29.3.14

Rua Duarte Lopes

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28.3.14

Rua Francisco Barreto

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27.3.14

E se o exemplo viesse de cima?

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A urgência não devia ser muita

De certeza que havia outro sítio para parar o Smart municipal sem ser em cima de um passeio e diante de uma passagem reservada aos peões.

Este de certeza que não é multado!

É um simples desabafo de um portuense. Não é uma publicidade nem à Câmara Municipal do Porto nem a uma marca de automóveis.



26.3.14

Largo D. João III

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Estava no meio do largo a fotografar o Afonso de Albuquerque com aquela ideia fixa de registar a escultura. Compôr com as cores que enquadravam a imagem envelhecida de um homem velho, tirar do campo a equipa de policiamento da GNR, não mostrar muito os locais do Marius Latour, abstraí-me do local onde estava.


Depois, de repente, ao desviar o olhar pareceu-me reconhecer o largo. Muitos anos antes, talvez noutra das minhas vidas. 


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As moradias já não eram uniformes e monocoloridas como nos tempos idos de ... (início de sessenta?) quando ainda se chamavam as Moradias Económicas da Avenida Marechal Gomes da Costa. Agora já estavam personalizadas. Cores diferentes, cores mais vivas.

Havia mesmo uma com um painel junto da porta.

Viagem muitos anos atrás quando com o tio Mário lá fui visitar um amigo dele - o professor.

De como ainda agora redescubro o Porto que foi o da minha juventude.


O tio Mário faleceu a 27 de Março de 1966. Coincidência?

A estátua de Afonso de Albuquerque

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É uma escultura bem escondida quase em frente ao "Lycée Français de Porto" no meio das árvores do largo D. João III.

Foi a leitura de um extenso artigo sobre a Exposição Colonia, que teve lugar no Porto em 1934, publicado no blogue "Do Porto e não só" que levou até junto dela. Várias obras mostradas nesta exposição ainda se encontram na cidade. 


"A escultura de Diogo de Macedo (1889-1959), concebida em 1930, foi primeiro exibida na Exposição Colonial de Paris em 1931. Colocada nos jardins do Palácio na Exposição Colonial Portuguesa, mostra o Vice-Rei de pé, com grande barba, com uma armadura encoberta por uma grande capa, segurando na mão direita uma fortaleza e a esquerda, pousada no punho duma espada com as insígnias da Ordem de Santiago. A escultura de pedra calcária, assenta num pedestal de granito e encontra-se, desde 1984 na praça de D. João III no Porto." - Texto do artigo mencionado


24.3.14

A Obra das Mães em Miguel Bombarda

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Este edifício hoje ocupado por vários escritórios e durante alguns anos nos finais do século XX por serviços das Finanças foi a delegação da "Obra das Mães pela Educação Nacional na cidade do Porto.

Para quem desejar saber mais transcrevo um artigo do blogue "Caminhos da Memória" da autoria de Irene Pimentel:

< Uma das preocupações do Estado Novo, no seu início de jornada, nos anos trinta, prendeu-se com o desejo de enquadramento e organização de estratos da população, por idade e por sexo. Em 1936, o ministro da «Educação Nacional», Carneiro Pacheco criou a primeira organização estatal de mulheres, a Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN), para «estimular a acção educativa da família», «assegurar a cooperação entre esta e a Escola» e «preparar melhor as gerações femininas para os seus futuros deveres maternais, domésticos e sociais». No discurso que proferiu, por ocasião da nomeação dos membros da Junta Central da Obra das Mães, o ministro definiu os três objectivos da OMEN: por um lado, a reeducação das mães e a assistência materno-infantil, através dos centros sociais e educativos, das «semanas da mãe» e dos «prémios às famílias numerosas» e, por outro lado, a antecipação e prolongamento da escolaridade através da educação infantil, das cantinas escolares e da criação da Mocidade Portuguesa Feminina (MPF) [1] 

A longa mas pouco actuante vida da OMEN (1936-1974) foi depois sempre marcada por uma grande indecisão quanto à definição das suas funções. Em certos sectores do regime, multiplicaram-se as opiniões segundo as quais a organização devia ter um carácter meramente assistencial, enquanto, pelo contrário, a condessa de Rilvas, dirigente da OMEN, nunca a deixou de considerar «um instrumento de educação nacional». Diga-se que, nos anos trinta e quarenta, o adjectivo «social» tinha de facto o significado de «educativo», fim para o qual a «assistência» era um meio. 

A própria condessa de Rilvas indicou qual era o principal alvo da OMEN, ao referir que embora também pretendesse ocupar-se da «Mocidade», era a «adulta, a Mãe, a mulher actual, com os seus erros, a sua ignorância, os seus preconceitos» que a organização queria atingir em primeiro lugar. Mas os principais alvos da reeducação da OMEN eram as «mulheres do povo» e, segundo os desejos da organização, nomeadamente as operárias, às quais seriam ministradas, em centros sociais e educativos, nos meios «urbanos, industriais e rurais», noções de higiene, puericultura e de moral, para reduzir a mortalidade infantil e levá-las a regressar ao lar. 

Num balanço das suas actividades realizado em 1971, a própria OMEN dividiu a sua vida, até aquela data, em três períodos: entre 1938 e 1945, a fase de implantação e de acção educativo-assistencial, exercida através dos primeiros centros sociais e educativos; entre 1946 e 1958, a fase em que a actuação no meio rural tomou «predomínio sobre os meios operário e urbano», através dos centros de formação familiar rural, e, entre 1959 e 1971, a fase vagamente caracterizada como sendo de procura da colaboração «com uma sociedade em franca evolução e resolução, tanto no âmbito familiar como social». 

De facto o segundo período de vida da OMEN, iniciado quando Salazar recompôs as forças do seu regime, depois da grande crise no final da guerra, decorreu durante os «anos de chumbo» para a oposição ao regime da década de cinquenta e culminou com o «terramoto delgadista», revelador do processo de industrialização, urbanização e modernização que se faziam sentir lenta, invisível mas irreversivelmente na sociedade portuguesa. Foi um período marcado pela viragem da OMEN para o meio rural, porque lhe parecia ser o último reduto de uma sociedade que pretendia manter, como se o voluntarismo reaccionário da organização pudesse travar as mudanças sociais entretanto ocorridas em Portugal.


A viragem para o meio rural e a Escola de D. Luís de Castro

A viragem da OMEN para o meio rural ocorreu, porém, num período em que Portugal tinha deixado de ser «essencialmente agrícola» para ser «essencialmente industrial» [2]. Ao contrário dos desejos ruralizantes da Obra das Mães, a população agrícola, que em 1950 constituía quase metade da população (48 %), tinha diminuído, através da industrialização, da urbanização e da emigração, para 42 % em 1960 [3]. No contexto deste processo e na luta pela influência política entre os lobbies industrial e agrário no seio do regime, pode dizer-se que a OMEN representou os interesses do último, tentando desesperadamente suster o êxodo rural, através do ensino de «técnicas agrícolas modernas», de formação de novas «classes rural» de da manutenção da natalidade alta no seio das famílias rurais.

A expansão no meio rural carecia entretanto de jovens profissionais e, segundo disse a dirigente da OMEN, condessa de Penha Garcia, a OMEN tinha dificuldade em recrutar raparigas para tomar conta dos centros, além de que muito poucas queriam ir para o campo [4]. Influenciada por Maria Joana Mendes Leal, segundo a qual se deveria preparar «elites de trabalhadoras sociais» que se fixassem nos meios rurais para ai «coadjuvar os serviços de carácter social, sanitário e educativo» [5], a OMEN resolveu criar a sua própria Escola de Agentes de Educação Familiar Rural.

A escolha de Braga para sede da Escola devia-se, segundo a condessa de Penha Garcia, ao facto de aí haver «quintas pequenas adaptadas ao fim em vista» e de ali existirem «profissionais e uma competente presidente distrital» [6], Maria Teresa Esquível. Para nome da Escola, a condessa de Penha Garcia escolheu o do próprio pai, D. Luís de Castro, que tinha idealizado em 1908 a criação de escolas de Ensino Familiar Rural. Na inauguração da Escola de D. Luís de Castro, em Tenões (Braga), em 2 de Fevereiro de 1958, a condessa de Penha Garcia reafirmou o propósito de preparar jovens «para exercer uma função específica no meio rural», levando-as «apreciar as virtudes e os trabalhos familiares», tornando-lhes «atraente a vida rural e dando-lhes «espírito de religiosidade e de patriotismo».

Frequentada por raparigas com mais de 17 anos, com o 1.º ciclo dos liceus ou o ciclo preparatório do ensino técnico, funcionando o programa dos cursos [7] em regime de internato durante um ano e meio, ao qual se seguia um estágio nos centros rurais e nas missões de educação rural da OMEN, a Escola sofreu um incêndio, em 1960, e mudou para o Solar da Torre (Braga), onde permaneceu até Outubro de 1962. Depois da sua reconstrução, a escola mantinha um bloco residencial para 32 alunas e para o pessoal, uma casa instalada a expensas das alunas e um bloco escolar.

Em 1968, a condessa de Penha Garcia considerou de novo que, tendo «a ordem eterna dos campos» vindo a ser perturbada pelas «possibilidades de conforto e bem-estar», por «apelos para uma vida fácil» e por «doutrinas sedutoras». Segundo essa dirigente da OMEN, mesmo «admitindo certa transferência da população agrícola para a indústria», era necessária uma «transformação profunda do meio rural», onde deveria «surgir uma nova classe agrícola mais instruída e mais esclarecida» cujo labor seria aliviado pela utilização plena dos novos recursos da ciência» e da «força do maquinismo moderno» [8].

No seu balanço de actividades de 1971, em que reconheceu que a Escola apenas havia formado, entre 1958 e 1971, 164 educadoras, que se congregavam na associação «Convívio» e à volta do órgão A Candeia, a OMEN descreveu os anos sessenta como um período em que a «actuação no meio rural» tomara «o predomínio sobre o operário e urbano» e um tempo em que «o mundo rural e não só ele» era «solicitado a sair da rotina». Como a sociedade portuguesa estava a evoluir e a transformar-se, a OMEN tentava, assim, «acompanhar os acontecimentos num contrabalançar de equilíbrios entre os valores permanentes e do progresso».

Dos objectivos iniciais da Obra das Mães, nenhum foi conseguido, quando se chegou à década de setenta. Em vez de transformar as mentalidades das mulheres e das famílias, limitou-se a atingir algumas delas em escassos cursos domésticos, em sessões de propaganda e em iniciativas de caridade. Quanto ao objectivo inicial de «congregar todas as mulheres» portuguesas, no apoio político ao regime, apenas se assistiu à tentativa de as mobilizar exclusivamente para a maternidade prolífica e para tarefas meramente «femininas».

Nesse período, a preocupação com a formação de quadros para a educação familiar rural era reveladora das transformações que a Obra das Mães tinha sofrido desde que fora criada em 1936. Em vez de nacional e educativa, já só era uma organização localizada em certas zonas – Braga e Portalegre -, que pouco diferia das associações particulares de assistência feminina. Também, a sua elite dirigente já não era a mesma, pois já só incluía educadoras sociais e familiares rurais, profissionais pouco pagas, diferenciadas e desprestigiadas. Quanto à sua actividade, a OMEN limitava-se a ministrar alguns cursos de educação familiar, no seio de uma escassa população feminina rural e a formar os seus próprios quadros, na escola D. Luís de Castro, em Braga.


[1 Diário de Notícias,16 de Julho de 1936.

[2] Luciano Amaral, «0 pão sempre politico», in História, ano XVII (nova série), n.º 4, Janeiro de 1995, pp. 52-65.

[3] Fernando Rosas, «O Estado Novo», in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. VII, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 426.

[4] A Família no Campo, n.º 21, Verão de 1968. «Balanço de 10 anos de actividade». Discurso da condessa de Penha Garcia, no encerramento do segundo curso de formação de educadoras familiares, realizado de Julho a Agosto de 1956.

[5] Parecer da Câmara Corporativo sobre o Projecto de Lei n.º 516, de organização e funcionamento do Instituto de Serviço Social, de Junho de 1956.

[6] Arquivo Salazar. AOS/CP, carta da condessa de Penha Garcia a Salazar, em
Dezembro de 1957.

[7] Cultura Geral, Formação Familiar, Cultura Religiosa, Economia Doméstica, Tecnologias da Habitação e Adorno do Lar, Tecnologia do Vestuário, Culinária, Artesanato Feminino, Serviço Social Rural, Técnicas de Comunicação Social, Organização Corporativa, Enfermagem do Lar, Puericultura, Higiene e Nutrição, Psicologia, Pedagogia, Problemas Artísticos, Canto Coral e Liturgia, Jogos e Danças, Métodos de Educação Familiar, Formação Pedagógica, Organizacão e Técnica de Serviços, Terminologia de Material Didáctico, Agricultura Geral, Zootecnia, Horticultura, Jardinagem e Prática Agrícola.

[8] A Família no Campo, n.º 22, Outono de 1968.


(Publicado no nº 8 da colecção Os anos de Salazar/ O que se contava e o que se ocultava durante o Estado Novo , coordenada por António Simões do Paço.) >

Saiba mais sobre coisas e loisas da cidade no grupo do facebook dedicado às Ruas da Minha Terra.


https://www.facebook.com/groups/718377491515063/



14.3.14

Os Frescos do Cinema Batalha



Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa


Após alguns anos de abandono o cinema Batalha entrou em obras de renovação no ano de 2005. Nos finais desse ano a comunicação social fez eco de algo que era desconhecido de muitos portuenses - os paineis da autoria de Júlio Pomar. Sobre a sua possível recuperação, ou não, foram publicadas algumas linhas que não levantaram a atenção nem do público nem de qualquer organismo oficial.

Na altura publiquei noutro blogue algumas imagens do Batalha assim como dos paineis censurados. 

Agora, ao fim de alguns anos publico mais algumas coisas sobre a "história contemporânea" da cidade. 


O cinema Batalha foi inaugurado no Verão de 1947 ainda com um dos paineis por concluir.Nessa altura Júlio Pomar encontrava-se preso em Caxias. Uma vez libertado, o artista terminou-o nos finais desse ano. A ordem de ocultação dos paineis surgiu em 1948 num momento de forte repressão à candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República.


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Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa




Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa


«A 3 de Junho de 1947, o novo Batalha, delineado pelo arquitecto Artur Andrade, reabre as suas portas ao público, sucedendo ao antigo Novo Salão High--Life exactamente no mesmo local.
A Inauguração da nova casa é festejada com um festival de cinema francês constituído por «Trovadores Malditos», de Carne, «A Batalha do Rail», de Clement, «A Bela e o Monstro», de Cocteau, e «A Sinfonia
Pastoral», de Delannoy. Da programação do novo Batalha encarrega-se Luís Neves Real, cujo nome fica indelevelmente marcado no sector da exibição, no Porto, e marginalmente ligado à criação do «Cine-Clube do Porto», a cujas primeiras direcções pertenceu.
A nova casa de espectáculos é ornamentada com várias obras de arte: um baixo-relevo na fachada, de Américo Braga, um grande fresco numa das paredes do patamar que dá para a cave, da autoria de Júlio Pomar, trabalhos ornamentais de Augusto Gomes, António Sampaio e Arlindo Gon­çalves. Poucos dias depois, uma ordem ridícula, bem típica do regime salazarista, mandava apagar o fresco de Júlio Pomar e mutilar o balxo-relevo da fachada (a ceifeira ficou sem foice e o operário sem o martelo ...). O então presidente da Câmara, dr. Luís de Pina, embirrou com o traçado de feição moderna do novo edifício e com a sua decoração, porque não gostava nem de pintura moderna, nem do Júlio Pomar e aqueles pormenores das figuras alegóricas da fachada cheiravam-lhe a comunismo …
[ «Fresco» de Júlio Pomar que decorava uma parede interior do novo Cinema Batalha, do Porto, e que foi mandado cobrir por um Presidente da Câmara por considerá-lo miserabilista e subversivo ... (Representava tão somente a festa tradicional popular do S. João. O referido «fresco» já levou nova cobertura e jamais poderá ser recuperado. Era assim nos tempos da «outra Senhora»). ] legenda de uma imagem do artigo

Numa entrevista concedida há relativamente pouco tempo, ao Jornal de Notícias, o arquitecto Artur Andrade conta o episódio: «O presidente da Câmara considerou que eu fazia arquitectura comunista e como comunistas classificou todos os que colaboraram no projecto e na decoração ... e até o eng. Neves Leal, um dos proprietários. O grande jresco tinha como tema a festa de S. João. Pintura realista, rica de cor, com figuras de adultos e de crianças em movimento, balões, tambores, etc. (A um lado, acrescento eu, havia a figura de um miúdo, acocorado, comendo qualquer coisa de uma malga. Um miúdo magricelas, um miúdo da rua. Talvez tivessem falado nisso ao dr. Luís de Pina e tenham visto aí terríveis intentos subversivos). Fecho o parêntesis para voltar a dar a palavra ao arquitecto Andrade: «O dr. Luís de Pina mandou destruir a pintura. Pedi-lhe que fosse ao local para a ver, apelei para as suas responsabilidades, fiz-lhe sentir que a Câmara nada tinha a ver com a decoração interior. Tudo em vão. Não quis ir ver, nem se demoveu, porque — dizia — «já calculava o que era»! Tivemos de ceder. Do mesmo modo, umas letras do alfabeto, colocadas sem formar qualquer palavra, para encher os espaços vazios desse painel, como estava em uso naquela época, não escaparam a este tipo de perseguição. O dr. Luís de Pina pretendia que as letras significassem a conhecida expressão marxista «proletários de todos os países, uni-vos» ... Assim mesmo: com o maior despudor, a maior irresponsabilidade ele interpretava a intenção do artista. Até as letras dos puxadores das portas mereceram censura. Para o presidente da Câmara as letras «C» e «J?» não pretendiam significar Cinema Batalha. Para ele, bem podiam ser abreviaturas de «Comité Bolchevista». Estes «pides» da inte­ligência, homens que se consideravam intelectuais, que se diziam ao serviço da Arte e da Ciência, eram somente os servidores de uma politica contra a liberdade criadora. O que se passou com o Cinema Batalha foi uma autêntica violência, típica do regime fascista.»
O fresco de Pomar foi coberto a tinta (Creio que sem as precauções necessárias para um dia, se melhores dias viessem, ser recuperado). A foice da figura que representava a Agricultura foi tirada da mão que a empunhava, assim como o martelo foi surripiado à figura alegórica à Indústria. Para a história do «salazarismo» e dos seus fiéis servidores, esta é uma das muitas facetas grotescas do sistemático ataque à arte e à cultura e das inacreditáveis arbitrariedades impunemente cometidas por qualquer mui ilustre presidente duma Câmara Municipal...
Passemos adiante.
Com nova casa, o Cinema Batalha mudou imediatamente de público. Nascia mais um cinema para a burguesia portuense... morrera para sempre o mais popular cinema do Porto.
O novo Cinema Batalha ficou, por essa altura, ligado a um outro acontecimento: a criação do «Clne-Clube do Porto». Na incerteza dos primeiros passos desta associação (também ela mal vista pelas autoridades do regime salazarista, mais empenhado em embrutecer as pessoas do que em as despertar para o esclarecimento e a cultura) foi fundamental para o «Cine-Clube do Porto» poder dispor gratuitamente, durante algum tempo, e, depois, em condições excepcionais, da sala do Batalha. A empresa Neves & Pascaud abdicava de imediatos interesses comerciais para servir os interesses da cultura cinematográfica. Ê ainda hoje (embora noutras condições, como é óbvio) que, no Batalha, o «Cine-Clube do Porto» realiza as suas sessões normais. Os laços estabelecidos em 1948 mantêm-se inalteráveis. Mas foi sobretudo a cooperação prestada ao «Cine-Clube», nos dias difíceis do seu arranque, um facto mais a assinalar na longa, longa história deste cinema, que começou por um simples barracão de feira para os lados ainda pouco povoados da Boavista, há quase setenta anos!


[ Baixo relevo da fachada do novo Cinema Batalha, depois de terem tirado a foicinha da mão da figura alegórica da Agricultura e o martelo da mão da figura alegórica da Indústria, coisas consideradas subversivas... por um regime que não poupava as obras de arte ] - legenda de outra imagem do artigo »



Os meus mais sinceros agradecimentos ao Alexandre Pomar que me forneceu, na altura, o texto e as imagens de Ernesto de Sousa aqui apresentadas.

Para saber mais sobre Júlio Pomar pode consultar a página da Fundação Júlio Pomar



Mais imagens do Cinema Batalha no blogue Do Tempo e da Luz



13.3.14

Bairro da Bouça (Actualizado)

Bairro da Bouça - Porto

Algumas pessoas lamentaram não haver um pouco de texto a acompanhar esta imagem que reencontrei nos meus arquivos.

Inicialmente este bairro começou a ser construido num dos programas de rehabilitação do SAAL- Norte. Terminada a primeira fase ficou décadas à espera de ser concluído.

Aqui vão umas linhas anteriormente publicadas pelo jornal Público:

« Siza Vieira retoma antigo projecto de urbanização no Porto

Iniciado na sequência do processo revolucionário que seguiu ao 25 de Abril, o Bairro da Bouça não teve uma existência fácil, mas bem se pode dizer que, afinal, acabará por ter duas vidas. As habitações da primeira fase nunca chegaram a ser completadas e ficaram à mercê de alguma degradação, mas, em 1999, Nuno Cardoso, então presidente da Câmara do Porto, entendeu retomar o processo, associando-lhe o movimento cooperativo. Para tal, as cooperativas Sete Bicas e Ceta e a Associação de Moradores da Bouça criaram a Cooperativa das Águas Férreas, tendo, entretanto, sido necessário remover alguns obstáculos, como os relacionados com a propriedade dos terrenos, o financiamento da obra pelo INH e a demolição da vivenda ocupada pelo Centro de Formação de Jornalistas. "O dr. Paulo Morais [então vereador da Habitação] assumiu o processo de forma verdadeiramente notável e a nossa vontade nunca esmoreceu", sublinhou ontem Guilherme Vilaverde. No início de 2004, o processo de construção das 72 novas habitações entrou definitivamente nos eixos, tendo a primeira pedra sido lançada em Abril. Em Dezembro próximo, o bairro vai, finalmente, iniciar a sua segunda vida.

A Cooperativa de Habitação das Águas Férreas apresentou ontem o andar-modelo do Conjunto Habitacional da Bouça, no Porto, permitindo um primeiro vislumbre sobre o que vai ser esta urbanização a custos controlados projectada pelo arquitecto Siza Vieira há cerca de trinta anos, no âmbito do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL). O projecto chegou a ser iniciado no período que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974, mas ficou incompleto e só agora está a ser terminado, graças à colaboração do movimento cooperativo com a Câmara do Porto, o Instituto Nacional da Habitação (INH) e o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE).

O andar-modelo ontem apresentado não difere muito, em termos estruturais, das 56 habitações que já ali existiam e que foram objecto, agora, de uma intervenção que melhorou o isolamento das casas, com a construção de uma parede exterior e a substituição das caixilharias. A principal diferença, salientou Siza Vieira, diz respeito à "execução impecável" dos novos fogos e ao mobiliário desenhado pelo arquitecto que ontem recheava o apartamento de dois pisos. "Esta cadeira é do salão de chá da Boa Nova, é mais antiga que o projecto da Bouça", gracejava Siza, sentado numa das peças por si desenhadas há mais de 40 anos.

Orçado em cerca de cinco milhões de euros, o empreendimento passará a contar, no final do ano, com um total de 128 fogos. Aos dois edifícios que a cidade se habituou a reconhecer como "o bairro do Siza Vieira" foram agora acrescentados quatro novos corpos, dois deles de estrutura semitriangular, e um parque de estacionamento subterrâneo. O local está já irreconhecível e António Madureira, arquitecto responsável pelo acompanhamento dos trabalhos, explicou ao PÚBLICO que foram apenas feitas pequenas modificações de pormenor em relação ao projecto original. "Este bairro vai trazer muita gente para visitá-lo, por ter como arquitecto um nome como o de Siza Vieira e também pela sua grande qualidade", sublinhou Teixeira Monteiro, presidente do INH.

"Em determinada altura não acreditei [que fosse possível concluir o projecto], parecia que não era possível", disse Siza Vieira aos jornalistas, declarando-se ainda "muito satisfeito" por ver, enfim, o bairro tornar-se realidade.

Uma das principais curiosidades do complexo reside, ao que o PÚBLICO apurou, no facto de as novas habitações terem sido adquiridas por uma camada social bastante diversa daquela que ocupa as habitações da primeira fase, mais jovem e qualificada, dado o desinteresse dos tradicionais cooperantes pela aquisição das novas casas. Um dado que contribuirá não apenas para o objectivo de estimular o "regresso à Baixa", ontem recordado pelo vice-presidente da Câmara do Porto, Paulo Morais, mas também, espera-se, para um reforço da auto-estima dos actuais moradores e para a melhoria da qualidade de vida naquele local.

O presidente da Cooperativa das Águas Férreas e da Federação Nacional das Cooperativas de Habitação, Guilherme Vilaverde, reconheceu, aliás, a existência de problemas na resolução de alguns casos sociais mais complicados entre os moradores das casas da primeira fase, mas mostrou-se confiante de que os engulhos serão ultrapassados sem que ninguém fique nas habitações "de borla". »



12.3.14

Ordem Terceira do Carmo

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Houve, há cerca de um ano, notícias que as finanças da Ordem não andavam bem. 
Também houve pessoal da Ordem que começou a abandonar o barco porque não se pode viver sem receber salário.
Depois foram uns zunzuns que me chegaram a dizer que o Cemitério da Ordem em Agramonte estava em decadência.
Depois foi a D. Tininha que me disse que já não havia mais idosos nem vitalícios no edifício de Carlos Alberto.
O hospital tinha deixado de ter doentes, cirurgias e mesmo consultas.
A Ordem estava desordenada!
Já não é: "Salvé, salvé Ordem do Carmo". Agora é mais: "Já não é"!

Há dias, andava por aqueles lados e resolvi registar algumas imagens.

Procurei mais alguns dados na internet e apercebi-me que o próprio "site" já tinha desaparecido!

Má gestão? Como, quando e porquê?

E o que acontecerá ao património?

Aqui ficam as perguntas. As respostas talvez nunca as teremos.

Para quem desejar saber um pouco mais sobre a Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo pode consultar o livro de Júlio Couto sobre a Praça Carlos Alberto (ainda há semanas havia alguns exemplares disponíveis na livraria Vieira).



11.3.14

Rua de Cedofeita - 2014

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Depois de muitoa anos em que a rua parecia parada no tempo, apesar da crise, a rua parece reganhar uma nova vida.


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Assim vai a inovação. A rua essencialmente comerciante também é invadida pelas novas tecnologias. Quem disse que não há fumo sem fogo? Parece que já se pode fumar sem se acender um cigarro!


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A placa assinala que este prédio foi a residência de Carolina Michaelis. Há meses que sofre obras de renovação. Segundo o que dizem alguns vizinhos, brevemente será transformada numa pensão.

Sabia que antes de ocupar os locais da Ramada Alta, em 1951, o liceu Carolina Michaelis situava-se ao cimo da rua do Mirante num edifício hoje integrado na Faculdade de Direito? Este liceu chegou a funcionar, anteriormente, no prédio da rua de Cedofeita nº 411.  



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Não sei se a porta é tão antiga como a casa. Mas a casa é uma das mais antigas desta rua.


7.3.14

Arquitecto José Carlos Loureiro

Palácio de Cristal

(Teodósio Dias, 2005)


Fui buscar esta foto ao baú para ilustrar um artigo sobre o arquiteto José Carlos Loureiro da autoria de Ricardo Figueiredo, parcialmente publicado no Tripeiro de 2014 e totalmente divulgado no seu blogue " Do Porto e não só ".


Como não pedi autorização de publicação ao seu autor só aqui reproduzo uma parte do artigo que tem uma continuação no "blogue"


JOSÉ CARLOS LOUREIRO

A serena e honesta prática do ofício de arquitecto


« ... Nas suas obras, José Carlos Loureiro encarou sempre a solidez, a durabilidade e a relativamente fácil manutenção das suas obras como uma das suas dimensões fundamentais da Arquitectura, executadas com a responsabilidade e o brio de um operário procurando construir obra asseada e trabalho bem feito. Por isso, mesmo as mais antigas permanecem modernas e actuais e sempre em bom estado de conservação.

O segundo aspecto, essa modernidade tranquila e discreta, que se não pode dissociar do domínio dos materiais e técnicas construtivas, manifesta-se por um permanente olhar atento à evolução da cultura arquitectónica, aos caminhos, às transformações e às deambulações da arquitectura portuguesa e internacional, na segunda metade do século XX. Essa modernidade, essa “relação perfeita da Arquitectura com a Vida” [9] é sempre, prudente e pensadamente introduzida nas suas obras de uma forma subtil, tranquila e discreta, com soluções que quando necessário, se vão actualizando, mas sempre tendo por horizonte o quotidiano, o dia-a-dia, de quem as habita ou as usa ou apenas de quem, atenta ou distraidamente, por elas passa ou visita. Mas não se pense que isso represente uma forma frívola de se salientar ou de aceitar irreflectidamente as inovações.

Como repetidamente afirma, a “arquitectura não pode ser nem para a fotografia, nem só para a satisfação do ego de cada um. A arquitectura é um serviço.” [10]

São estes dois princípios, estas duas componentes essências da sua maneira de encarar e realizar a Arquitectura, que numa pequena viagem, pela sua extensa obra, se procura assinalar de uma forma forçosamente impressionista e incompleta.

Na economia deste texto não é possível a tão e enriquecedora análise que a sua obra, toda a sua obra, de há muito tempo merece. Obra que pela sua qualidade arquitectónica e construtiva, aliada à sua irrepreensível personalidade, sabendo ouvir e compreender, mas sabendo também argumentar e convencer, consolidou o seu prestígio pessoal e profissional, gerando a admiração entre os colegas de profissão, e criou uma sólida confiança junto dos promotores públicos e privados, que permitiu, sem mediatismos, que o seu gabinete se tivesse tornado um dos mais procurados da cidade do Porto e do Norte do País.

Das suas obras, destaco em primeiro lugar duas que, apesar da sua relativa pequena dimensão, melhor traduzem o pensar e o fazer de J. Carlos Loureiro: a sua casa própria em Gondomar [11], a sua mais privada e primeira obra, primeira no sentido cronológico e primeira - diria eu - no sentido fundador da sua prática da arquitectura, e o alpendre da Capelinha das Aparições em Fátima, provavelmente a sua mais importante obra e certamente a mais visitada e vivida de Portugal. [12]

J. Carlos Loureiro considera a sua casa própria, com a emoção de quem sabe que “… a casa é o nosso canto no mundo.” [13] Ainda antes da publicação e da difusão, entre nós, das reflexões de Gaston Bachelard sobre a casa habitada, sobre a casa como um espaço doméstico, sobre a casa como abrigo poético e protector, Loureiro cria, para si e para a sua família, nas suas próprias palavras, espaços de um confortável intimismo. A partir desta casa - amorosamente habitada - fundamentará a Arquitectura como uma topofilia, uma elaboração de espaços felizes, procurando propiciar aos seus utentes um conforto não apenas técnico, mas sobretudo psicológico e espiritual, consolidando a sua Arquitectura como estando sempre ao serviço da pessoa humana.

Assim escreve: “Vivo na convicção, ainda hoje muito presente, de que a Arquitectura se deve fazer para as pessoas comuns, para seres humanos nas suas horas de alegria ou de sofrimento, para o seu conforto físico mas igualmente para emoção dada pelos espaços, pela luz, pela cor, pela textura dos materiais.” [14]

E nesta casa própria, que será a casa de uma vida, a casa da sua vida, propõe já a moderna ideia da casa evolutiva, a casa como uma concha, sabendo que “a casa que cresce na medida exata do seu hóspede é uma maravilha do Universo.” [15]

Esta Casa “de sonos e silêncios tão longos e de alegrias ruidosas e pães cheirosos”, esta “casa onde se dorme para se renascer”, esta “casa onde a pobreza resplende de fartura e onde a liberdade ri segura”, [16], a Casa concebida como um espaço habitado, um espaço vivido por pessoas concretas, estender-se-á por todas as suas obras e obviamente pelas casas posteriormente realizadas, algumas na vizinhança da casa primeira. [17]

Destas “casas que são um poema para dar a um amigo” [18] destaca-se a Casa Júlio Resende de 1962, que nas palavras do próprio arquitecto “…quisemos que (…) brotasse do solo como se nascida no meio das árvores, acompanhando com naturalidade o declive do terreno. Construída no material telúrico por excelência que é a pedra aparente, desenvolve-se em espaços dinâmicos a que a luz, a madeira e o tijolo aparente conferem intimismo e uma grande doçura.” [19]

A outra obra destacada é o Alpendre da Capelinha das Aparições, um dos contributos de J. Carlos Loureiro, para a renovação da arquitectura religiosa, inserida numa sua mais vasta intervenção no Santuário de Fátima.[20] Ao projectar um conjunto de edifícios, o Centro Pastoral Paulo VI, a Casa de Nossa Senhora do Carmo e a Casa de Nossa Senhora das Dores, que com a Basílica de N. Sr.ª do Rosário definem uma cruz no enorme terreiro, impunha-se tornar a Capelinha das Aparições o principal elemento e o centro para onde convergem todas as atenções, já que é a razão de ser de todo o recinto do Santuário de Fátima.

A intervenção de J. Carlos Loureiro, na valorização da Capelinha, foi provavelmente um dos desafios mais complexos e mais difíceis que teve de enfrentar, já que toca as mais sagradas e mais sensíveis convicções dos inúmeros peregrinos que para aí se deslocam. Para, além desta difícil condicionante era necessário substituir o velho alpendre que abrigava os peregrinos e protegia a Capelinha, de modo a torna-lo “confortável dentro dos limites de uma construção semi-aberta, ter boas condições acústicas, boa visibilidade durante os actos litúrgicos e ser um objecto de evidente e assumida modernidade.” [21]

Para responder a estas condicionantes, José Carlos Loureiro projectou um moderno abrigo, inspirado na ideia de um pálio processional, cuja planta é um simbólico quadrado com 30 metros de lado e cuja cobertura com uma estrutura metálica é forrada no interior por um tecto em madeira de pinho. Ao centro da cobertura, uma abertura superior de forma quadrada ilumina zenitalmente o altar já que “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes”, (Tiago 1.17). Junto ao altar está colocada a imagem de Nossa Senhora, num pedestal que pela sua posição e pela sua forma evoca a Azinheira das Aparições.

A cobertura apoia-se em quatro pilares alongados, orientados nas diagonais segundo os pontos cardeais, e que apontam para os quatro caminhos do mundo, para onde e de onde partem os peregrinos que o santuário acolhe. O espaço do alpendre é limitado em três lados por discretos envidraçados, que permitem quando corridos proteger a capelinha e os peregrinos em dias mais frios ou mais chuvosos. Criando um pano de fundo no lado poente, onde se situam os equipamentos anexos, um pequeno jardim de arbustos envolve a simbólica Azinheira Grande, a única que resistiu desde o tempo das aparições e hoje classificada de interesse público.

A moderna e discreta arquitectura do alpendre, “a esbelteza duma estrutura construtiva e espacial cuidadosa e muito rigorosamente desenhada” [22], para além da sua funcionalidade e do seu simbolismo, realça o sítio das Aparições como o lugar original e mais sagrado, o verdadeiro coração do Santuário. [23]

Para além destas duas obras, lancemos um olhar, sobre algumas das suas intervenções numa breve viagem pela sua extensa obra, que para além das moradias e dos edifícios religiosos, se diversifica por edifícios residenciais e de escritórios, urbanizações, torres, edifícios industriais, unidades hoteleiras, edifícios universitários, equipamentos culturais, recuperações de edifícios e espaços públicos, sempre acompanhando ou introduzindo e algumas vezes mesmo antecipando, conformações modernas e contemporâneas, e sempre com uma sábia e segura utilização dos materiais e das tecnologias construtivas.

Ainda no início da sua actividade de arquitecto, J. C. Loureiro é convidado a projectar, o Pavilhão dos Desportos (Rosa Mota), tendo como pretexto o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins de 1952, o primeiro grande pavilhão desportivo construído em Portugal. [24]

Foi nesta época que se projectaram e edificaram muitas das barragens, pontes e estádios de futebol, obras que fizeram naturalmente surgir apetrechados gabinetes para os projectos e os cálculos do betão armado. O Pavilhão, implicando a demolição do edifício do Palácio de Cristal, [25] e projectado com a qualificada colaboração dos engenheiros António Soares e Jorge Delgado, inova na exploração das potencialidades do betão armado e dos seus valores plásticos, criando uma estrutura facilmente compreensível nas suas linhas de tensão construtiva enfatizando, pela sua forma simples, a importância da cobertura. [26]

Sendo na época considerado como uma obra emblemática da modernidade do Porto e do País, não é de desprezar a decisiva influência que teve em largas camadas da população, na habituação à "estética" do betão aparente e mesmo à leitura fácil da sua estrutura.

Embora não tenha participado no Inquérito à Arquitectura Popular, ao projectar a Pousada de S. Bartolomeu em Bragança, uma obra integrada num conjunto de equipamentos hoteleiros de iniciativa do Estado com que este procurava desenvolver o turismo no interior do país, J. Carlos Loureiro antecipa e reforça muitas das conclusões daquele documento tão importante para a arquitectura portuguesa.

A Pousada evidencia a importância que o lugar tem para a conformação e o enraizamento da obra, bem como a sua adaptação ao terreno e à sua forma; aplica materiais locais, pedra e madeira, numa simbiose com materiais e tecnologias modernas; afirma o sentido de sobriedade e de equilíbrio utilitário, de uma empírica economia de meios materiais e técnicos que, fruto do seu uso ao longo de gerações em “ lições aprendidas arduamente através dos tempos” [27] impõe que as inovações devem resultar de fortes e fundamentadas razões sempre controladas e testadas; e finalmente que os espaços criados, para além da sua funcionalidade devem ter um conforto radicado mais em razões psicológicas e culturais do que em quaisquer virtuosismos tecnológicos.

Ao projectar a Pousada de Bragança, onde na expressão arquitectónica e segundo o próprio autor, foi necessário contrariar os “preconceitos e os estereótipos impostos pelo regime”, o edifício implantado numa acentuada vertente, valoriza a relação com a paisagem e sobretudo com a cidade histórica, abrindo-se “nos seus espaços mais importantes à esplendorosa paisagem do Castelo e sua envolvente.” [28]

Também ao projectar a Central Térmica da Tapada do Outeiro, J. Carlos Loureiro inova na concepção da arquitectura industrial, num período em que poucos e raros arquitectos se preocupavam e valorizavam este tipo de edifícios. Questionando-se sobre o modo de humanizar esses edifícios industriais: “ porque se não havia de tornar a fábrica mais humana, porque não poderiam os homens que aí trabalham sentir que não são apenas peças da grande máquina?” [29] procura realizar uma moderna arquitectura industrial que, sem perder a sua função utilitária, se humanize ao serviço dos que aí trabalham.

Assim projecta um edifício debruçado sobre o rio Douro, composto de três corpos em escada, ligados por passadiços metálicos e onde uma legível estrutura de betão se combina com o tijolo aparente. No corpo mais baixo, abre-se um amplo rasgamento onde os brise-soleil orientáveis controlam a luz e o ambiente interior. A poente, e funcionado como marcação da entrada e simultaneamente como acesso aos diversos pisos, ergue-se um grande envidraçado, contrastando com o tijolo aparente, e no interior do qual é visível a escada como elemento funcional e escultórico da composição, antecipando de certo modo as obras de James Stirling criadas noutro contexto. [30]

Essa humanização da arquitectura é ainda enfatizada pela sua integração na paisagem, com o respeito pela arborização existente e novas plantações, podendo o arquitecto afirmar que hoje a Central “lá está rodeada e preenchida, nos espaços intersticiais entre as construções, por densa massa arbórea na continuidade da bela margem do Rio Douro.” [31] Mantendo sempre estas preocupações J. Carlos Loureiro irá ainda projectar outros edifícios directa ou indirectamente ligados à arquitectura industrial. [32]

Na tipologia dos Blocos de Habitação, emerge em primeiro lugar o Edifício Parnaso. [33]

Este edifício, uma das obras mais conhecidas de J. Carlos Loureiro e sobre o qual já muito se escreveu, introduz um conjunto de inovações no programa dos arquitectos da ODAM (Organização dos Arquitectos Modernos), de que J. Carlos Loureiro é fundador. Essa organização essencialmente lutava por uma nova arquitectura e pelos princípios do Movimento Moderno, influenciados pelas obras da prestigiada figura de Le Corbusier. [34]

Saliente-se a implantação, que contrariando a proposta pela Câmara do Porto, insere o Bloco e a Escola num espaço de jardim rebaixado, a utilização nas fachadas do tijolo amarelado e aparente e a bem marcada passerelle suspensa que sinaliza a entrada do edifício. A caixa de escada com um envidraçado vertical, que acentua a relação interior-exterior e a sua funcionalidade, distribui por galerias o acesso aos apartamentos dos diversos pisos. De notar nestas galerias a novidade da utilização de guardas em vidro, hoje tanto difundidas. Mas, a principal inovação é, contrariando os que radicalmente rompiam com a cidade histórica, a procura da integração na envolvente, criando um conjunto de pequenos corpos em espinha que estabelecem a ligação às construções existentes na Rua Oliveira Monteiro, com uma “mudança de escala [realizada] de uma forma dinâmica e rigorosa, graças às formas geométricas do gaveto.” [35]

A partir de então esta exigência de articulação com as existências ambientais, traduzidas inicialmente por esta relação com os edifícios adjacentes irá, alargar-se como conceito, até se tornar uma problemática fundamental da cultura arquitectónica e das preocupações projectuais dos arquitectos do Porto, abrindo o caminho para posteriores experiências e operações de contextualização.

A experiência adquirida com o Parnaso permitirá ao arquitecto a realização de outros edifícios residenciais, necessariamente com outros tempos e contextos. [36]

Ainda na área da Habitação Colectiva, J. Carlos Loureiro vai introduzir também um conjunto de inovações na urbanização que projectou para o Campo do Luso e do Lima no final da década de 50. [37] Estas inovações assumem particular importância na cidade do Porto, quando na década de 60, os conteúdos político- sociais do Movimento Moderno e da Carta de Atenas, que correspondiam a símbolos claros de afirmação social, politicamente empenhada e esteticamente avançada, começam a sofrer uma progressiva perda de significado. Apropriados por uma arquitectura consumista e especulativa, assistiu-se à banalização e adulteração dos seus princípios teóricos, funcionais e tecnológicos e, soluções como as baterias de blocos, os acessos em galeria e as coberturas em terraço, o uso do betão aparente e das caixilharias metálicas, e no interior dos edifícios a redução das áreas, a sala-comum e a cozinha-laboratório, tornaram-se de uso corrente, numa banalização a que, no Porto, não é alheia a construção dos Bairros Camarários do Plano de Melhoramentos então lançado.

É neste contexto que se insere o projecto de J. Carlos Loureiro, que na sua implantação, de novo contrariando e criticando a tradicional proposta camarária de edifício-ao-longo-da-rua, cria - aproveitando o espaço intercalar entre o conjunto de dois blocos e duas torres de habitação [38] - uma inovadora e ampla praceta, articulando a solução num, “vasto espaço no qual os moradores dialogassem entre si, com as árvores, com a luz e o sol que elas filtram e onde as crianças possam brincar.” [39]

Esta praceta, rebaixada mas aberta para a rua, e onde a nascente se abre uma galeria, foi arborizada conferindo ao conjunto um ambiente de uma "unidade de vizinhança", aproximando-se de soluções então postas em prática nos países nórdicos.

J. Carlos Loureiro seguindo a experiência adquirida neste projecto, vai realizar mais tarde outros conjuntos residenciais, adaptando-as a outros lugares como no Bairro do Liceu em Aveiro onde sublinha a tradição da construção local utilizando a telha e o tijolo aparente, conferindo “cor, textura e durabilidade aos edifícios dando corpo a uma implantação e a agradáveis espaços exteriores ajardinados, propostos pelo plano de pormenor” [40] e a outros tempos como o Conjunto Mota e Galiza no Porto de 1988, onde a implantação dos edifícios cria um jardim aberto para a rua Júlio Dinis e para a praça da Galiza.

A partir da década de 60 e prolongando-se até ao período correspondente ao Marcelismo, e apesar da guerra colonial e da emigração, há um forte movimento de centralização e concentração de capitais e de especulação em Bolsa, dotando os grupos económicos de elevados meios financeiros que irão, em parte, ser utilizados na construção de grandes sedes de bancos e companhias, bem como no aumento da especulação com a habitação de nível elevado e de operações turísticas de forte dimensão.

Criou-se um artificial clima de euforia económica, marcado por triunfalistas e ostentatórios projectos de edifícios de "marca", onde a expressão arquitectónica devia conformar e publicitar significados de êxito e prestígio económico, clima que terminou com a crise energética mundial e, em Portugal com o 25 de Abril.

Este período foi ainda marcado pelo aparecimento na cidade do Porto dos primeiros edifícios-torre, e J. Carlos Loureiro é solicitado a projectar o Hotel Infante D. Henrique, um edifício de 18 andares, que se ergue num recinto organizado por um conjunto de edifícios de escritórios no arranque da rua do Bolhão. A torre destaca-se nesta tipologia, pela forma cuidadosa como foi projectada e desenhada “modelando plasticamente o edifício, quasi como se fosse uma grande escultura no skyline da cidade, com remate relativamente complexo do seu topo superior, [41] numa solução aparentada com a Torre Price de Frank Lloyd Wright em Oklahoma nos Estados Unidos. [42]


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