, conhecida pelo nome de Archotadas, por ter sido feita à luz dos archotes, e que é a maior prova da imensa popularidade que Saldanha alcançara. A multidão aclamava-o, por ver nele o heróico paladino da liberdade, que o poder absoluto pretendia destruir. Esta grande manifestação popular ainda mais exacerbou o ministério contra o seu ex-colega, e excitou as suas perseguições contra todos os amigos do futuro marechal. Este, entretanto, vendo como as coisas corriam desfavoravelmente para a causa liberal, percebendo que a regência do infante D. Miguel seria o último golpe vibrado nas instituições, enviou ao Rio de Janeiro um seu ajudante, o capitão Praça, a informar D. Pedro da situação de Portugal e dos inconvenientes que arrastaria consigo a nomeação do infante para regente do reino. Quando o ajudante de Saldanha chegou ao Rio de Janeiro, já a nomeação estava feita, e já partira com ela para Lisboa um navio. Saldanha, conhecendo que as coisas mais se complica vem, e sabendo também que o governo inglês chamara para Inglaterra a divisão do general Clinton, deixando assim a causa liberal, não só sem a protecção das armas britânicas, mas também sem o prestígio do nome inglês, entendeu que nada faria em Portugal, e embarcou para Inglaterra com as tropas inglesas.

Estava-se então nos fins do ano de 1827, e no princípio de 1828 entrava D. Miguel em Portugal, dava o golpe de estado, e fazia-se proclamar rei absoluto. Uma parte do exército não aceitou, porém, a nova ordem de coisas, a guarnição do Porto insurgiu-se, aderiu ao movimento uma boa parte das tropas do norte, e organizou-se assim um pequeno exército, cujo comando uma junta provisória que logo se organizou, confiou ao general Saraiva Refoios. Saldanha e Palmela, sabendo em Londres da sublevação, supuseram que haveria já em Portugal sérios elementos de resistência às tentativas absolutistas, e fretando o vapor Belfast, partiram para o Porto juntamente com os generais Stubbs, Azevedo, etc. Como a cidade estava bloqueada pela esquadra de D. Miguel, foram desembarcar a alguma distância do Porto, e entraram depois na cidade, vendo aí que as circunstâncias eram muito piores do que supunham. 0 país permanecia inerte, ou mostrava entusiasmo pela causa de D. Miguel. Saraiva Refoios, depois de ocupar Coimbra, fora batido nuns poucos de recontros, e retirava sobre o Porto. Saldanha ainda tomou o comando das mãos inábeis do general Saraiva, e postou o exercito em Grijó numa posição vantajosa, ao passo que Stubbs se fortificava em Valongo, mas de repente, quando. menos se esperava, Saldanha abandonou o exército, que recuperara a confiança vendo-se comandado pelo prestigioso general, e embarcava precipitadamente no Belfast com os outros com quem viera. Este caso, decerto o único censurável da vida militar de Saldanha, não foi nunca bem explicado. Qual foi o motivo desta súbita partida? Como é que Saldanha, o herói de Montevideu, homem duma bravura nunca desmentida, assim fugia diante do inimigo, deixando os soldados, cujo comando tomara, fazerem, sem o seu general, essa triste retirada da Galiza, onde tanta e tão justa glória adquiriu Sá da Bandeira, a quem tinham oferecido um lugar a bordo do Belfast, e que este general recusara, permanecendo no seu posto de honra (V. Sá da Bandeira). Este caso do vapor Belfast ficou sempre misterioso, mas apesar da má impressão que produziu nos emigrados, não diminuiu o prestigio de Saldanha, e no fim desse ano de 1828 já uma expedição de voluntários se preparava em Plymouth, para sob as ordens de Saldanha ir socorrer a ilha Terceira, onde tremulava a bandeira liberal arvorada pelo intrépido batalhão de caçadores n.º 5, que compunha a guarnição da ilha. Saldanha já então era conde, título com que fora agraciado em 1827, mas que só foi confirmado por decreto de 14 de Janeiro de 1833. Foram 650 os portugueses emigrados que se aprontaram para seguir na expedição, os navios fretados eram os brigues Susana e Lyra, e as galeras Minerva e Delfins. Custou imenso ao marquês de Palmela conseguir que o governo inglês deixasse sair a expedição portuguesa apesar de todas as liberdades britânicas, e ainda assim foi preciso que a expedição fosse completamente desarmada, porque o governo de lorde Wellington, secretamente favorável à causa de D. Miguel, não queria senão encontrar um pretexto que lhe permitisse impedir a saída dos navios. A 16 de Janeiro de 1829 chegou Saldanha às águas da Terceira, e preparava-se para desembarcar, quando foi de súbito metralhado por duas fragatas inglesas. Esta rude e brutal intimação provocou da parte do conde de Saldanha e do comodoro Walpole uma troca de correspondência, em que Walpole declarou que tinha ordem de não consentir que ele e os seus homens desembarcassem na ilha Terceira. Saldanha respondeu que nesse caso se, considerava seu prisioneiro de guerra. Debalde o comodoro procurou de todos os meios conseguir que a expedição obedecesse ás suas intimações, sem a Inglaterra parecer que praticava um acto hostil. Saldanha persistiu que ou se considerava prisioneiro de guerra do oficial inglês ou que desembarcava. Walpole teve de escoltar os navios do conde de Saldanha até ao cabo Finisterra. Só aí os deixou furioso pela pertinácia do conde, que pôde formular num magnífico protesto as suas queixas contra o procedimento inglês. A opinião pública europeia revoltou-se com esse procedimento. Saldanha, que desejara seguir para o Brasil, mas que o não pudera fazer por falta de abastecimentos, e não querendo voltar a Inglaterra, foi desembarcar em Brest, e atravessando toda a França, seguiu para Paris, encontrando por toda a parte as manifestações da mais viva simpatia. Este procedimento de Saldanha foi talvez o que facilitou um pouco a ida do conde Vila Flor para a Terceira, obrigando o governo inglês a tomar uma atitude mais hesitante e o cruzeiro inglês nos Açores a ser por conseguinte menos severo e menos escrupuloso. 0 facto efectivamente provocara a indignação de todos os liberais. Nas câmaras francesas Benjamin Constant, Lafayette, Sebastiani haviam-no estigmatizado com energia; na própria câmara inglesa os celebres Malkintosh e Palmerston haviam censurado o procedimento do governo. Também Saldanha adquirira as mais vivas simpatias. Só com ele quisera o governo francês tratar as questões relativas aos subsídios a conceder aos emigrados portugueses. Saldanha fora também incansável em acudir aos seus compatriotas. Não só obtivera subsídio para todos, até para os académicos e paisanos, não só conseguira que as senhoras francesas presididas pelo conde de Flahaut, promovessem um baile por subscrição em favor dos emigrados portugueses, baile que rendeu 30.000 francos, mas ainda se empenhou com o governo belga por intermédio do major Lopes de Andrade, para que valesse aos emigrados portugueses que para a Bélgica haviam partido, e logrou ainda que o governo francês subsidiasse os emigrados portugueses que estavam em Plymouth, e que não podiam ali viver com o mesquinho tratamento que recebiam do governo inglês. Saldanha também vivia em tristíssimas circunstâncias. As jóias tinham-se vendido, os 90 francos (16$200 réis) mensais que recebia do governo francês como emigrado, não chegavam para o seu sustento, de sua mulher e de seus filhos. Foi então que recorreu ao trabalho literário, escrevendo no Nacional, periódico democrático redigido por Armand Carrel, e onde colaboravam alguns dos vultos mais notáveis do partido liberal de França. Foi decerto a sua colaboração naquele jornal e a convivência com os democratas franceses, que nele escreviam, que o converteram no liberal avançado que por essa época foi, enfileirando entre os revolucionários de 1820, bem diferentes nas suas aspirações políticas dos cartistas de 1826. Entre esses homens estabeleceu-se uma espécie de antagonismo doutrinário, que as intrigas da emigração mais agravaram. Em conciliábulos misteriosos os dois grupos procuravam dilacerar-se. E D. Pedro, cujas simpatias iam, naturalmente, para os partidários dedicados à Carta, principiou a olhar com tanta desconfiança para Saldanha, que, tendo chegado do Brasil, influído pelo que ouvira contar dos projectos audaciosos do valoroso general, quando se tratou de organizar com os emigrados dispersos pela Europa a expedição de Belle-Isle para os Açores, não o nomeou, como estava projectado, chefe do estado maior, declarando o próprio D. Pedro a Saldanha, que lhe fora comunicada da parte de Fernando VII de Espanha, a ameaça de intervir na contenda com um exército de 40.000 homens, se Saldanha fizesse parte da expedição. Saldanha, com a mais profunda mágoa, viu partir a expedição, tendo de explicar no Nacional, de 13 de Janeiro de 1831, e numa circular impressa dirigida aos seus amigos; os motivos da sua forçada inacção. Já três anos antes havia publicado umas Observações sobre a Carta que os membros da Junta do Porto dirigiram a S. M. o Imperador do Brasil em 5 de Agosto de 1828, Paris, 1829; este folheto saiu em 1830, mais acrescentado, com o título: A Perfidia desmascarada, ou carta da Junta do Porto a S. M. o Imperador do Brazil, e observações á mesma carta pelo conde de Saldanha, e por outro emigrado, com notas do editor.

Saldanha, depois da partida da expedição para os Açores, conservou-se durante um ano assistindo de longe ás peripécias desse terrível drama das lutas civis. Finalmente, nos últimos meses de 1832, a causa liberal esteve por tal forma arriscada que, depois de se ter convidado o general Solignac a tornar o comando em chefe do exército, vendo que essa nomeação não dava o mínimo resultado, por ser o general francês uma mediocridade, apesar da fama que o precedia, e D. Pedro, completamente desanimado, consentiu que fossem para o Porto todos os militares que se conservavam ainda longe da pátria, com excepção do coronel Pizarro. Denunciavam-se assim claramente as intrigas facciosíssimas que tinham desviado Saldanha do campo da batalha, onde se agitavam os destinos da pátria. Saldanha nem um instante hesitou, apesar de saber que a causa liberal parecia tão perdida, que D. Pedro dizia para Londres a Palmela, que se não alcançasse a intervenção inglesa dentro de 30 dias, nenhum recurso lhe restaria. O cerco do Porto, que principiou pouco depois do desembarque de D. Pedro, apertava-se cada vez mais, e a cidade estava realmente prestes a ceder, quando Saldanha, Stubbs e Cabreira desembarcaram na Foz a 28 de Janeiro de 1833. Solignac tivera a inabilidade de abandonar o monte do Crasto e principalmente o montinho do Pinhal que dominava a Foz, e cuja ocupação pelo inimigo trazia inevitavelmente consigo a perda do Porto, porque seria impossível entrarem mais víveres ou munições na cidade sitiada. Saldanha, logo ao chegar, recebera o comando da esquerda da linha, e logo viu o erro gravíssimo que se cometera. Fê-lo sentir a Solignac, e disse-lhe que era indispensável recuperar o Pinhal. Solignac opôs-se, respondendo que seria uma verdadeira loucura, e proibiu-lhe até expressamente que o fizesse; mas Saldanha estava tão convencido da sua opinião que tomou a responsabilidade da desobediência. Atacou rapidamente o Pinhal ainda mal guarnecido pelo inimigo, e assenhoreou-se dele quase sem perdas. Solignac, em presença do resultado obtido, não ousou censurar a desobediência de Saldanha, já marechal de campo, e não teve contudo a coragem de pedir a sua demissão. Saldanha, sem mais pensar no comandante em chefe, tratou de fortificar com toda a rapidez as suas fortificações. A 4 de Março foi o reduto do Pinhal atacado vivamente, porém D. Pedro que conseguira armá-lo o melhor possível, repeliu o inimigo com energia. Então é que se conheceu pela força do ataque dos miguelistas, a importância das fortificações que Saldanha improvisara, e que eram o assombro de todos. Solignac ainda desta vez assistiu ao triunfo do conde de Saldanha, sem tomar parte nele, conservando-se imóvel com o resto do exército. Que rancor ardia no peito de Solignac pode imaginar-se, sabendo que o queria mandar fuzilar, quando soube que ele tivera conferências secretas com o general miguelista Lemos a bordo dum navio inglês. Chamado Saldanha, explicou ele facilmente que tivera essas conferências para pôr termo à guerra, conseguindo que pacificamente triunfasse a causa liberal sem se derramar mais sangue português. Solignac deu um jantar a Saldanha no mesmo dia em que o condenara a ser fuzilado, e ainda desta vez se não demitiu. Só percebeu enfim que devia pedir a demissão, quando no conselho de guerra que se reuniu para se tratar duma diversão que se deveria fazer, viu adoptada a opinião de Saldanha, que era uma expedição ao Algarve, contra a sua que era de se romperem as linhas miguelistas no sul do Douro.

Apenas Solignac foi demitido, logo D. Pedro nomeou Saldanha chefe do estado-maior, que equivalia a confiar lhe o comando em chefe do exército. Essa nomeação foi acolhida com verdadeiro entusiasmo. Logo na acção de 5 de Julho se mostrou a energia e o talento do novo comandante. O exército miguelista, sabendo que a guarnição do Porto estava enfraquecida pela partida da expedição do duque da Terceira para o Algarve, atacou vigorosamente as linhas procurando cortar as comunicações entre a Foz e o Porto. Foi completamente repelido, e D. Pedro entusiasmado com a perícia do seu novo chefe do estado-maior, promoveu-o por distinção no campo da batalha ao posto de tenente general. Apesar da derrota, os miguelistas não desanimaram, pela chegada do marechal francês Bourmont que acompanhado por uns 100 oficiais legitimistas franceses, vinha tomar o comando do exército que sitiava o Porto. Não tardaram a medir-se os dois generais. Em 25 de Julho Bourmont deu um ataque geral ás linhas do Porto, pôs em grave perigo a esquerda da linha que Saldanha defendeu brilhantemente repelindo o ataque, e pressentindo que Bourmont, repelido da esquerda havia de pretender atacar a direita, provavelmente enfraquecida pela concentração de forças no outro flanco, partiu a galope para Bonfim, e ali encontrou efectivamente o regimento belga repelido e os miguelistas já dentro do Porto. 0 momento era crítico. Os reforços não podiam chegar ainda. Saldanha, entretanto desembainha a espada, e carrega o inimigo à frente do seu estado-maior e da sua escolta de lanceiros. Cai morto seu sobrinho D. Fernando de Almeida, são feridos quase todos os oficiais, mas o inimigo recua, e o Porto está salvo na direita como já o estava na esquerda. 0 imperador, em recompensa de tão assinalada vitória, confere-lhe a grã-cruz da Torre e Espada. Chegam no dia 26 ao Porto as notícias da ocupação de Lisboa pelas tropas do duque da Terceira; D. .Pedro parte para Lisboa, deixando Saldanha comandante em chefe da guarnição do Porto. Não tardou que Bourmont, com uma parte do exército miguelista, marchasse a cercar Lisboa, ficando em frente do Porto o general Almer. Não quis Saldanha consentir que forças relativamente diminutas o paralisassem dentro da cidade. A 18 de Agosto fez uma sortida, surpreende o inimigo, desaloja-o das suas fortes posições, repele-o em seguida nas alturas de Valongo, e completa assim o levantamento do cerco do Porto. A cidade aclamou com ovações frementes de entusiasmo o seu heróico salvador. Saldanha organiza então uma pequena divisão, e em 24 de Agosto parte para Lisboa, deixando o governo do Porto entregue ao tenente general Stubbs. Chegando a Lisboa assume o comando do exercito, repele no dia 5 e no dia 14 de Setembro os ataques de Bourmont, obriga Macdonell, que substituía no comando o general francês, a levantar o cerco da capital nos dias 10 e 11 de Outubro. D. Pedro nomeou-o marechal do exército e para lhe ser agradável, mandou colocar de novo no pedestal da estátua de D. José, no Terreiro do Paço, o medalhão do seu glorioso avô, o marquês de Pombal. Mas a luta continuava agora ainda mais terrível do que nunca. Póvoas sucedera a Macdonell, continuando a manter-se na expugnável Santarém. Então Saldanha, deixando o duque da Terceira à frente das tropas liberais que ocupavam Cartaxo, marcha sobre Leiria com uma pequena força e toma a cidade, derrota em Torres Novas os célebres dragões da Chaves, e finalmente desbarata completamente em Pernes uma força importante, que Póvoas para ali destacara na esperança de cortar as comunicações dos dois marechais. Então os miguelistas resolveram tentar um supremo esforço, o que proporcionou a Saldanha o ensejo de ganhar a mais brilhante vitória da sua carreira militar, a batalha de Almoster, que deu um golpe mortal na causa miguelista. Projectou Saldanha, em seguida a este brilhante feito de armas uma expedição ao norte para se assenhorear de todo o país e impedir que o inimigo recebesse reforços ou auxílios das províncias afectas ao absolutismo. O plano não foi aceite, e o marechal recebeu ordem de retirar para o Cartaxo com a sua divisão. Prosseguindo a campanha, os miguelistas ainda tiveram um efémero triunfo em Alcácer, onde os constitucionais foram repelidos. Como aproveitassem esta insignificante vitória para novos ataques, o plano de Saldanha foi afinal adoptado, sendo a sua execução confiada ao duque da Terceira. Pouco tempo depois com a batalha de Asseiceira, D. Miguel era derrotado por completo. Em 26 de Maio de 1834, assinou-se a convenção do Évora Monte. Saldanha, a quem indubitavelmente se devia o êxito da campanha, foi elevado a marquês, por decreto passado logo no dia seguinte, e uma dotação de cem contos de reis em bens nacionais.

Terminada a luta, começou o agitado noviciado constitucional do país. D. Pedro abriu as cortes em 15 de Agosto de 1834, e Saldanha, sendo eleito deputado, foi o chefe da oposição no primeiro ministério de D. Maria II. Os inimigos, que antes e durante o cerco do Porto, tanto o combateram, voltaram à sua tarefa, agora mais fácil, porque na paz as intrigas podem mais facilmente urdir-se. A 27 de Maio do ano de 1835, a rainha chamou-o ao poder, confiando-lhe a presidência do conselho e a pasta da guerra, e dando-lhe como colegas o duque de Palmela, o marquês de Loulé, Chanceleiros, João de Sousa Pinto de Magalhães, etc. Pouco depois entrou Rodrigo da Fonseca Magalhães para o governo, como ministro do reino. Este gabinete teve curta duração. A iniciativa de Saldanha em mandar a Espanha uma divisão auxiliar, que se portou ali brilhantemente, contra os carlistas, as reformas projectadas na instrução pública pelo ministro Rodrigo da Fonseca, e depois uma resolução do duque da Terceira, comandante em chefe do exército, relativamente ao papel dos oficiais nas eleições, originaram a queda do ministério, que foi substituído por outro da presidência de José Jorge Loureiro. Foi durante este último ministério, que rebentou a revolução de Setembro. Saldanha conservou-se um pouco afastado da politica militante, descansando em Sintra, mas quando julgou que a revolução fora mais longe do que, no seu entender, devia ir, quando lhe pareceu que estavam em perigo as prerrogativas e a dignidade da rainha, que ele sustentara sempre com tanta dedicação, pronunciou-se, de acordo com o duque da Terceira, contra a marcha das coisas, marchando para o norte a 27 de Julho de 1837, entrou na Beira, onde se lhe juntaram algumas tropas, muito menos do que ele imaginava, porque a revolução popular setembrista ainda tinha um grande prestigio. O barão de Bonfim foi enviado com tropas importantes contra o marechal Saldanha, mas este, com a habilidade que o distinguia, zombou do seu feliz adversário, escapando-se-lhe por uma série de marchas estratégicas, indo unir-se ao duque da terceira e a Mousinho de Albuquerque em Torres Vedras, onde formaram uma regência provisória, e marchando sobre Lisboa, acamparam em Loures, ao passo que Bonfim se encontrava no Pombal. Esperavam os marechais que Lisboa se pronunciasse a seu favor, mas não sucedeu assim, tiveram por conseguinte de retirar, porque dispunham apenas de três batalhões de voluntários mal armados e um regimento provisório de infantaria de linha. Tendo boa cavalaria, mas não tendo um só canhão, não podiam os marechais atacar Lisboa. Retiraram, pois, para o norte em procura da divisão auxiliar de Espanha, que recolhia a Portugal, por ordem do governo, e que esperavam que aderisse à sua causa. No dia 28 de Agosto de 1837 encontraram se no Chão da Feira com o barão de Bonfim, e aí se travou batalha, que terminou por um acordo entre Saldanha e Bonfim, que no meio da batalha se encontraram e deliberaram suspender a luta para verem se chegavam a um acordo sobre a questão constitucional. Os marechais retiraram para Alcobaça, Bonfim para Leiria, e em Aljubarrota se reuniram comissários para tratarem dum convénio. Não se podendo chegar a um acordo, romperam-se de novo as hostilidades. Aqui se mostrou mais uma vez a habilidade do marechal. A derrota em Chão da Feira era quase inevitável, nem Saldanha decerto aceitaria o combate, se não esperasse que as forças setembristas passassem para ele, graças ao seu antigo prestigio. Só isso aconteceu com uma parte da cavalaria, mas a infantaria formada em quadrado resistiu intrepidamente, e a falta de artilharia colocava os marechais na mais desastrosa inferioridade. A interrupção do combate foi a salvação para eles. No dia seguinte unia-se o barão do Casal a Bonfim e Saldanha por conseguinte não podia seguir para o norte pela estrada de Leiria. Mais uma vez, porém, iludiu os adversários, e torneando-os por uma marcha audaciosa e feliz, foi sair a Rio Maior, passou a Santarém, depois a Tomar, e ainda Bonfim andava à procura dele, e já ele estava em Trás-os-Montes. Ao chegarem, porém, a Chaves, souberam os marechais que o barão de Leiria, contra as ordens expressas que recebera, tendo-se-lhe reunido uma das brigadas da divisão expedicionária de Espanha, dera batalha em Ruivães à outra brigada comandada pelo visconde das Antas, e fora batido. Vendo então que não podiam prolongar a luta, assinaram uma convenção, e partiram para o estrangeiro, terminando assim a revolta, que ficou conhecida pela revolta dos marechais.

Saldanha foi residir para Paris até que, voltando ao reino, o governo cartista o encarregou de varias embaixadas, passando quase todo o seu tempo até 1846, empregado na carreira diplomática. Esteve em Londres, em Madrid e em Viena, onde a rainha e os seus confidentes o conservaram de reserva para o momento em que fosse preciso. Em 1846, portanto, prosseguiu na vida política, de certo um campo muito menos brilhante para ele do que a carreira militar. Já não é muito explicável, apesar de tudo, a sua insurreição de 1837 contra a revolução liberal que devia agradar, segundo parecia ao redactor do Nacional, ainda se percebe menos que depois de ter sido uns dias ministro da guerra e dos negócios estrangeiros no gabinete de Palmela de 20 de Maio, não recusasse cobrir com a sua responsabilidade o odioso golpe de estado de 6 de Outubro de 1846, pelo qual a rainha faltava à sua palavra, e opunha o seu veto ao movimento democrático do país. Saldanha, o homem mais popular do país, ia agora afrontar o movimento mais verdadeiramente popular que couve entre nós, indo servir os interesses do conde de Tomar contra os interesses legítimos do povo. Mas chegava o momento de desembainhar a espada, e o marechal recuperava o seu antigo esplendor. A revolução do Minho, promovida pela emboscada de 6 de Outubro, rebentara com energia, organizara no Porto a Junta que dirigiu a revolução e o conde das Antas, à frente das tropas liberais, marchou sobre Lisboa parando sobre Santarém, onde destacou para Alcobaça e Caldas uma divisão comandada pelo conde de Bonfim. Saldanha, deixando o ministério para assumir o comando das tropas cartistas, ocupou o Cartaxo, e vendo a imprudência do conde das Antas, marchou sobre Bonfim que seguia para Torres Vedras, onde foi obrigado a capitular depois da batalha de Torres Vedras, em 22 de Dezembro de 1846, e que é uma das mais brilhantes da carreira militar de Saldanha. Bonfim teve de se entregar com toda a divisão, Antas viu-se obrigado a retirar sobre o Porto, seguindo-o Saldanha que ocupou a posição de Oliveira de Azeméis, isolando assim o Porto do sul do País, sem que a junta ousasse mandá-lo atacar até que a intervenção estrangeira pôs termo à luta civil, pela convenção de Gramido assinada em Junho de 1847. Saldanha havia sido agraciado com o título de duque, por decreto de 4 de Novembro de 1846 fora elevado ao pariato e nomeado mordomo-mor da rainha.

A 18 de Dezembro de 1848 formou se um ministério, presidido por Saldanha, presidência que conservou até 29 de Junho de 1849, em que a rainha, julgando ser tempo de acabar com aquele ministério que considerava de transição, chamou de novo Costa Cabral, já então conde de Tomar, aos conselhos da coroa. Saldanha feriu-se profundamente com esta resolução da rainha, e começou a fazer uma oposição furiosa ao novo governo. 0 conde de Tomar, procedendo com a sua habitual energia, aconselhou a rainha a que o demitisse do cargo de mordomo-mor da Casa Real. Ferido também no seu amor próprio, o marechal pediu a demissão de todos os seus cargos de comissões, e saiu a campo, publicando em 1850 o Requerimento e correspondencia do duque de Saldanha com o ministro da guerra, por occasião de ser demittido do officio de Mordomo mór da Casa Real. A publicação deste folheto deu em resultado levantar-se uma viva discussão na imprensa, e imprimiram-se avulsos vários opúsculos e panfletos, nos quais a questão foi diversamente avaliada, saindo anónimos a maior parte deles. Sentia-se bem que o conde de Tomar jogara uma carta arriscada, e que Saldanha não deixaria de tirar a desforra. Esta desforra não demorou muito. 0 marechal resolveu, portanto, vingar-se, e a corresponder aos votos do país, fatigado da administração enérgica mas áspera do conde de Tomar. A 7 de Abril de 1851 saiu de Sintra com uns oficiais do seu estado-maior, partiu para Mafra, na intenção de revoltar o regimento de infantaria n.º 7, mas apenas alguns soldados tomaram o seu partido. Reuniram-se-lhe apenas alguns batalhões de caçadores n.º 1, que estava em Setúbal o n.º 5, que estava em Leiria. 0 marechal julgou perdida a insurreição, porque todos, ou quase todos os coronéis eram cabralistas, e haviam fugido com os regimentos ao marechal, como fizeram os comandantes do n.º 9 e do n.º 14 de infantaria e o n.º 4 de cavalaria. Entrara Saldanha já em Espanha, e achava-se em Lobios na Galiza, quando cartas de José Estevão e de outros homens notáveis do partido progressista o chamaram a Portugal, onde triunfava o seu movimento, exactamente quando ele o supunha perdido. A guarnição do Porto insurgira se a seu favor, e um dos coronéis que tinham tentado opor-se à revolta, foi morto. Saldanha entrava triunfante no Porto, onde ia reunir-se-lhe dentro em pouco tempo quase toda a divisão que, debaixo do comando d'el‑rei D. Fernando, saíra de Lisboa para se lhe opor. Em Lisboa entrava pouco depois, a 13 de Maio, o marechal, e a sua entrada foi festejada com delirantes ovações, iluminações, vendo-se pelas ruas filarmónicas tocando um hino composto em sua honra. Pouco fora preciso para Saldanha recuperara popularidade, que por um instante lhe resfriara um pouco. 0 marechal com as suas tropas passou em continência em frente do palácio das Necessidades, mais como afronta à rainha, do que como um acto de submissão. 0 conde de Tomar fugiu para o estrangeiro, el-rei D. Fernando entregou-lhe o bastão do comando em chefe do exército, e a rainha teve também de o aclamar, quando o povo o saudava como a um triunfador. Saldanha, tomando posse do governo em ditadura, promulgou grande número de leis. Este movimento ficou conhecido na história pela Regeneração. Saldanha tinha a seu lado no ministério Rodrigo da Fonseca Magalhães, e chamou ao poder um jovem deputado de um imenso futuro, e que veio a ser mais tarde uma sumidade politica, Fontes Pereira de Melo. Durante cinco anos, dirigiu esta administração regeneradora que pôs termo definitivo às lutas políticas, fez passar o Acto Adicional à Carta Constitucional, fez entrar o país no caminho do desenvolvimento material; assegurando o pagamento pontualíssimo dos funcionários, e tratando seriamente da viação publica.

Em 1856 cedia Saldanha o poder ao ministério progressista histórico, voltando a ocupar-se principalmente na carreira diplomática. Pouco tempo depois entregava-se também a uma especialidade muito inesperada, à especialidade médica. Fazia-se em Portugal o advogado da homeopatia, publicando em 1858 o seguinte folheto: Estado da medicina em 1858; opusculo, dividido em cinco partes, dedicado a el-rei o sr. D. Pedro V, e offerecido aos homens de consciencia e superiores, que entre nós ensinam ou praticam a nobre e liberal profissão da medicina. Este folheto promoveu resposta do Dr. Bernardino António Gomes, travando-se entre o ilustre marechal e o bem conhecido médico uma discussão veemente. Já em 1845, estando embaixador em Viena de Áustria, publicara um livro intitulado: Concordancia das sciencias naturaes, e principalmente da geologia com o Genesis fundada sobre as opiniões dos santos padres e dos mais distinctos theologos; extrahida de um trabalho do marechal marquez de Saldanha sobre a philosophia de Schelling. Atribui-se-lhe também um outro folheto: Curtissima exposição de alguns factos, Lisboa, 1847; este opúsculo, concernente à explicação do movimento político do 6 de Outubro de 1846, saiu sem o nome do autor. Publicou depois um Additamento á «Curtissima exposição de alguns factos», tendo a data de 3 de Setembro de 1847, e por assinatura Um portuguez. Nos 14 anos que decorreram de 1856 a 1870 conservou-se Saldanha constantemente afastado do poder. Ministro em Roma, em Paris, ou em Londres, representava com grande esplendor o seu país e era em toda a parte um dos vultos mais notáveis do corpo diplomático. Por mais duma vez o nome do duque de Saldanha foi indigitado para a presidência do conselho, mas, ou porque ele se recusasse, ou porque as circunstancias politicas mudassem e não tornassem necessário o seu chamamento, é certo que sempre continuou a exercer as suas missões diplomáticas, até que em 1869, tendo vindo a Lisboa, e julgando-se desconsiderado pelo ministério progressista presidido pelo duque de Loulé, resolveu fazer sentir ao governo que, apesar dos seus 80 anos, ainda conservava o antigo prestigio no exército e a verdura da mocidade. Deu ouvidos ás incitações do conde de Peniche e do grupo de revolucionários que acompanhava este fidalgo, e à frente do batalhão de caçadores n.º 5 e do regimento de infantaria n.º 7, proclamou a queda do ministério. Só a guarda municipal, alguma artilharia e um esquadrão de lanceiros deixou de unir-se aos revoltosos. Saldanha dirigiu-se com a força que angariara, ao palácio da Ajuda na noite de 19 de Maio de 1870, onde uma bateria do 3 de artilharia lhe faz fogo, que é correspondido pelos caçadores revoltados, mas a resistência durou poucos minutos e os artilheiros rendem-se, ficando apenas mortos uns 5 e igual. número de feridos. Várias balas de caçadores esmigalharam as vidraças do paço, e lhe furaram os estuques. 0 ministério quer conservar-se a todo o transe, não lhe importando que para isso corra jorros de sangue. 0 rei D. Luís estava aterrado; não queria guerra, não queria derramar sangue, e estava por tudo quanto Saldanha quisesse. Mandou chamar o duque de Loulé para lavrar o decreto da demissão dos ministros, mas o duque recusa-se terminantemente a referendar tal decreto, mas vendo por fim que o rei se obstinava em não querer guerra, cedeu, e foi reunir-se aos seus colegas para envidarem todos os meios de sufocarem a revolta. Finalmente o rei assinou o decreto da demissão do ministério, e Saldanha ficou senhor da situação, e como ditador formou em 25 de Maio um ministério, em que entravam D. António da Costa, marquês de Angeja (conde de Peniche), D. Luís da Câmara Leme, José Dias Ferreira e conde de Magalhães, ficando Saldanha com a presidência e as pastas da guerra e dos estrangeiros. Promulgou uma série de reformas mas, em 29 de Agosto do mesmo ano de 1870, um outro golpe de estado promoveu a queda do ministério, retirando-se de novo Saldanha como ministro para Londres, onde veio a falecer com 86 anos de idade.

0 duque de Saldanha havia enviuvado em 13 de Agosto de 1855, e passou a segundas núpcias, em Londres, sendo já octogenário, com D. Carlota Isabel Maria Smith, irmã do conde da Carnota, John Smith Athelstane, já viúva do Dr. Edward Binns. Possuía as seguintes honras: grã-cruz das ordens de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, de S. Tiago, e de S. João de Jerusalém; das seguintes ordens estrangeiras: S. Fernando, Isabel a Católica e Carlos lII de Espanha; da Legião de Honra, de França; de S. Gregório Magno e da Pio IX, de Roma, de Ernesto Pio, de Saxe-Coburgo; de Leopoldo, da Áustria; do Leão, dos Países Baixos; de S. Maurício e S. Lazaro, de Itália; de Leopoldo, da Bélgica; de Alberto, o Valoroso, de Saxónia; do Salvador, da Grécia; da Águia Branca, da Rússia; cavaleiro da ordem do Tosão de Ouro, de Espanha, da Santíssima Anunciada, de Itália; condecorado com as medalhas do Buçaco, de S. Sebastião e de Nive; de 6 batalhas da Guerra Peninsular, da Estrela de Montevideu, etc.; sócio emérito e vice-presidente da Academia Real das Ciências, membro da Sociedade Geológica de França, da Academia das Ciências e Belas Letras de Anvers, da Sociedade Estatística de França, e de muitas outras associações cientificas e literárias da Europa. Por decreto de 30 de Outubro de 1862, foi agraciado com as honras de patente. 0 seu brasão é o mesmo, que já se publicou e se descreveu, no 1.º vol. do Portugal, pág. 56, no artigo dedicado a seu filho, o conde de Almoster.

Saldanha foi também um escritor muito considerado. Entre as obras que deixou, citaremos as seguintes: um folheto Algumas ideias sobre a Fé; sem designação do lugar da impressão, mas tem no fim a data de Lisboa, 17 de Maio de 1857; Discursos do presidente de ministros, duque de Saldanha, proferidos nas sessões de 14 e 15 de fevereiro na camara dos dignos pares, por occasião das accusuções feitas pela opposição, Porto, 1848. Achando se em 1864 embaixador em Roma, assistiu a uma sessão da Academia dos Quirites, celebrada no palácio do príncipe de Alfieri, em 21 de Abril, e recitou na presença de vários cardeais, prelados e outras personagens distintas, a dissertação que para esse fim escrevera: Il natale di Roma. Em 1865, voltando aos seus estudos médicos, publicou: Duas palavras sobre a homeopathia como preservativo e curativo da Choleramorbus. Escreveu mais: Carta sobre o casamento civil, dirigida ao ex.mo presidente do conselho de ministros, Lisboa, 1865; A Verdade, Lisboa, 1863 constava de 4 capítulos: 1 ° Expectação universal; 2.° A antiguidade não realisou o ideal da perfeição humana; 3.° Jesus Christo, Deus e homem verdadeiro; 4.º Algumas ideias sobre a Fé; teve 2.ª edição em 1869; Carta ao sr. Latino Coelho acerca da razão que o impediu de assistir à inauguração da estátua de D. Pedro IV no Porto, com a exposição dos serviços que na mesma cidade prestou durante o cerco e depois, até ao fim da luta civil de 1839; saiu no Jornal do Commercio, de 26 de Outubro de 1866; Necessidade de associação catholica, Londres, 1871; A Voz da Natureza, etc., publicou o 1.º vol. em Londres, 1879; o 2. vol. saiu em 1876, no mesmo ano da morte do marechal; segundo o autor, a obra devia ter 3 vol., mas parece que o 3.º se não chegou a publicar. Em 1869 publicou em varies jornais de Lisboa (Diario Popular, Jornal do Commercio, e Diario de Noticias), cartas para explicar o seu procedimento politico, e que são documentos preciosos para a historia dos preliminares da revolta de 19 de Maio de 1870. 0 duque de Saldanha tem artigos biográficos no Dictionnaire des contemporains, de Vapereau; no Dictionnaire générale de biographie et d'histoire, de Dézobry et Bachelet; na Nouvelle biographie générale, tomo XLIII; Historia do marechal Saldanha, por D. António da Costa de Sousa de Macedo; O Marechal Saldanha, romance histórico, de César da Silva, publicado pela casa editora João Romano Torres & C.ª. 0 escultor Alberto Nunes executou em 1880 o busto em mármore do marechal Saldanha, trabalho de muito valor artístico, que foi destinado para a Câmara dos Pares.

Transcrito por Manuel Amaral

Artigo publicado no Dicionário Histórico