20.5.07

Travessa de CEDOFEITA - Maio 2007

Agora resta uma fachada sem aqueles símbolos que nos eram tão habituais

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- AGORA

Adeus ao pão-de-ló de Margaride  

Augusto Correia, Malacó

Os sacos de cimento meio vazios e uns tijolos perdidos junto ao balcão sinalizam uma intenção não concretizada manter viva a "Margaridense". Casa centenária, especializada em pão-de-ló, marmeladas e geleias, finou-se. Há uma página na Internet, obra virtual também inacabada, onde desfilam fotos: as malgas nas prateleiras e a montra, onde se erguia um pão-de-ló de lata, a fazer a publicidade.

A mesma montra onde, portas fechadas, se impõe um anúncio "Aluga-se". Força do destino, para qualquer ramo. "O meu interesse era manter a "Margaridense", mas sei que é difícil", diz Pinto Abreu, o dono do prédio, herdado desde o bisavô, onde jazem os restos mortais da casa. No balcão, despido da doçura dos frasquinhos de geleia e das malgas de marmelada, resta a poeira dos tempos, de seis meses de abandono. Impõe-se o buraco onde esteve o relógio da época e os candeeiros que antes alumiavam a casa das doçuras. A um canto, o cofre que guardava os segredos do pão-de-ló da "Margaridense", na forma das receitas e das pedras que serviam para pesar as quantidades do açúcar e da farinha.

"Era um museu alimentar vivo", diz Vítor Dias, genro de Elsa Santos, a mulher que fez a casa durante mais de 30 anos. "Ainda hoje me perguntam pela minha mãe", diz Elvira Silva. Instalada numa óptica, duas portas ao lado, o presente e futuro da filha da última proprietária a fazer pão-de-ló nos fornos da "Margaridense" cruza-se com as memórias do passado. "No Natal e na Páscoa, era uma correria".

Dias duros, que exigiam dedicação exclusiva. No andar de cima, havia três quartos onde descansavam do labor os empregados, gente sem família, pelos dias que antecediam o Natal e a Páscoa. "Vinha gente de todo o lado para comprar o pão-de-ló. Até de Lisboa. Saíam em Campanhã, almoçavam na casa Aleixo e depois vinham aqui", diz Elvira Silva.

"Agora vou ali ao pão-de-ló à Margaridense". A frase do escritor lisboeta Rúben A. foi resgatada à memória de Nuno Canavez, proprietário da livraria Académica. Instalado na esquina do Largo Alberto Pimentel, há 59 anos que assiste às alterações da paisagem comercial. "Tudo o que seja acabar é mau. Mexe comigo", diz, agitado.

"Vai-se delapidando o património, no caso comercial, da cidade", lamenta Nuno Canavez, transmontano de Vale do Juncal, Mirandela, feito homem na Invicta. "O Porto é uma cidade-fantasma.

Dizem que perde entre 25 e 27 pessoas por dia", lamenta, desgostoso. "Vinha gente de todo o lado à 'Margaridense'. Fechou e é menos um motivo para as pessoas passarem por aqui", diz.

Liliana Augusto trabalha na casa gourmet "Frutos da Terra", onde se vendem pão-de-ló, geleias, marmeladas, compotas, enchidos e uma paleta de produtos tradicionais de Portugal e da Europa. Na casa, encravada entre a Rua das Oliveiras e a Travessa de Cedofeita, que foi terreiro da "Margaridense", conhece a casa de ouvir falar. "Muitos dos clientes falam nessa casa, especialmente do pão-de-ló", diz.

"Comprei ali muita geleia para o meu filho, por recomendação do médico. Os produtos não eram baratos, mas eram de grande qualidade", recorda Nuno Canavez. "Era tudo feito com grande amor pela minha mãe. O que vendia era feito como se fosse para dar aos filhos", conta Elvira Silva, que desde os nove anos aprendeu a conhecer os segredos da "Margaridense". Hoje, nos formos frios revestidos a azulejo, há só poeira. Estão vazias as gamelas onde se amassavam as farinhas, açúcares e ovos caseiros, amarelinhos. Cheira a saneamento deficiente, onde antes se insinuava o aroma da marmelada a secar ao sol e se impunha o cheiro do pão-de-ló a cozer em forno alimentado a carqueja, arbusto rasteiro que já não nasce nos montes perto do Porto.

"Ultimamente, vinha de Castelo de Paiva. Trazida pelo filho do senhor que antes fornecia a casa, mais para manter a tradição", conta Elvira Silva. "As normas da CEE, as condições que impõem não permitem que se faça as coisas como antes", lamenta . "As pessoas gostam e aprovam o que é tradicional, a lei é que diz que é uma badalhoquice", acrescenta Vítor Dias, genro de Elsa Santos, que durante mais de 30 anos deu seguimento ao negócio que vinha da bisavó.

Conta-se que uma zanga de comadres, em Margaride, Felgueiras, fez do pão-de-ló duas verdades um na terra de origem, hoje ainda célebre, outro emigrado para a Travessa de Cedofeita. "A única referência que temos de datas é um pano de 1800 e sei lá", diz Elvira Silva, recuperando a memória da tarja com a publicidade à "Margaridense": "O verdadeiro pão-de-ló", podia ler-se. "Acho que já não volta a abrir", suspira Elvira.

"Tenho pena que tenha fechado porque se estivesse aberta era bom para o negócio"

Maria Gonçalves


Empresária da Natursabor



Maria Gonçalves arrojou-se ao negócio das casas "gourmet". Num gaveto na Rua dos Mártires da Liberdade, à Rua dos Bragas, vende enchidos, frutas, queijos, vinhos e outros produtos tradicionais. Também marmeladas e geleias, como vendia a 'Margaridense'. "Tenho pena que tenha fechado. Se estivesse aberta era bom para o negócio de todos", diz a proprietária da "Natursabor". "Uns atraem os outros e quanto mais casas abertas melhor, desde que sejam de qualidade", diz Maria Gonçalves, natural de Lamego, com 38 anos de vida no Porto. Lembra-se bem da 'Margaridense', da gente que enchia as ruas ao cheiro das marmeladas e das geleias. "Lucrei muito com aquela casa", admite. Enquanto faziam fila para comprar o pão-de-ló, no Natal e na Páscoa, muitos clientes aproveitavam para comprar os presentes para os familiares na ourivesaria onde Maria Gonçalves fez vida durante mais de três décadas. "O mal do comércio, hoje em dia, é que ninguém vive na cidade. O Porto está todo triste, sem gente nas ruas", lamenta.

texto de: Jornal de Notícias - Adeus ao pão-de-ló de Margaride

2 comentários:

Luzinha disse...

Fiquei triste com esta notícia :(. Não fazia ideia... Passei por lá tantas vezes e adorava ver aquela loja tão tradicional, tão linda. É uma pena ver o que se está a passar na nossa cidade, principalmente na baixa... A ruas das Flores está empestada de lojas de chinezes, indianos e sei lá mais o quê, provavelmente, esta também vai ter o mesmo triste fim :(
Triste fim já teve...

Anónimo disse...

Memória curta.

http://www.flickr.com/photos/aurorea/516459778/