22.12.14

Rua Trindade Coelho (2014)

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Pode comparar com o que já foi publicado aqui.



Nota biográfica do mais conhecido escritor mogadourense:

"José Francisco Coelho (que só mais tarde, já em Coimbra, começaria a assinar trabalhos jornalísticos com o apelido do pai, Trindade) nasceu em 18 de Junho de 1861, em Mogadouro, numa casa em cujos baixos seu pai tinha uma loja comercial e ficava próxima do Convento de São Francisco − mais exactamente, do outro lado da rua.

A sua escolaridade iniciou-se na escola régia de Mogadouro, em 1868, e prosseguiu no ano seguinte em Travanca, aldeia do mesmo concelho, a cerca de 15 km da sede, com o professor régio, em cuja casa se hospedou, juntamente com o irmão Abílio, também estudante. A morte da mãe, entretanto ocorrida, obrigou ao regresso dos dois irmãos a Mogadouro, onde frequentam então as aulas de latim de dois padres que “não saberiam 
talvez muito latim, mas davam-nos muitas palmatoadas”.

Em 1873 Trindade Coelho vai para o Porto prosseguir os estudos, no Colégio São Carlos, que ficava na Rua Fernandes Tomás. Foi um estudante algo rebelde. No Porto viu pela primeira vez um artigo seu (“Cepticismo”) impresso num jornal, o que constituiu a sua iniciação na actividade jornalística, que exercerá intensamente pela vida fora. É também no 
Porto que escreve os primeiros trabalhos de índole propriamente literária (os contos “O Enjeitado”, que só sairia a lume em 2001, pela mão de José Viale Moutinho, e “Trovoada”).

Em 1880 encontramo-lo em Coimbra a estudar Direito. Mas logo nesse primeiro ano se entrega à sua paixão pelo jornalismo, colaborando em diversos jornais e inclusivamente fundando outros, e à boémia estudantil, de tal modo que não conseguiu passar de ano. Este facto levou o pai a cortar-lhe a mesada no ano seguinte, pelo que teve de assegurar a sua subsistência com a pena. No 4º ano, já casado e com um filho, morre-lhe o pai, que era o único amparo de que dispunha. A sua vida decorre com grandes dificuldades, que pouco se alteram quando, por influência directa de Camilo Castelo Branco, é feito delegado do procurador régio no Sabugal. De facto, a penúria de recursos acompanhá-lo-á até ao termo 
dos seus dias, constituindo uma causa de amargura que poderá ter tido também o seu peso no desfecho final.

De Sabugal passa a Portalegre, e daí a Ovar, acumulando experiência e conhecimento dos homens e, ao mesmo tempo, um sentimento de repulsa pelas injustiças e pelos golpes de baixa política que ia testemunhando e dos quais procurava manter-se afastado, por imperativo ético, já que procurou sempre ser um magistrado íntegro e apostado em repor a justiça onde ela não tivesse sido feita.

O próximo passo da sua carreira foi o lugar – que ele próprio classifica de antipático – de velar pelo cumprimento da chamada “Lei da Rolha”, imposta à imprensa na sequência do Ultimato Inglês. Ainda em Lisboa, passa para um tribunal fiscal; depois é transferido para Sintra; e finalmente, em Novembro de 1895, é colocado como delegado do procurador régio da 3ª Vara do 2º Distrito de Lisboa, cargo de que pede a demissão em 1907, durante a ditadura de João Franco, voltando a sentir por esse facto grandes dificuldades económicas, que precipitaram a sua morte.

Apesar de ser “alegre como uma romaria” e “pequenino mas tesinho”, no dizer de Eugénio de Castro, Trindade Coelho era sujeito a ataques de neurastenia que o fragilizavam. A sua desilusão com a política e com a justiça, bem como o espectro da pobreza sua e dos seus (mulher e filho), amarguram-no. Foi na sequência de um desses momentos de desespero que se suicidou em Lisboa, em 9 de Agosto de 1908.

Ao longo de toda a sua vida Trindade Coelho vai escrevendo e publicando com notável regularidade.

A sua obra-prima, Os Meus Amores, sai em 1891. O segundo livro mais conhecido, In Illo Tempore, uma espécie de livro de memórias da vida estudantil de Coimbra, sai em 1902. 

Mas uma parte importante da sua obra é constituída por opúsculos de carácter jurídico, doutrinário, cívico e pedagógico, quando não de sátira às chicanas políticas da época, como A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro, em que faz “num estilo alegre de estudante, a autópsia dos ‘costumes políticos em Portugal’”. A educação do povo merece-lhe uma série de folhetos. Em 1902 escreve uma Autobiografia, dedicada a uma amiga de Hamburgo, Louise Ey. É um texto ameno e geralmente tido por fiável, que nos dá pistas para a compreensão tanto da sua vida como do seu carácter e também da sua obra. Só seria publicada em livro em 1910, num volume que incluía também alguma epistolografia, mas passaria a integrar Os Meus Amores a partir da 9ª edição.

Literariamente, Trindade Coelho pertence ao grupo de cultores do chamado conto rústico, de muita tradição na Literatura Portuguesa do séc. XIX e ainda no séc. XX. O seu protótipo em Portugal é O Pároco da Aldeia, de Alexandre Herculano. Júlio Dinis, Fialho de Almeida, Teixeira de Queirós, Rodrigo Paganino, Pedro Ivo são alguns dos mais conhecidos e apreciados cultores no séc. XIX desta ficção de matriz rural, que se impõe no nosso país um pouco em reacção contra os excessos do positivismo filosófico, idealizando e poetizando a vida tranquila do campo como alternativa à vida desumana e desumanizadora das grandes cidades.

O seu livro mais conhecido e também o mais conseguido, Os Meus Amores, é uma daquelas obras que conquistam e conservam os favores do público. Passados 105 anos sobre a primeira edição, continua a editar-se e a ler-se. Claro que a principal razão é a sua qualidade intrínseca. Trata-se na verdade de uma colectânea de contos de uma frescura e ausência de artificialismos sem paralelo na Literatura Portuguesa. Constituem um conjunto de evocações e quadros descritos com espontaneidade e simplicidade, compreensível a todos. Um toque de suave lirismo reforça-lhes o encanto e uma utilização da linguagem popular, em diálogos vivos, confere-lhe algum realismo. Alguns desses textos nem chegam a ser verdadeiros contos, faltando-lhes a acção (um pouco à maneira do que acontece nos contos do russo Anton Tchekov). Mas a todos sobra a emoção e o envolvimento afectivo do autor, que induz facilmente a empatia do leitor. É assim uma obra sui generis, com um cunho de originalidade que a diferencia de obras congéneres. O próprio Trindade Coelho se interroga e responde: “Mas então o que são os meus contos?! Não sei. Talvez saudades; e tenho a certeza de que se vivesse na minha terra (…) não os teria feito…”



* * *



As obras de Trindade Coelho não são muito férteis no que toca a referências a Vila Real. Mas algumas surgem, seja à terra propriamente dita, seja a jornais nela editados (A Folha de Villa Real e O Echo), seja a personalidades com ela relacionadas.

Por exemplo, a Camilo Castelo Branco, que sabemos pelo próprio Trindade Coelho (in Autobiografia) ter sido quem interferiu junto do ministro, muito provavelmente o da Justiça, Lopo Vaz de Sampaio e Melo, para que Trindade Coelho fosse despachado delegado do procurador régio no Sabugal, seu primeiro emprego. (Com Camilo, há aliás um outro ponto de contacto com Trindade Coelho: o remate que ambos puseram à existência.) A Lopo Vaz, vulto notável da política regeneradora, académico em Vila Real e notável colaborador da imprensa vila-realense, se refere Trindade Coelho na Autobiografia e em A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro (Costumes Políticos em Portugal), onde lembra a tentativa do ministro da Justiça para o convencer a aceitar ser deputado por Portalegre. Há também referências aos dois sobrinhos de Camilo, António e José de Azevedo Castelo Branco, destacados políticos regeneradores, nascidos em Vila Real, evocados em A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro e no livro de memórias de Coimbra, In Illo Tempore, onde são igualmente lembrados António Claro, uma das figuras do 31 de Janeiro, e José Pinto de Mesquita Gouveia, natural de Ervedosa do Douro, São João da Pesqueira, que Trindade Coelho define como «um dos académicos mais pândegos que têm andado em Coimbra», que veio a ser governador civil de Vila Real durante mais de dois anos e meio, após a morte em funções do Dr. António Tibúrcio Pinto Carneiro.

O nº 4 dos seus Folhetos para o Povo intitula-se Loas à cidade de Bragança, para que não dê o seu mando senão aos seus filhos, exortando esta cidade a que não se submeta a Vila Real.

O próprio Trindade Coelho reproduz o texto que integrará esse folheto, precedido de uma breve explicação, na nota G, que se reproduz em apêndice, de A Minha ‘Candidatura’ por Mogadouro. Nessa obra alude a um episódio eleitoral em que se vê envolvido contra vontade no distrito de Bragança, onde o Partido Regenerador pretendia colocar à frente da sua chefia política António Teixeira de Sousa – natural do distrito de Vila Real, à época ministro da Marinha e Ultramar, que havia sido governador civil de Bragança e viria a ser por duas vezes ministro da Fazenda e também presidente do último ministério da Monarquia. 

Trindade Coelho coloca-se do lado dos que defendiam no Jornal de Mirandella, de 10 de Novembro de 1900, que em Bragança se deve fazer política «com os seus vizinhos (vizinhos da porta: o contrário de vila-realenses) e nunca com os adventícios [inimigos da sua terra] (os tais marinheiros do couraçado ‘Aléu’ …)», numa referência transparente (embora alegadamente impessoal) à função ministerial de Teixeira de Sousa, à sua naturalidade e ao brasão de Vila Real."

Publicado no Grémio Literário Vila-Realense



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