24.12.14

Como celebrar o abandono?

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22.12.14

Rua Trindade Coelho (2014)

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Pode comparar com o que já foi publicado aqui.



Nota biográfica do mais conhecido escritor mogadourense:

"José Francisco Coelho (que só mais tarde, já em Coimbra, começaria a assinar trabalhos jornalísticos com o apelido do pai, Trindade) nasceu em 18 de Junho de 1861, em Mogadouro, numa casa em cujos baixos seu pai tinha uma loja comercial e ficava próxima do Convento de São Francisco − mais exactamente, do outro lado da rua.

A sua escolaridade iniciou-se na escola régia de Mogadouro, em 1868, e prosseguiu no ano seguinte em Travanca, aldeia do mesmo concelho, a cerca de 15 km da sede, com o professor régio, em cuja casa se hospedou, juntamente com o irmão Abílio, também estudante. A morte da mãe, entretanto ocorrida, obrigou ao regresso dos dois irmãos a Mogadouro, onde frequentam então as aulas de latim de dois padres que “não saberiam 
talvez muito latim, mas davam-nos muitas palmatoadas”.

Em 1873 Trindade Coelho vai para o Porto prosseguir os estudos, no Colégio São Carlos, que ficava na Rua Fernandes Tomás. Foi um estudante algo rebelde. No Porto viu pela primeira vez um artigo seu (“Cepticismo”) impresso num jornal, o que constituiu a sua iniciação na actividade jornalística, que exercerá intensamente pela vida fora. É também no 
Porto que escreve os primeiros trabalhos de índole propriamente literária (os contos “O Enjeitado”, que só sairia a lume em 2001, pela mão de José Viale Moutinho, e “Trovoada”).

Em 1880 encontramo-lo em Coimbra a estudar Direito. Mas logo nesse primeiro ano se entrega à sua paixão pelo jornalismo, colaborando em diversos jornais e inclusivamente fundando outros, e à boémia estudantil, de tal modo que não conseguiu passar de ano. Este facto levou o pai a cortar-lhe a mesada no ano seguinte, pelo que teve de assegurar a sua subsistência com a pena. No 4º ano, já casado e com um filho, morre-lhe o pai, que era o único amparo de que dispunha. A sua vida decorre com grandes dificuldades, que pouco se alteram quando, por influência directa de Camilo Castelo Branco, é feito delegado do procurador régio no Sabugal. De facto, a penúria de recursos acompanhá-lo-á até ao termo 
dos seus dias, constituindo uma causa de amargura que poderá ter tido também o seu peso no desfecho final.

De Sabugal passa a Portalegre, e daí a Ovar, acumulando experiência e conhecimento dos homens e, ao mesmo tempo, um sentimento de repulsa pelas injustiças e pelos golpes de baixa política que ia testemunhando e dos quais procurava manter-se afastado, por imperativo ético, já que procurou sempre ser um magistrado íntegro e apostado em repor a justiça onde ela não tivesse sido feita.

O próximo passo da sua carreira foi o lugar – que ele próprio classifica de antipático – de velar pelo cumprimento da chamada “Lei da Rolha”, imposta à imprensa na sequência do Ultimato Inglês. Ainda em Lisboa, passa para um tribunal fiscal; depois é transferido para Sintra; e finalmente, em Novembro de 1895, é colocado como delegado do procurador régio da 3ª Vara do 2º Distrito de Lisboa, cargo de que pede a demissão em 1907, durante a ditadura de João Franco, voltando a sentir por esse facto grandes dificuldades económicas, que precipitaram a sua morte.

Apesar de ser “alegre como uma romaria” e “pequenino mas tesinho”, no dizer de Eugénio de Castro, Trindade Coelho era sujeito a ataques de neurastenia que o fragilizavam. A sua desilusão com a política e com a justiça, bem como o espectro da pobreza sua e dos seus (mulher e filho), amarguram-no. Foi na sequência de um desses momentos de desespero que se suicidou em Lisboa, em 9 de Agosto de 1908.

Ao longo de toda a sua vida Trindade Coelho vai escrevendo e publicando com notável regularidade.

A sua obra-prima, Os Meus Amores, sai em 1891. O segundo livro mais conhecido, In Illo Tempore, uma espécie de livro de memórias da vida estudantil de Coimbra, sai em 1902. 

Mas uma parte importante da sua obra é constituída por opúsculos de carácter jurídico, doutrinário, cívico e pedagógico, quando não de sátira às chicanas políticas da época, como A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro, em que faz “num estilo alegre de estudante, a autópsia dos ‘costumes políticos em Portugal’”. A educação do povo merece-lhe uma série de folhetos. Em 1902 escreve uma Autobiografia, dedicada a uma amiga de Hamburgo, Louise Ey. É um texto ameno e geralmente tido por fiável, que nos dá pistas para a compreensão tanto da sua vida como do seu carácter e também da sua obra. Só seria publicada em livro em 1910, num volume que incluía também alguma epistolografia, mas passaria a integrar Os Meus Amores a partir da 9ª edição.

Literariamente, Trindade Coelho pertence ao grupo de cultores do chamado conto rústico, de muita tradição na Literatura Portuguesa do séc. XIX e ainda no séc. XX. O seu protótipo em Portugal é O Pároco da Aldeia, de Alexandre Herculano. Júlio Dinis, Fialho de Almeida, Teixeira de Queirós, Rodrigo Paganino, Pedro Ivo são alguns dos mais conhecidos e apreciados cultores no séc. XIX desta ficção de matriz rural, que se impõe no nosso país um pouco em reacção contra os excessos do positivismo filosófico, idealizando e poetizando a vida tranquila do campo como alternativa à vida desumana e desumanizadora das grandes cidades.

O seu livro mais conhecido e também o mais conseguido, Os Meus Amores, é uma daquelas obras que conquistam e conservam os favores do público. Passados 105 anos sobre a primeira edição, continua a editar-se e a ler-se. Claro que a principal razão é a sua qualidade intrínseca. Trata-se na verdade de uma colectânea de contos de uma frescura e ausência de artificialismos sem paralelo na Literatura Portuguesa. Constituem um conjunto de evocações e quadros descritos com espontaneidade e simplicidade, compreensível a todos. Um toque de suave lirismo reforça-lhes o encanto e uma utilização da linguagem popular, em diálogos vivos, confere-lhe algum realismo. Alguns desses textos nem chegam a ser verdadeiros contos, faltando-lhes a acção (um pouco à maneira do que acontece nos contos do russo Anton Tchekov). Mas a todos sobra a emoção e o envolvimento afectivo do autor, que induz facilmente a empatia do leitor. É assim uma obra sui generis, com um cunho de originalidade que a diferencia de obras congéneres. O próprio Trindade Coelho se interroga e responde: “Mas então o que são os meus contos?! Não sei. Talvez saudades; e tenho a certeza de que se vivesse na minha terra (…) não os teria feito…”



* * *



As obras de Trindade Coelho não são muito férteis no que toca a referências a Vila Real. Mas algumas surgem, seja à terra propriamente dita, seja a jornais nela editados (A Folha de Villa Real e O Echo), seja a personalidades com ela relacionadas.

Por exemplo, a Camilo Castelo Branco, que sabemos pelo próprio Trindade Coelho (in Autobiografia) ter sido quem interferiu junto do ministro, muito provavelmente o da Justiça, Lopo Vaz de Sampaio e Melo, para que Trindade Coelho fosse despachado delegado do procurador régio no Sabugal, seu primeiro emprego. (Com Camilo, há aliás um outro ponto de contacto com Trindade Coelho: o remate que ambos puseram à existência.) A Lopo Vaz, vulto notável da política regeneradora, académico em Vila Real e notável colaborador da imprensa vila-realense, se refere Trindade Coelho na Autobiografia e em A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro (Costumes Políticos em Portugal), onde lembra a tentativa do ministro da Justiça para o convencer a aceitar ser deputado por Portalegre. Há também referências aos dois sobrinhos de Camilo, António e José de Azevedo Castelo Branco, destacados políticos regeneradores, nascidos em Vila Real, evocados em A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro e no livro de memórias de Coimbra, In Illo Tempore, onde são igualmente lembrados António Claro, uma das figuras do 31 de Janeiro, e José Pinto de Mesquita Gouveia, natural de Ervedosa do Douro, São João da Pesqueira, que Trindade Coelho define como «um dos académicos mais pândegos que têm andado em Coimbra», que veio a ser governador civil de Vila Real durante mais de dois anos e meio, após a morte em funções do Dr. António Tibúrcio Pinto Carneiro.

O nº 4 dos seus Folhetos para o Povo intitula-se Loas à cidade de Bragança, para que não dê o seu mando senão aos seus filhos, exortando esta cidade a que não se submeta a Vila Real.

O próprio Trindade Coelho reproduz o texto que integrará esse folheto, precedido de uma breve explicação, na nota G, que se reproduz em apêndice, de A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro. Nessa obra alude a um episódio eleitoral em que se vê envolvido contra vontade no distrito de Bragança, onde o Partido Regenerador pretendia colocar à frente da sua chefia política António Teixeira de Sousa – natural do distrito de Vila Real, à época ministro da Marinha e Ultramar, que havia sido governador civil de Bragança e viria a ser por duas vezes ministro da Fazenda e também presidente do último ministério da Monarquia. 

Trindade Coelho coloca-se do lado dos que defendiam no Jornal de Mirandella, de 10 de Novembro de 1900, que em Bragança se deve fazer política «com os seus vizinhos (vizinhos da porta: o contrário de vila-realenses) e nunca com os adventícios [inimigos da sua terra] (os tais marinheiros do couraçado ‘Aléu’ …)», numa referência transparente (embora alegadamente impessoal) à função ministerial de Teixeira de Sousa, à sua naturalidade e ao brasão de Vila Real."

Publicado no Grémio Literário Vila-Realense



16.12.14

Avenida Fontes Pereira de Melo

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Um desabafo e uma biografia


1. O desabafo:

Espectáculo quase quotidiano diante da entrada do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes) do Porto. Este Instituto Público está sob a tutela do Ministro da Economia.

Naquela manhã, pouco depois das nove da manhã havia já uma fila com mais do que 50 pessoas.

Pelos vistos a carência de recursos humanos não permite o atendimento de todos os cidadãos que necessitam de tratar de documentação ou relativa a veículos ou relativa a cartas de condução.

Que serviço público é este que exige que o cidadão cumpra a legislação quando não põe à disposição meios para ele o fazer?



2. A biografia:

António Maria de Fontes Pereira de Melo 


Fidalgo da Casa Real, do conselho de Sua Majestade e do conselho de Estado, chefe do partido regenerador, ministro e secretário de Estado em diversas épocas, deputado, etc.

Nasceu em Lisboa a 8 de Setembro de 1819, onde também faleceu a 22 de Janeiro de 1887. Era filho do conselheiro João Fontes Pereira de Melo, ministro de Estado honorário, e de D. Jacinta Venância Rosa da Cunha Matos.

Aos 13 anos de idade assentou praça na armada e foi estudar na Academia dos Guardas Marinhas. Dois meses depois recebia o seu baptismo de fogo, porque, apesar da sua tenra idade, ia combater nas linhas de Lisboa. D. Miguel concentrava contra a capital todos os seus meios de ataque, e Lisboa não estava ainda suficientemente preparada para a defesa. O enérgico almirante Napier contribuiu para a resistência com todos os recursos da sua marinha. Até mandou os jovens cadetes navais, e Fontes ouviu pela primeira vez zunir as balas no combate de 10 de Outubro, em que Bourmont foi repelido pelos constitucionais. Cumprido esse dever para com a pátria, Fontes voltou para a Academia dos Guardas Marinhas e frequentou o 1.º ano em que foi premiado, o 2.º em que também obteve prémio, foi em férias fazer uma viagem de instrução aos Açores a bordo do brigue Faial comandado por Cecília Kol. No 3 ano, em que não havia prémios, foi aprovado com distinção, mas recebeu no seu curso um prémio verdadeiramente excepcional. Esse prémio fora instituído em 1805 para recompensar o mérito relevantíssimo. Em trinta anos só três alunos o tinham obtido. O primeiro fora o pai de Fontes, do segundo não sabemos o nome, o terceiro foi Pereira de Mello. Tendo acabado assim o seu curso brilhante, desejou estudar mais e matriculou-se voluntariamente na Academia de Fortificação. As reformas do ensino de 1836 transformaram a Academia de Fortificação em Escola do Exercito, e Fontes viu-se conduzido assim a estudar o curso de engenharia em que foi distintíssimo, tendo passado para essa arma, onde foi promovido a tenente em 1839. Nesse mesmo ano foi seu pai nomeado governador de Cabo Verde, Fontes acompanhou-o como seu ajudante, e desenvolveu na província a actividade febril que sempre o caracterizou, visitou todas as ilhas de Cabo Verde, o distrito da Guiné, levantou plantas, e incitou seu pai a que desenvolvesse o mais que pudesse as obras publicas da província. Para esse fim e para muitos outros relativos ao desenvolvimento económico de Cabo Verde escreveu um grande número de relatórios. Nas obras públicas que se principiaram a empreender colaborou como engenheiro, sendo uma das obras em que trabalhou o hospital da Misericórdia da Praia. Em 1843 terminava João Fontes o seu governo e voltava seu filho ao reino, mas acompanhado por sua mulher, porque o moço oficial de vinte e um anos apaixonara-se por uma galante senhora cabo-verdiana, D. Maria Josefa de Sousa, filha do negociante Sousa Machado, e desposara-la. Pouco tempo depois de chegarem a Lisboa, quando Fontes estava casado havia pouco mais de um ano, enviuvou, e, pouco depois de perder sua mulher, perdeu também uma filhinha, que era o único fruto desse matrimónio. Fontes teve com esses golpes um desgosto tão profundo que abandonou o estudo da astronomia a que se fora entregar por simples gosto, e esteve quase um ano sem sair de casa. O que o arrancou do abatimento em que caíra foi a guerra.

As lutas civis que dilaceravam Portugal, mesmo depois de triunfar a liberdade, tinham chegado ao seu período crítico. Rebentara a formidável insurreição de 1846, e o duque de Saldanha era encarregado de ir ao encontro das tropas revolucionárias. Figurava no seu estado-maior o jovem tenente de engenheiros, que o duque estimava muito porque era amigo particular e político do pai. Mas logo percebeu que o rapaz não precisava de recomendação do nome de seu pai para conquistar a sua benevolência. Era um dos seus melhores oficiais, e tanto o duque assim o reconheceu que o encarregou, antes da acção de Torres Vedras, de fazer um reconhecimento a galope do campo de batalha. Estas missões não se confiam senão a oficiais em cuja aptidão profissional se tem plena confiança. Do seu trabalho pode depender a sorte da batalha, e um general em chefe que tem de zelar a sua reputação o de juntar na mão todos os trunfos, não se, vão arriscar por mera complacência ou por empenho, a trabalhar sobre uma planta erra da. Ora Fontes desempenhou se da sua missão com bravura e com extremo acerto. O marechal tanto o reconhecia, que não só lhe pôs ao peito ele próprio a cruz da Torre e Espada, mas tempos depois dizia oficialmente que a vitória de Torres Vedras se devia em parte ao jovem oficial, porque o excelente reconhecimento que fizera servira de muito ao general para a escolha e estudo das posições. Pouco depois entrava seu pai no ministério, ministério que pouco durou, e que foi logo substituído pelo marechal Saldanha; mas entretanto presidira às eleições, e o jovem tenente foi eleito deputado por Cabo Verde, onde tinha não só as simpatias que pessoalmente inspirara, mas a grande influencia politica da família de seu sogro. Não foi, contudo, com facilidade que Fontes entrou na câmara. A eleição correra excelentemente e sem a mínima irregularidade. A candidatura de Fontes era simpática ao governo, e contudo, sendo apresentado o seu diploma pelo deputado Sá Vargas no dia 22 de Março de 1848, no dia 31 a comissão apresentava o seu parecer rejeitando-o e anulando a eleição. Era relator D. José de Lacerda. Explica se isto por um motivo muito simples. (quem dominava a situação, quem dava leis em grande parte à maioria, era o conde de Tomar. O ministério era um simples ministério de transição. Na comissão de verifica ao de poderes dominava principalmente o puro elemento cabralista. Como o parecer concluía pela rejeição do deputado dava o regimento da câmara a este o direito de se ir defender à barra. Foi, e fez uma estreia brilhantíssima. António José de Ávila, depois duque de Ávila, apoiou a sua causa, e como o deputado eleito mostrara triunfantemente que a comissão apreciara mal os documentos que lho tinham sido apresentados, António José de Ávila propôs que o parecer voltasse à comissão. A câmara acedeu. Era já uma meia vitória. Mas a comissão era teimosa, e poucos dias depois apresentava um parecer exactamente idêntico. Recomeçou a discussão, tornou Fontes a usar da palavra, que lhe dera logo enorme prestigio. Trata-se da votação, e a câmara rejeita o parecer por 48 votos contra 27. Em vista dessa votação, o presidente convidou a comissão a redigir um parecer conforme com a deliberação da assembleia. A comissão respondeu a isso demitindo-se. Travou-se novo combate, e alguns membros da comissão retiraram. as suas demissões. Três persistiram em as manter, e foram substituídos por António José de Ávila, José Lourenço da Luz e Augusto Xavier da Silva. Assim reconstituída, a comissão deu logo parecer favorável, que foi aprovado em seguida.

Fontes Pereira de Melo estava deputado. Logo Fontes mostrou o seu talento e as suas raras faculdades de trabalho. Na câmara e nas comissões defendeu estrenuamente o governo, mas este é que se não pôde sustentar por muito tempo. Pouco depois caía o ministério Saldanha, e voltou ao poder o conde de Tomar. Ia então começar o brilhante período oposicionista de Fontes. Em 1850 apresentou o ministério a lei conhecida pelo nome de lei das rolhas, que restringia a liberdade de imprensa; contra a qual se sublevou, pode dizer-se, o país inteiro. Foi o grande orador Fontes Pereira de, Melo o interprete mais eloquente desses sentimentos, e o brilhante discurso que pronunciou na câmara, acerca desse assunto, afirmou-o definitivamente, não só como um dos primeiros oradores da nossa tribuna politica e parlamentar, mas também como um dos homens destinados pela sociedade e elevação dos seus pensamentos a gerirem os negócios públicos. Em 1851 rebentava a insurreição contra o conde de Tomar, iniciada pelo duque de Saldanha e que logo encontrou eco em todo o país. Foi o movimento que depois tomou o nome de regeneração, e que triunfou com uma rapidez verdadeiramente assombrosa. O duque de Saldanha entrou em Lisboa no meio dos aplausos e das aclamações de todos, e tomava o poder das mãos do ministério de transição que se organizara logo em seguida à queda do conde de Tomar. No ministério que o duque formou entravam vários representantes do partido progressista nos seus diferentes matizes, mas nenhum deles verdadeiramente acentuado. Ferreira Pestana, Jervis de Atouguia, Joaquim Filipe de Soure e o marquês de Loulé. Não era esse ainda o ministério que o país desejava Nem satisfazia as aspirações dos radicais, que não viam nele os seus chefes mais exaltados, nem apresentava homens que pudessem satisfazer o grande desejo de reformas que o país desejava. Os homens que o país reclamava, e que iam imprimir à Regeneração o seu verdadeiro carácter, foram os dois que viram substituir no ministério do duque de Saldanha os que pouco se demoraram, que foram o marquês de Loulé, Joaquim Filipe de Soure e Ferreira Pestana.

Esses dois homens eram Rodrigo da Fonseca Magalhães e Fontes Pereira de Melo. Rodrigo da Fonseca trazia o grande princípio da tolerância. Havia tanto tempo que os partidos se debatiam no campo de batalha em lutas sanguinolentas, que estavam todos cansados e exaustos, e ansiosos por um regimes de paz, de sossego, que permitisse aos empregados públicos viverem tranquilamente sem se ocuparem com a politica, certos de que não perderiam o pão de suas famílias, tratando simplesmente do cumprimento das suas obrigações. A tolerância era o grande segredo da manutenção do governo. O sistema seguido até ali dividia o país em dois exércitos que se arremessavam constantemente um contra o outro para se desalojarem das alturas do poder. O partido triunfante era o que tinha os oficiais em activo serviço, os empregados públicos de posse dos seus lugares; o partido vencido tinha os oficiais na terceira secção, os funcionários desempregados, uns e outros por conseguinte famintos e ansiosos por se assenhorearem dos postos donde tinham sido expulsos. Nem havia governo duradouro com esse sistema, nem paz pública, nem o país podia ser capazmente servido. Rodrigo da Fonseca pôs termo a isso e deu logo ao país a tranquilidade, ao ministério a segurança. Fontes Pereira de Mello, partilhando completamente essas ideias, tinha ao mesmo tempo o pensamento de fazer reunir a ordem na administração, de fazer entrar o país no caminho dos grandes melhoramentos que lá por fora revolviam e transformavam os outros estados. Personalizava nessa organização ministerial o futuro com todas as suas ridentes promessas. Fontes Pereira de Mello não entrou desde logo para a pasta onde devia deixar o seu nome assinalado. Fez o seu tirocínio na pasta da marinha que fora gerida por seu pai. Esteve nela muito pouco tempo, mas foi o bastante para introduzir no serviço a seu cargo reformas de grande alcance. A mais importante foi a extinção do batalhão naval, que empalhava a manobra e introduzia nos navios um elemento inútil, a maior parte das vezes e por conseguinte prejudicial, e a criação do corpo de marinheiro. No ultramar, além de tomar com rapidez algumas medidas financeiras acertadas, criava o Conselho Ultramarino que tão altos serviços prestou à nossa organização colonial.

Mas entretanto o ministro da fazenda lutava com enormes embaraços. Se a tolerância de Rodrigo da Fonseca livrava de grandes embaraços o ministério, permanecia ainda o embaraço gravíssimo resultante do atraso de pagamentos, que lançara o funcionalismo a um tempo nas mãos dos agiotas e na miséria. Era necessário sair dessa situação, e nem Franzini, nem Silva Ferrão, que lhe sucedera, encontravam o modo de o fazer. Silva Ferrão desistira como desistira o seu antecessor. Foi então que o duque de Saldanha se lembrou de confiar essa pasta importante ao jovem colega. O sucesso foi completo. Fontes Pereira de Melo era duma energia de vontade incontrastável. Deliberou estabelecer daí por diante sem uma só falta o pagamento em dia aos funcionários. O dinheiro escasseava completamente, e o crédito só o alcançava Fontes pelo seu prestígio pessoal, pela confiança que inspirava, pelo magnetismo da sua energia. Entrava pela manhã cedo para o ministério da Fazenda, aí almoçava e jantava com uma frugalidade rara, e não levantava mão do trabalho. Os empregados ao receberem ordem para anunciarem para certos dias os pagamentos a diferentes classes, tremiam de susto, porque bem sabiam que estavam os cofres vazios. Ele ria-se dos seus terrores, e o dinheiro aparecia sempre. Costumados já a esses alívios momentâneos, a essas promessas constantemente desmentidas, a esses pagamentos mensais que não tinham continuação, os funcionários recebiam o que se lhes dava, imaginando sempre que no prazo imediato encontrariam fechada a porta da Pagadoria. Nunca mais isso sucedeu. Fontes surgira como um verdadeiro redentor. Salvando milhares de famílias da miséria, acrescentara ao mesmo tempo os rendimentos do Estado. Pagos em dia, os empregados trabalhavam com mais zelo. Os rendimentos das alfândegas subiram extraordinariamente de um dia para o outro. A primeira condição de regularidade financeira era exactamente a regularidade do pagamento dos empregados, como a primeira condição do enriquecimento do Tesouro Nacional tinha de ser o desenvolvimento da riqueza púbica. Foi isso que Fontes admiravelmente compreendeu. Não era só o ministro enérgico e reformador, que no seu gabinete delineava e executava as medidas salvadoras, era também o orador brilhante e intrépido, que sabia defende-las no parlamento, e que não recuava diante das tempestades que elas tinham forçosamente de levantar entre os interesses feridos. Esse restabelecimento da pontualidade no pagamento dos empregados não se pôde fazer sem se quebrarem bastantes obstáculos. O decreto de 3 de Dezembro de 1851 mandava capitalizar, não só os juros das inscrições que estivessem largamente atrasados, mas também os vencimentos dos empregados que estivessem pouco mais ou menos nessas circunstancias. Só assim se podia assegurar o pagamento pontual para o futuro. Em pouco tempo Portugal sofria uma verdadeira transformação devida à iniciativa arrojada do jovem ministro. Em pouco tempo refundia-se completamente a organização financeira do país, remodelava-se a circunscrição do município de Lisboa; aboliu-se o velho termo, substituindo-se pelos concelhos suburbanos de Belém e dos Olivais, reformou-se a alfandega das Sete Casas, fez-se entrar na receita geral do Estado a receita proveniente da venda dos bens nacionais que até então constituía rendimento do Estado, suprimiram-se uma infinidade de impostos anacrónicos que todos se consubstanciaram na contribuição predial, e Fontes projectou até acabar com o contrato do tabaco, levando à câmara o projecto de lei que substituiu ao regime do monopólio o da liberdade dos tabacos e do sabão. Não foi por diante essa lei que 12 anos depois o conde de Valbom apresentava e fazia passar.

Ao mesmo tempo criava Fontes Pereira de Mello o ministério das Obras Publicas que ele mesmo ia gerir, dava à construção das estradas um impulso extraordinário e inaudito, gastando só num ano em estradas 413 contos de réis, soma enormíssima para um tempo em que a receita geral do Estado não subia a mais de 10.000 contos, e introduzia enfim os caminhos de ferro em Portugal contratando com uma companhia a construção das linhas férreas de Norte e Leste, criava o estudo da indústria e da agricultura em Portugal, fundando o Instituto Industrial, Instituto Agrícola e as quintas regionais, criava o conselho de obras públicas. A tudo atenda a sua actividade exuberante e que dificuldades tinha de superar, que preconceitos a vencer, que rotina a destruir! Que oposição encontrou aqui como em toda a parte a ideia fecundíssima dos caminhos-de-ferro! Como ele teve de lutar na câmara, onde os mais moderados diziam que bastava um caminho-de-ferro ao país, ao que ele respondia que muito lhe custava a contentar-se com dois. E as estradas que brotavam por toda parte, modificando completamente as condições económicas do país! que transformação incalculável, que tornou esse período tão brilhante, tão jubiloso e tão florido de esperanças que não foram iludidas, mas cuja realização foi estragada por tantos males imprevistos! Enquanto Fontes assim se ocupava da reorganização do país, discutia-se e aprovava-se nas câmaras constituintes o Acto Adicional à Carta, que introduzia na constituição algumas modificações importantes, das quais a mais importante era sem dúvida a da transformação das eleições indirectas em eleições directas. Tinha-se chegado a 1853, e o ministério, já com dois anos de existência, tendo feito tantas reformas importantes, não podia deixar de se considerar numa situação critica, porque a oposição que emudecera no principio, começava de novo a procurar ensejo de o ferir, com tantas mais probabilidades de êxito quanto o conde de Tomar, que, durante os primeiros tempos como quase desaparecera da cena politica, voltava já à câmara dos pares e preparava-se para fazer oposição. O ministério, porém, contava no seu seio tantos oradores que podia entrar em campanha sem receio. Quando Fontes entrara para a marinha, entrara também para a justiça e negócios eclesiásticos o bispo do Algarve Fonseca Moniz, mas este nem chegara a tomar posse, de forma que Rodrigo da Fonseca tomara à sua conta a pasta da justiça conjuntamente com a do reino que já estava gerindo, quando a saída de Silva Ferrão, que se não entendia com a pasta da fazenda, chamou a este ultimo ministério Fontes Pereira de Mello. Conservar juntamente o ministério da marinha era impossível. Aproveitou-se o ensejo para se fazer uma nova recomposição. Entraram no governo António Luís de Seabra e Almeida Garrett. O primeiro tomou a pasta da justiça, Almeida Garrett a dos estrangeiros e Jervis, que ocupava esta ultima, passou para a da marinha. Assim tinha o ministério três oradores de primeira ordem, cada um no seu género: Garrett, Rodrigo da Fonseca e Fontes, um orador excelente debater como dizem os ingleses, Seabra, e dois que sabiam manter-se no seu lugar, embora estivessem longe de ter altos predicados oratórios, Saldanha e Jervis. Infelizmente uma dissidência entre Garrett e os seus colegas, dissidência em que Garrett não tinha a mínima razão, fez com que o grande poeta saísse do ministério; Seabra, que entrara com ele, com ele quis sair, e aqui fica de repente o governo reduzido a quatro ministros e em que ocasião! Quando o conde de Tomar, um verdadeiro atleta, reaparecia na tribuna, quando Garrett se ia juntar às falanges oposicionistas, e sobretudo quando vinha um acontecimento desastroso agravar as dificuldades da situação.

No dia 15 de Novembro de 1853 morria inesperadamente D. Maria II; seu filho primogénito, D. Pedro, apenas contava 16 anos. Impunha-se por conseguinte uma menoridade debaixo da regência de el-rei D. Fernando. Ora as menoridades são períodos sempre escabrosos, e o governo achou-se realmente em situação difícil. O duque de mais a mais não quisera fazer uma nova recomposição, de forma que o duque tinha a presidência e a guerra, Rodrigo o reino e a justiça, Jervis a marinha e os estrangeiros, Fontes a fazenda e as obras públicas. Este também desenvolveu nessa famosa sessão de 1844 uma actividade assombrosa. O duque de Saldanha adoeceu, Jervis não era para grandes lutas, de forma que os dois ministros parlamentares eram Fontes e Rodrigo, que mal sabiam como haviam de acudir a cada instante às interpelações que se cruzavam. Na câmara dos pares sobretudo foi Fontes admirável. Tinha na sua frente o conde de Tomar e o conde da Taipa, o mais impertinente de todos os guerrilhas, pois não cessou uma vez só de os bater completamente. Os factos auxiliavam muito a eloquência de Fontes. A oposição passava o seu tempo a declarar que o pagamento em dia era puramente fantasmagórico, e que essa fantasmagoria ia acabar, mas passavam os meses, passavam os anos, e a exacta pontualidade nos seus pagamentos continuava a ser a divisa do Estado. Mas Fontes podia não se limitar só a falar nos serviços que a sua administração prestara aos empregados, podia lembrar que tinha gasto 400 contos em obras publicas, mas que construíra 460 quilómetros de estradas, e tinha 120 em construção, fizera 17 pontes, assegurara por meio de subsidio a navegação a vapor no Tejo e no Sado e entre Lisboa e os Açores, que finalmente não só contratara a construção do caminho de ferro internacional, mas também introduzira em Portugal a telegrafia eléctrica, fazendo um contrato com a casa Breguet para o estabelecimento da rede telegráfica. Obras que só depois se executaram, foram também por ele decretadas ou iniciadas neste período tais como o estabelecimento das águas de Lisboa, o caminho-de-ferro entre Lisboa e Sintra, as docas do porto de Lisboa. Em tudo se encontra em Portugal o vestígio da acção e da iniciativa de Fontes.

Tratava-se, porém, de coroar a obra restabelecendo o crédito do país, arrastado no estrangeiro, em consequência de se não terem pago os dividendos dos diferentes empréstimos. Por um artigo do regulamento do Stock Exchange nega-se a cotação nesse estabelecimento aos títulos de qualquer Estado que não pague os dividendos dos anteriores empréstimos. Havia muito que Portugal os não pagava, e portanto os seus fundos não tinham cotação no grande mercado financeiro de Londres. Ora como podia Portugal perseverar no caminho que estava seguindo se tivesse que desistir de recorrer a capitais estrangeiros, se não pudesse levantar empréstimos em Londres? Como havia de fazer os seus caminhos-de-ferro, continuar no caminho dos melhoramentos se pudesse lançar mão única e exclusivamente de capitais portugueses? Era evidentemente impossível. Mas quem conseguiria abrir essas portas implacáveis? Havia um homem só capaz dessa empresa – Fontes Pereira de Melo. Foi ele que disso pessoalmente se encarregou. Em 1855 partiu para Londres. Estava-se em Novembro. Fontes encontrou enormes dificuldades, a ponto que desanimou, e partiu para Paris completamente desalentado; mas inspirava tantas simpatias em toda a parte, era tão bem recebido na alta sociedade política! Napoleão III queria conhece-lo e convidou-o para jantar nas Tulherias; recebia-o com muito singular afecto a rainha Vitória, e daí resultou que a pouco e pouco os, financeiros desfranziram o rosto e tornaram-se mais tratáveis. O Stock Exchange abriu-nos as suas portas e os fundos portugueses tiveram cotação, e tudo se desfez para se levantar um empréstimo importante cuja soma não seria inferior a 13.500 contos, Fontes voltava triunfante a Portugal, mas ia encontrar as dificuldades que deviam resultar naturalmente do melhoramento da nossa situação financeira. Era evidente que uma das primeiras condições do acordo de Londres era o levantamento de novos impostos. Sem isso não se julgariam suficientemente garantidos os que iam abrir-nos as portas do Stock Exchange e garantir por conseguinte aos portadores de títulos dos antigos empréstimos e aos subscritores dos novos empréstimos que os seus juros lhes seriam pagos integralmente. Fontes teve por conseguinte de apelar para novos recursos. Levantou-os melhorando ao mesmo tempo a cobrança e a administração do tributo que aumentava, mas o contribuinte, que acha óptimos os melhoramentos, quando lhe apresentam a conta reage sempre. Não foi difícil à oposição agitar o país, e promover a famosa representação dos cinquenta mil peticionários. O governo manteve-se contudo impávido diante dessa tempestade, porque tinha a consciência de que cumpria o seu dever, e fazia o que era inevitável que se fizesse. Apear dos cinquenta mil peticionários, fez aprovar na câmara dos deputados a lei dos tributos. Na câmara dos pares tinha, porém, que lutar com maiores dificuldades, e para as vencer precisava de uma fornada. D. Pedro V não lha quis conceder.

O governo pediu imediatamente a sua demissão, mas tinha tanto a consciência da sua força, que no próprio dia da sua queda foram os ex-ministros alegremente para o teatro e certos de que ali o rodeariam também essas simpatias. O seu triunfo, porém, ainda foi mais completo. Sucedia-lhes o marquês de Loulé, que organizou gabinete no dia 6 de Junho de 1856; mas o novo chefe do gabinete, quando se apresentou à câmara, declarou que o seu programa era o dos seus ilustres predecessores. Não se podia prestar a um gabinete mais completa homenagem. Tal foi o primeiro ministério de Fontes Pereira de Mello, aquele em que se manifestaram de um modo mais glorioso as suas raras qualidades de estadista Nunca passou pelos conselhos da coroa que não deixasse brilhantemente assinalada a sua passagem, mas neste gabinete de 1851 o seu papel foi realmente o de um destes gloriosos reformadores, cuja poderosa iniciativa transforma completamente as condições económicas duma sociedade e de um povo. No seguinte ministério de 1869 ia Fontes revelar-se o homem político. A morte de Rodrigo da Fonseca ia fazer do jovem ministro o verdadeiro chefe do partido regenerador. Na campanha da oposição, que durou dois anos e meio representou Fontes na câmara a ilha Terceira, e a sua palavra tornou-se notável tanto nas questões financeiras em que foi o primeiro, como na questão de Charles et Georges, em que pôde brilhar mesmo ao lado de José Estêvão. Esta última discussão foi o primeiro golpe no governo histórico, que pediu a demissão, sendo chamado a organizar gabinete a 16 de Março de 1859 o duque da Terceira.

Fontes entrou então na pasta do reino, e justamente porque era ele que representava essencialmente a política do novo gabinete. Entrava para a pasta da fazenda Casal Ribeiro, para a das obras públicas António de Serpa, e para a justiça Martens Ferrão. Eram os três homens novos que iam começar a sua brilhantíssima carreira. Na pasta do reino ia fontes deixar profundamente assinalada a sua passagem. Basta citar-se a nova lei eleitoral, a mais liberal e mais razoável que até então tinha havido; a transferência do conselho superior de instrução publica de Coimbra para Lisboa, a reforma do ministério, a passagem da Escola Politécnica para a jurisdição do ministério do reino, a abolição dos passaportes, a lei que concedeu pensões aos que se tinham distinguido na verdadeira campanha contra febre amarela, a que mandou proceder à reconstrução do convento dos Jerónimos. Sentiu-se sempre em todos os ministérios em que Fontes entrou, a sua larga iniciativa, o seu espírito resoluto. Pois bem pouco tempo esteve no ministério do reino. Bastaram, contudo os 16 meses que o geriu, desde 16 de Março de 1859 até 4 de Julho de 1860, para que fizesse mais do que muitos outros haviam feito em largos anos. A política liberal deve-lhe a lei eleitoral de 1859, a instrução publica a organização mais justa do ensino superior, a beneficência a fundação do hospital Estefânia, e a policia a abolição dos passaportes que a sobrecarregavam de trabalho inútil, e lhe tirava o tempo mais preciso para seriamente velar pela segurança publica. Mas o duque da Terceira morrera, e deixara por conseguinte o gabinete sem presidência. As reconstruções, quando são tão radicais, enfraquecem sempre um ministério, e o gabinete resolveu pedir a demissão. Sucedeu-lhe de novo o ministério histórico, que atravessou um período calamitoso, em que teve de se reconstruir a cada instante, mas que deu a Fontes Pereira de Melo mais uma ocasião de mostrar a elevação do seu espírito e do seu carácter. Um ano depois de subir ao poder, sucedia ao marquês de Loulé o infortúnio de assistir à série de desgraças que enlutaram a família real. Morria o infante D. Fernando, logo depois el-rei D. Pedro V, pouco depois o infante D. João, e o infante D. Augusto chegou a estar, por assim dizer, moribundo. O povo, suspeitando crimes, envenenamentos, tumultuava em torno do paço, e acusava os ministros. Nada mais fácil do que aproveitar essa excitação dos ânimos para jogar ao ministério um golpe mortal. Não o fez Fontes, apesar de estar dirigindo a, oposição. Pelo contrário, deu força ao ministério que no princípio do ano de 1862 fez uma larga reconstrução, em que entraram como elementos novos Lobo de Ávila, depois conde de Valbom, e Mendes Leal. 

Deu certa força ao ministério a questão das irmãs de caridade francesas. Nessa questão, foi incontestavelmente Fontes Pereira de Melo arrastado pelos magnates do seu partido. Na discussão Fontes colocou a questão num terreno sólido e justo, mostrando que o ministério que queria expulsar as irmãs de caridade era o mesmo que as admitira e chamara. Seguiram, porém, um caminho menos racional, posto que defendessem um princípio sagrado, o da liberdade de consciência, que queriam, contudo, aplicar erradamente alguns outros dos principais membros do partido regenerador. Foi um erro, que além de outros inconvenientes, teve o de pôr ao lado do ministério, e de inscrever por conseguinte no partido progressista‑histórico, o grande orador José Estêvão. Em 1861 começou o desmoronamento do ministério. A saída de Lobo de Ávila, que assinalara com algumas medidas rasgadas, como a da supressão do monopólio do tabaco, a sua passagem pelo ministério da Fazenda, abalou profundamente o governo. Seguiu-se-lhe a remodelação que levou ao poder por pouco tempo Aires de Gouveia, Matias de Carvalho, etc. Procurou porém o partido histórico, ainda depois de perder a presidência do marquês de Loulé, organizar governo, mas o partido progressista que assim estrebuchava, era uma fracção mínima do partido, agrupado em torno de Lobo de Ávila. Para o derrubarem, contudo, entenderam os dois grandes partidos que deviam fundir-se. Assim se fez, e em 1865 os dois partidos reunidos conseguiram derrubar o ministério presidido pelo conde de Ávila. No ministério fusionista que se lhe seguiu, predominava, contudo, o partido regenerador. Tinha a presidência Joaquim António de Aguiar e entrava no ministério do Reino Martens Ferrão, no da Fazenda Fontes Pereira de Melo. As outras pastas pertenceram a diversos ministros, até que a morte sucessiva dos dois ministros da Guerra, conde de Torres Novas e Pinto da França, fez com que Fontes fosse chamado interinamente ao ministério da Guerra. O gabinete que geriu o país definitivamente durante dois anhos; foi assim composto: presidência Joaquim António de Aguiar, reino Martens Ferrão, fazenda e interino da guerra Fontes, estrangeiros Casal Ribeiro, obras publicas João de Andrade Corvo, justiça Barjona de Freitas, que representava o partido histórico nessa organização ministerial. Havia já muito que Fontes Pereira de Melo, que ia subindo postos no corpo de engenharia, apesar de andar afastado do serviço militar por outras exigências do serviço público, estava chamando a atenção e as simpatias do exército. O discurso que pronunciara na câmara como deputado da oposição, em 1860, sobro a questão militar, fora muito apreciado.

A sua nomeação para o cargo de ministro da Guerra foi portanto saudada com verdadeiro entusiasmo, justificado imediatamente por muitas medidas, que o tornaram o ministro da Guerra mais notável do período constitucional. A 9 de Maio de 1866 tomava conta daquela pasta, a 9 de Junho ordenava a formação do campo de manobras em Tancos, em Outubro já ali fazia os exercícios necessários uma divisão comandada pelo visconde de Leiria. Com admirável actividade introduziu logo no nosso exército as importantes modificações introduzidas lá fora no armamento. Comprava as espingardas Enfield e Westley Richard, que eram as melhores do seu tempo, o que o ficaram sendo por largo período, comprava cartuchos, introduzia importantes melhoramentos no Arsenal do Exército, ali mandava construir um grande numero de peças de artilharia, multiplicava as instruções para o transporte das tropas e para a organização do serviço sanitário em campanha. Em Setembro desse ano apresentava o seu primeiro e admirável relatório do Ministério da Guerra. Em 1867 criava o Montepio Militar, e promulgava o regulamento geral para o serviço dos corpos do exército. Em Setembro desse ano manobrava de novo no campo de Tancos uma divisão comandada pelo general José Gerardo Ferreira Passos. E entretanto entregava-se também com interesse ao serviço do Ministério da Fazenda. As vastas despesas, que fora preciso fazer para se transformar a situação económica, não podiam evitar que se pedissem sacrifícios ao país. Fontes Pereira de Melo fez promulgar a lei do imposto do consumo, que a oposição combateu energicamente conseguindo agitar facilmente o país, como já o havia feito em 1856 e 1860. Foi isso que ocasionou o movimento chamado da Janeirinha, de que resultou a queda do ministério, sendo substituído por outro, organizado pelo conde de Ávila, e a lei do imposto de consumo foi revogada. Fontes Pereira de Melo combateu fortemente este ministério e depois o do bispo de Viseu, que pouco tempo duraram. Ano e meio depois subiu ao poder o ministério progressista-histórico, presidido pelo marquês de Loulé, e em que entrava Lobo de Ávila, como prova de que se haviam reconciliado as duas fracções do partido histórico, conhecidas pelos nomes de unha branca e unha preta. Contudo, Fontes Pereira de Melo entendeu que a fusão pactuada em 1865 continuava a existir, e assegurou em nome do partido regenerador; a sua adesão completa. Fontes Pereira de Mello que em 7 de Maio de 1866 fora nomeado conselheiro de Estado foi eleito par do reino a 18 de Janeiro de 1870. Vindo a revolta de 19 de Maio deste ano promovida pelo marechal duque de Saldanha, o ministério Loulé caiu, sendo substituído pelo dos cem dias, organizado e presidido pelo marechal, ministério que um golpe de estado derrubou. Seguiu-se outro, que pouco depois foi substituído pelo do conde de Ávila, que já então havia sido elevado a marquês, ministério com elementos reformistas, que perdeu no principio de 1871 com a saída do bispo de Viseu. A 13 de Setembro deste ano subiu novamente ao poder o partido regenerador, soado o primeiro a que presidiu Fontes Pereira de Mello, que se encarregou das pastas da Fazenda e da Guerra, deixando a da Fazenda em 1872, em que foi substituído por António de Serpa Pimentel. Este ministério desempenhou admiravelmente a alta missão de reconstituir o país, que a Janeirinha e os ministérios efémeros que dela saíram, desorganizara completamente. O crédito e a riqueza publica elevaram-se rapidamente, e o país com plena confiança no futuro, tão audaciosamente se lançou no caminho das empresas audaciosas, que do exagero que teve esse movimento resultou a crise bancária de 1876, que podia ter tido serias consequências se não estivesse no poder o ministério presidido por Fontes Pereira de Melo, que a tudo. ocorreu e tudo remediou.

Entretanto na pasta de que mais especialmente se encarregara, a pasta da Guerra, continuava Fontes a mostrar a sua poderosa iniciativa. O exército, que em 1867 dele recebera o seu excelente armamento de infantaria, recebeu em 1873 óptima artilharia, sentindo um verdadeiro entusiasmo quando na revista de 21 de Julho de 1871 desfilaram por diante de el-rei as brilhantes peças Krupp, compradas por Fontes Pereira de Melo. Recebia ao mesmo tempo um poderoso impulso a fortificação de Lisboa, obra querida do marquês de Sá da Bandeira. O relatório de 1874, relativo ao ministério da Guerra e assinado por Fontes, é um monumento digno de figurar ao lado do outro de 1867, a que já, nos referimos. Devemos também notar o acerto com que procedeu Fontes Pereira de Mello na difícil situação que criara ao nosso país a revolução republicana de Espanha, cabendo sempre manter-se numa correcta neutralidade, sem favorecer um só dos partidos que se digladiavam no país vizinho, e cujos campeadores tanta vez procuravam, nas suas lutas civis, asilo na nossa fronteira. A 3 de Março de 1877, o ministério encontrando uma certa frieza na maioria fatigada, e uma certa dificuldade nos debates parlamentares resultante de um incómodo pertinaz do seu presidente e de uma doença de António de Serpa, pediu a sua demissão, sendo chamado a organizar gabinete o marquês de Ávila. A situação não mudara sensivelmente porque o marquês de Ávila, com os seus amigos apoiava o gabinete Fontes, e só dele se afastara nalguns pontos ligeiros. Mas a entrada, no ministério, de Barros e Cunha, membro do partido progressista, e que se mostrou radicalmente adverso à gerência regeneradora, fez com que na sessão legislativa de 1878 a maioria que continuava a ser regeneradora, infligisse um cheque ao governo. O soberano conformou-se com o voto da câmara, e a 25 de Janeiro de 1878 Fontes Pereira de Mello foi de novo chamado a organizar governo. Conservando a presidência e a pasta da Guerra, chamou Fontes ao ministério do Reino António Rodrigues Sampaio, ao da Justiça Couto Monteiro, ao da Fazenda António de Serpa Pimentel, ao da Marinha Tomás Ribeiro, ao dos Estrangeiros Andrade Corvo, e ao das Obras Publicas Lourenço de Carvalho. No Verão de 1877, Fontes Pereira de Mello fizera pela Europa uma viagem de recreio, e em toda a parte fora acolhido com as mais levantadas honras que se podiam conceder a um ministro, e a um ministro de um país pequeno como Portugal. Estando ele a assistir à sessão da câmara dos deputados em Madrid, recebeu dessa câmara uma manifestação extraordinariamente honrosa. Em França e na Alemanha teve dos chefes desses estados as mais solenes provas de consideração e de estima. Como os jornais espanhóis dissessem que ele andava viajando enquanto não voltava ao poder, que lhe viria em breve parar ás mãos, mientras vuelve, o ministério que formou recebeu da oposição em Portugal a alcunha do ministério do mientras vuelve. Era efectivamente uma restauração, com todos os inconvenientes que sempre seguem as restaurações, e Fontes Pereira de Melo bem o sentira, tanto que foi com dificuldade que os seus amigos o arrastaram para esse caminho. Os progressistas, que em 1876 se tinham fundido num partido, juntando-se os históricos e os reformistas pelo pacto celebrado na Granja, e que esperavam assim subir ao poder, logo depois da queda do marquês de Ávila, irritaram-se com a solução que a coroa dera à crise ministerial, e abriram a célebre campanha da agressão directa ao monarca, iniciada pelo Diário Popular com o famoso artigo das crianças loiras, e pelo Progresso com um artigo não menos violento.

As eleições de 1878, se bem que tivessem dado ao ministério uma forte maioria, tinham levado também ao parlamento bastantes deputados da oposição, a campanha parlamentar estava sendo rude e fatigante. Fontes foi o primeiro a entender que não devia teimarem se conservar no governo, onde se sentia fraco, e em Maio de 1879 pediu a demissão do gabinete, que lhe foi concedida, sendo chamado Anselmo Braamcamp a organizar gabinete. Geriu Anselmo Braamcamp, com a presidência, o ministério dos Negócios Estrangeiros, teve a pasta do Reino o Sr. José Luciano de Castro, a da Fazenda Barros Gomes, a da Guerra João Crisóstomo de Abreu e Sousa, a da Marinha marquês de Sabugosa, a das Obras Publicas Augusto Saraiva de Carvalho. Pouco tempo durou este ministério, posto que Fontes Pereira de Melo na câmara dos pares não fizesse senão uma oposição moderada. Assim atravessou este ministério sem grandes embaraços o ano de 1880, até que no principio de 1881 os embaraços se acumularam, e a questão de Lourenço Marques provocou agitação e um debate parlamentar, que deu origem a uma moção de desconfiança na câmara dos pares. O ministério caiu, e a 25 de Março de 1881 organizou-se um gabinete, em que Fontes Pereira de Melo não quis entrar, posto que o constituísse o partido regenerador. Achava que estivera pouco tempo fora do poder. O gabinete, posto que efectivamente organizado por Fontes, teve como presidente o ministro do Reino António Rodrigues Sampaio. Pouco tempo depois morria o duque de Ávila e de Bolama, presidente da câmara dos pares, e essa presidência, como era natural, foi dada a Fontes Pereira de Melo. Digamos de passagem que Fontes, que tinha as mais altas distinções honoríficas, tivera duas honrarias bem raramente concedidas em Portugal a quem não fosse príncipe de sangue, a ordem da Anunciada da Itália e a do Tosão de Ouro da Espanha. Como era natural, pouco tempo se conservou fora do gabinete.

No dia 11 de Novembro do mesmo ano de 1881 era Fontes encarregado de organizar novo governo. Tomava a presidência, a pasta da Guerra interinamente, e a da Fazenda em substituição de Sanches de Castro e Lobo Vaz que saíam; para a pasta do Reino chamava Tomás Ribeiro, para a da Justiça passava Júlio de Vilhena que deixava a pasta da marinha Melo e Gouveia, para a dos Negócios Estrangeiros que fora exercida nos últimos meses interinamente por Hintze Ribeiro, entrava António de Serpa Pimentel, e ficava Hintze Ribeiro com a pasta das Obras Publicas. Na gerência da Fazenda mostrava mais uma vez Fontes Pereira de Mello o seu carácter pratico e resoluto, abandonando vãs teorias de imposto, e recorrendo simplesmente ao imposto que mais rápidos e valiosos recursos podia produzir, o adicional de 6%, que efectivamente acrescentou logo 1.000 coutos às receitas do Estado. Em 1883 houve nova modificação ministerial. Tomás Ribeiro foi substituído por Barjona de Freitas, Júlio de Vilhena por Lopo Vaz de Sampaio e Melo, Barbosa du Bocage, que já, substituíra no principio de 1883 Melo Gouveia na Marinha, ia agora substituir António de Serpa Pimentel no ministério dos Negócios Estrangeiros, e Pinheiro Chagas tomava conta da pasta da Marinha, Hintze Ribeiro substituiu na pasta da Fazenda Fontes Pereira de Melo, que ficava só com a presidência e a Guerra, e António Augusto de Aguiar entrava para o ministério das Obras Públicas. Este novo ministério tinha uma missão principal: modificar a constituição do Estado por um novo Acto Adicional à Carta, que efectivamente se promulgou em 1885, que transformou a câmara dos pares de hereditária em vitalícia. No ano de 1881 mostrava Fontes, como ministro da Guerra, mais uma vez a sua rasgada iniciativa. A reforma da organização do exército data desse tempo. Por ela se criaram seis novos regimentos de infantaria, dois de cavalaria, um de artilharia, se transformaram os batalhões de caçadores em regimentos, se deram dois majores a cada regimento, comandando cada um deles um batalhão, se lançaram as bases da organização da 1.ª e da 2.ª reserva. Antes de sair do ministério, deu também Fontes Pereira de Melo um largo impulso à organização dos torpedos, comprando novos torpedeiros, que só depois da sua saída do governo chegaram a Portugal. Em Fevereiro de 1885 saíram do governo António Augusto de Aguiar e Lopo Vaz de Sampaio e Melo. Não foram, porém, substituídos; tomou Fontes conta da pasta das Obras Publicas, e Barjona de Freitas juntou à pasta do Reino a da Justiça. Ainda a Fontes Pereira de Mello, como ministro das Obras Públicas, coube a glória de fazer votar a lei das obras do porto de Lisboa, cuja iniciativa coubera a António Augusto de Aguiar. Em Novembro de 1885 preenchiam-se as duas vagas que havia no ministério, entrando Tomás Ribeiro para a pasta das Obras Públicas e Manuel de Assunção para a da Justiça; mas a situação regeneradora contava já cinco anos de governo, e aproximava-se por conseguinte o seu termo.

Tendo Fontes pedido a demissão do gabinete a que presidia, foi o Sr. conselheiro José Luciano de Castro encarregado de organizar o ministério. Recolhendo-se então à vida particular, fez de novo uma viagem ao estrangeiro. No principio do ano de 1887 preparava-se para encetar uma campanha de oposição contra e gabinete, e estava dirigindo activamente os trabalhos eleitorais, quando faleceu, duma rápida doença. A sua morte causou a maior sensação, tanto a amigos como a adversários, e a sua falta foi geralmente sentida, porque se perdera um dos maiores estadistas de Portugal. O seu funeral foi uma homenagem, verdadeiramente imponentíssima e solene.

Fontes Pereira de Melo faleceu no posto de general de divisão; foi governador da Companhia do Crédito Predial Português e presidente do Supremo Tribunal Administrativo; foi também presidente da comissão central do Primeiro de Dezembro de 1640, que promoveu a inauguração do monumento aos Restauradores, a qual se realizou em 28 de Abril de 1886, com toda a solenidade, assistindo el-rei D. Luís e o príncipe D. Carlos, mais tarde D. Carlos I. Fontes Pereira de Melo era condecorado com as seguintes ordens: Tosão de Ouro e da Anunciada, já citadas; grã-cruz da Torre e Espada e de S. Bento de Avis; Legião de Honra de França, de Leopoldo da Bélgica, S. Maurício e S. Lázaro de Itália, Cruzeiro do Brasil, Mérito Militar e Isabel a Católica de Espanha, Leão da Holanda, da Coroa de Sião, do Sol Nascente do Japão, Leão da Pérsia; outras diversas comendas e o colar de Carlos lll, de Espanha.

Dos inúmeros discursos pronunciados por ele nas câmaras legislativas, quer na qualidade de deputado, quer na de ministro da Coroa, parece que foram publicados em separado somente os seguintes: Discursos do sr. ministro da Fazenda Fontes Pereira de Mello, pronunciados nas sessões de 6, 7 e 9 de dezembro de 1865 a respeito da novação do contrato do caminho de ferro do sul e sueste, Lisboa, 1865; Discurso acerca dos impostos de consumo, pronunciado na câmara electiva na sessão de 13 de Março de 1867, Lisboa, 1861. Foi durante alguns anos colaborador na Revista Militar, e por vezes teve parte na redacção da Revolução de Setembro e de outros jornais políticos.




Transcrito por Manuel Amaral e publicado no Dicionário Histórico





15.12.14

11.12.14

Jardim Paulo Vallada

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Nota biográfica publicada originalmente em:

Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto



"António Guilherme Paulo Vallada nasceu no Porto em 1924, no seio de uma família burguesa. No ano lectivo de 1946-1947 matriculou-se no Curso de Engenharia Civil, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Terminou a licenciatura em 1949, com a classificação de 13 valores. Em 1950 partiu para Itália, onde frequentou um curso de pós-graduação no Instituto Politécnico de Milão.

Nos anos cinquenta iniciou a sua actividade profissional em África. Entre 1950 e 1958 trabalhou como engenheiro e construtor, em Moçambique. Criou e administrou empresas de construção civil e obras públicas (Caminho-de-ferro de Limpopo, o Liceu de António Enes, etc.) e metalomecânicas.

Nos anos 60 alargou a sua actividade a Angola e ao Brasil, essencialmente na área da construção civil.

Dos anos 70 e até ao fim da sua vida, administrou a sua empresa na Areosa, localizada junto à Estrada da Circunvalação, no Porto. Essa empresa havia sido comprada à família de Manuel Pinto de Azevedo, figura que muito admirava, e que veio a ser o primeiro "ninho de empresas" de Portugal, forma de incentivo à actividade empresarial moderna. Naquele período, assumiu também o cargo de administrador do Complexo do Cachão, no decurso do II Governo Provisório (1974).


A par da sua actividade profissional, exerceu uma reconhecida acção social e cultural em prol do Porto. Foi presidente da Direcção do Círculo de Cultura Teatral (T. E. P.), secretário regional da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), entre 1972 e 1974, fundador da CNAE (Conselho Nacional das Associações Empresariais) e da APGE (Associação Portuguesa de Gestão de Empresas) e presidente da Associação Comercial do Porto (1979-1983).

Eleito presidente da Câmara Municipal do Porto em 1982, numa lista da Aliança Democrática, foi capaz de gerar consensos na Vereação e de realizar uma obra importante para a cidade. Durante os três anos da sua presidência, destacam-se as seguintes iniciativas: as recuperações do Mercado Ferreira Borges, com o apoio do jornal O Comércio do Porto, e do Monumento ao Esforço Colonizador, projectado por Sousa Caldas e por Alferes Alberto Ponce de Castro, em 1934, e colocado na Praça do Império; a transferência das captações de águas de Zebreiros para Lever; o primeiro empréstimo obrigacionista de natureza autárquica, que fez escola; a resolução da questão da revisão do Plano Director da Cidade do Porto, transformado em Plano Director Municipal, sob a direcção do arquitecto Duarte Castel-Branco; a criação do Centro Regional de Artes Tradicionais; a colocação do conhecido Cubo da Ribeira, do mestre José Rodrigues, no centro histórico do Porto; a realização da Conferência Internacional Os Portugueses e o Mundo (Junho de 1985). Após o cumprimento do mandato, aceitou um lugar na lista do PSD concorrente à Assembleia Municipal do Porto para o mandato de 1989-93.


A sua intervenção pública no Porto não se limitou à actividade política na edilidade. Ajudou a revitalizar velhas instituições como a Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, no âmbito da qual trouxe ao Douro, em 1993, a Regata do Infante, no contexto das comemorações do 5º Centenário das Descoberta da América. Impulsionou o início da conversão da Quinta de Serralves no Museu de Arte Contemporânea. Integrou a comitiva da Cooperativa Árvore presente nas derradeiras comemorações do 10 de Junho em Macau. Fundou e presidiu a Fundação da Juventude, na qual se instituiu uma Comunidade de Inserção com o seu nome. E participou nas Comemorações do 6º Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique.

Esta figura carismática do Porto, reconhecida pela forte intervenção cívica e vasta cultura, morreu em Junho de 2006. Foi a enterrar a 5 desse mês, no cemitério de Agramonte, em Paranhos (*). Na missa de corpo presente realizada na Igreja do Corpo Santo juntaram-se inúmeros portuenses, anónimos e ilustres, que lhe quiseram prestar uma última homenagem. A urna funerária estava coberta pela bandeira da Associação Comercial do Porto." 
(Universidade Digital / Gestão de Informação, 2008)

(*) - Nota do editor do blogue: Como os portuenses sabem bem o Cemitério de Agramonte não se situa na freguesia de Paranhos.



Café Sical (actualizado)

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Detalhe do painel de azulejos da autoria de Júlio Resende (1963?)


A actual cafetaria "Café Sical" situada no edifício do Hotel Infante de Sagres começou por ser o local onde se comercializava o café daquela marca (cuja unidade fabril se situava na Senhora da Hora). 

Anos mais tarde ali se começou a vender também café à chávena. Os dois paineis de azulejo existentes devem datar dessa altura.




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A partir dos inícios do século XIX instalaram-se algumas torrefações de café nesta zona do Porto, umas com mais prestígio do que outras. Algumas marcas ainda existem dos nossos dias como "A Brasileira", a "Casa Christina" e a "Sanzala". Outras de menor importância desapareceram. Hoje as torrefações já se afastaram para a periferia mas as lojas ainda fornecem clientes fieis às marcas. 




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(actualizado em Dezembro 2014)

10.12.14

Simão Bolivar no Porto

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Esta escultura, da autoria de Albano Martins, foi oferecida pelo Consulado da Venezuela no Porto.



Breve nota biográfica sobre Bolivar:

"Simon Bolívar é frequentemente chamado de "o George Washington" da América Latina. Ele é considerado o responsável pela libertação de cinco países sul-americanos do domínio espanhol: Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru e Equador.

Simon Bolívar nasceu no dia 24 de julho de 1783 em Caracas, na Venezuela. De família aristocrata, descendente de espanhóis, ele tornou-se órfão aos 9 anos. Ainda muito jovem, visitou diversos países europeus, e foi enviado em 1799 a Madri, na Espanha, para completar sua educação. Aos 18 anos, Bolívar casou-se com Maria Teresa de Toro e, em 1802, o casal foi a Caracas, aonde, após seis meses de matrimônio, a jovem veio a falecer.

Em 1804, Bolívar retornou à Europa, visitando a França e a Itália. Ele ficou extremamente impressionado com Napoleão Bonaparte, que havia se coroado imperador, e o jovem Bolívar então passou a sonhar em ter a glória semelhante. Quando Bolívar foi a Roma, fez seu famoso juramento, no Monte Sacro, de libertar a América do Sul.

Em 1808, Napoleão Bonaparte invadiu a Espanha, depôs a dinastia Bourbon e nomeou seu irmão José como rei espanhol. Todas as colônias espanholas recusaram-se a reconhecer a autoridade de Bonaparte. Alguns continuaram aderindo à família real espanhola, enquanto outros decidiram perseguir a independência.

A revolução contra o domínio espanhol teve início na Venezuela, em 1810, com a deposição do governante espanhol. Uma declaração formal de independência foi feita em 1811, e no mesmo ano, Bolívar tornou-se oficial do exército revolucionário. Porém, em 1812, tropas espanholas retomaram o poder na Venezuela. O líder da revolução venezuelana, Francisco Miranda, foi preso e Bolívar deixou o país.

Nos anos seguintes ocorreram diversas guerras. As vitórias venezuelanas eram seguidas por derrotas esmagadoras, mas Bolívar nunca desistiu. Finalmente, em 1819, Bolívar liderou seu pequeno exército ao longo de rios e vales, e nas altas trilhas dos Andes, para atacar as tropas espanholas na Colômbia. Ele venceu a importante Batalha de Boyaca, em 7 de agosto de 1819, e a República da Colômbia foi proclamada em dezembro do mesmo ano. Em 1821, Bolívar finalmente libertou a Venezuela na Batalha de Carbobo e um de seus mais talentosos oficiais, Antonio José de Sucre, libertou o Equador na Batalha de Pichincha, em maio de 1822.

Enquanto isso, o patriota argentino José de San Martin libertava a Argentina e o Chile, e iniciava a libertação do Peru. Simon Bolívar e José de San Martin se reuniram na cidade de Guayaquil, no Equador, no verão de 1822, mas não chegaram a um acordo sobre unir suas forças para combater os espanhóis. San Martin não queria se envolver numa luta por poder com Bolívar, pois isso beneficiaria a Espanha. Portanto, ele renunciou à sua posição como Protetor do Peru, deixando o poder para Bolívar e emigrou da América do Sul. Bolívar chegou ao Peru em 1823 e prevaleceu sobre o governo real espanhol na Batalha de Junin, em agosto de 1824. Mas foi Sucre que assegurou uma vitória total, ao esmagar as tropas espanholas em Ayacucho, em dezembro de 1824. A guerra pela independência estava vencida!

Após as vitórias militares, Simon Bolívar encontrava-se em uma posição extraordinária. Ele era presidente da Colômbia, ditador do Peru e presidente da recém-formada Bolívia, região que havia sido chamada de Alto Peru nos tempos coloniais. O novo país foi nomeado em sua homenagem.    

Após realizar seu sonho de libertar seu país e outras nações sul-americanas do controle espanhol, o objetivo seguinte de Simon Bolívar foi de o de se tornar um líder e estadista sul-americano. Bastante impressionado com os Estados Unidos da América, onde diversos estados haviam se unido para formar um único país, Bolívar planejou realizar uma federação das nações da América do Sul. De fato, Venezuela, Colômbia e Equador já constituíam a República da Grande Colômbia, sob a presidência de Bolívar. Mas diferentemente dos Estados Unidos, as tendências de independência nacional no continente não podiam ser ignoradas. Quando Bolívar convocou o Congresso das Nações da América Hispânica, em 1826, apenas quatro países compareceram.

No entanto, ao invés de mais países se unirem à Grande Colômbia, o oposto ocorreu: a república começou a se repartir. Para agravar a situação, uma guerra civil irrompeu na Colômbia em 1826. Bolívar tentou evitar uma separação definitiva das regiões em conflito. Ele conseguiu que ocorresse uma reconciliação temporária e convocou uma nova assembléia constituinte em 1828, mas não concordou com as deliberações do corpo legislativo e assumiu poderes ditatoriais temporariamente. A oposição a Bolívar começou a crescer repentinamente e em 25 de setembro de 1828, ele escapou por pouco de uma tentativa de assassinato.

Bolívar não conseguiu manter a confederação dos países da América do Sul. Por volta de 1830, Venezuela e Equador já haviam deixado a união, e Bolívar, percebendo que suas ambições políticas eram uma ameaça à paz regional, renunciou em abril do mesmo ano. Quando faleceu, em 17 de dezembro de 1830, ele estava deprimido, pobre, e havia sido exilado de seu país de origem, a Venezuela. Ele morreu de tuberculose em Santa Marta, na Colômbia.

Simon Bolívar morreu odiado por seus inimigos e exilado de seu próprio país. Todavia, após sua morte, sua reputação foi restaurada e ele obteve fama de proporções quase mitológicas. Foi, sem dúvida, um líder marcante. Um homem ambicioso, às vezes assumia posturas de ditador; porém, ele esteve sempre mais preocupado em preservar a democracia e assegurar o bem-estar de seu povo do que com suas ambições pessoais. O trono lhe foi oferecido, mas ele o recusou. Presume-se que ele considerava seu título de "El Libertador" maior que qualquer título real.

Não há dúvidas de que Bolívar foi o principal líder na libertação das colônias espanholas na América do Sul. Mesmo antes de iniciar sua campanha militar, ele já havia escrito cartas, publicações em jornais e feito discursos a favor da independência. Posteriormente, ele arrecadou fundos para financiar as guerras, e foi o principal líder das forças revolucionárias.

Não obstante, ele não pode ser considerado um grande general. Os exércitos que ele derrotou não eram poderosos. Bolívar não foi um estrategista militar, porém possuía algo extremamente valioso: sua firme determinação a despeito de qualquer obstáculo. Mesmo após sofrer tantas derrotas contra os espanhóis, ele re-agrupou suas tropas e continuou a lutar. Outros provavelmente teriam desistido.

Em algumas maneiras, Simon Bolívar foi ainda mais notável que o pai da independência norte-americana, George Washington. Diferente de Washington, Bolívar libertou qualquer escravo que encontrava durante suas batalhas e tentou abolir a escravidão em todo território que ele libertou. Não obstante, mesmo após sua morte, a escravidão continuou existindo nas ex-colônias espanholas na América Latina. 

Simon Bolívar era um romântico e um idealista, com grandes ambições políticas. Mas ele não dava muita importância ao dinheiro; entrou na política como um homem rico e faleceu muito pobre. Ainda hoje, Bolívar continua sendo um dos maiores heróis na história da América do Sul."

publicado aqui


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Curiosamente o Consulado da República Bolivariana de Venezuela situa-se no Edifício Península na Praça do Bom Sucesso e não na rua da Venezuela.


Os meus reconhecidos agradecimentos a João Melo por ter partilhado as suas imagens e permitido a sua publicação neste blogue.