Actualização de Dezembro 2008:
Artigo publicado no Público de 15 de Dezembro:
«Ainda se compram móveis aqui, mas a rua onde nasceu Sá Carneiro está a mudar
15.12.2008, João Pedro Barros
Nesta artéria conhecida pelas marcenarias já há um bar e uma galeria, e começam
a chegar novos habitantes. Estará a nascer um novo centro cosmopolita?
A Para a maior parte dos portuenses, a Rua da Picaria é sinónimo de móveis. A carpintaria e a marcenaria, a par da venda de mobiliário, ainda é a actividade dominante, mas o negócio atravessa um período de acentuada decadência. Ao mesmo tempo, sente-se nesta rua um sopro de modernidade que promete mudar a sua face nos próximos anos.
O expoente máximo desta renovação é a galeria de ilustração e desenho Dama Aflita, que abriu em Novembro. O espaço é pequeno, mas suficiente para albergar obras nestes suportes. "Queremos fomentar coisas de bairro, criar situações de diálogo, por exemplo, com as lojas de mobiliário", adianta Júlio Dolbeth, ilustrador, docente universitário e um dos promotores. O artista madrileno Luís Urculo, com trabalhos em técnica mista, é o primeiro a expor na galeria, que é "pioneira em Portugal" na sua abordagem. Na sala das traseiras está a Cinbol, uma empresa de organização de eventos e consultoria, nomeadamente de imagem. Estará a rua a ser contaminada pelos ares cosmopolitas da vizinha José Falcão, ou mesmo de Miguel Bombarda? Inês Costa e Simão Bolívar, os dois sócios da Cinbol, e Júlio Dolbeth, todos moradores na Baixa do Porto, acham que sim, e que as indústrias criativas vão dar cartas.
Nas lojas de móveis, o sentimento é distinto. O PÚBLICO visitou algumas (garantiram-nos que há seis em actividade, mas nem todas estavam abertas) e percebeu que está a terminar um ciclo. Há falta de condições de estacionamento e a maioria das peças tem um design datado. A actividade sobrevive graças a um punhado de clientes fiéis e de meia-idade. Os comerciantes resignam-se e também aceitam culpas: "Nunca estivemos unidos, e há coisas que não se pode mudar sozinho", admite José Carvalho, da Carvalho & Cunha, Lda.
Rua de "boas famílias"
Quem chegou a prometer mudar o país foi a mais célebre personalidade nascida nesta artéria íngreme, em 1934: Francisco Sá Carneiro. O primeiro presidente do PSD cresceu no número 49, uma casa ampla e própria de uma família burguesa, e montou ainda, do outro lado da rua, o seu escritório de advocacia. Hoje, é Miguel Veiga, também ele fundador do partido, que exerce a actividade na Picaria.
Ao andar de porta em porta, encontrámos o cicerone ideal para conhecer a história da vizinhança: Reinaldo Pereira, gerente de O Ernesto, restaurante de cozinha tradicional portuguesa, no número 85. O actual proprietário tomou conta do negócio em 1990, depois de o herdar do seu pai, Ernesto Pereira, que comprou o estabelecimento em 1968. Reinaldo Pereira viveu na Picaria desde os 14 anos, mesmo por cima do restaurante, e fala de uma rua de "boas famílias", onde antigamente "até vinha gente de Lisboa" comprar mobiliário. Do passado, guarda um episódio marcante: o dia da morte de Sá Carneiro, quando a massa humana que aguardava o comício em que o político deveria estar presente, no Coliseu, se dirigiu para a rua, após a notícia do acidente em Camarate. "Isto estava cheio de gente aos gritos, a gritar contra os comunistas. Era de arrepiar", relembra. Quanto ao restaurante, não se deixe enganar pelos azulejos datados da entrada: eles são o que resta dos distantes anos 60, porque agora O Ernesto tem duas acolhedoras salas (e até um pátio) nas traseiras, com uma pequena cascata e quadros de Henrique do Vale e Augusto Canedo. A comida é tradicional e de sabor caseiro e um cliente ponderado até pode sair de lá com uma conta de apenas dez euros.
Onde também há quadros nas paredes é na Moldursant, uma loja de molduras e materiais para Belas-Artes que já data de 1917. Esta casa é uma das referências do Porto para artistas e estudantes da área e consegue escapar à crise mais profunda dos "vizinhos" do mobiliário. Obras de artistas como Sobral Centeno e Júlio Resende foram sendo doadas à gerência e servem agora de decoração à loja. Alguns jovens artistas também deixam trabalhos em exposição na Moldursant, o que a torna numa espécie de galeria. Continuando nas artes, acrescente-se que o Teatro Art'Imagem tem aqui instalações. E resta-nos falar do Rosa Escura (o nome vem do seu papel de parede), por ora o único bar da rua. Só abre à noite, e o ambiente é calmo e acolhedor. Nesta antiga loja de bicicletas, há sempre peças de joalharia, quadros e esculturas em exposição.
Para quem se questiona sobre a origem do nome da rua, aqui vai a resposta: falar em picaria é o mesmo que falar em equitação e sabe-se que a artéria tinha várias actividades relacionadas com os cavalos, até ao primeiro quartel do século XX. Depois vieram os móveis. Estaremos na fase da transição para uma nova Picaria? Reinaldo Pereira julga que sim, e garante que um prédio recentemente recuperado tem os seus sete apartamentos "já alugados", e que se fala em mais projectos de reabilitação.
O PÚBLICO pôde verificar obras em pelo menos um imóvel. A Picaria parece estar a recuperar alguns moradores, principalmente jovens, depois de um processo de desertificação iniciado nos anos oitenta.»
Artigo publicado no Público de 15 de Dezembro:
«Ainda se compram móveis aqui, mas a rua onde nasceu Sá Carneiro está a mudar
15.12.2008, João Pedro Barros
Nesta artéria conhecida pelas marcenarias já há um bar e uma galeria, e começam
a chegar novos habitantes. Estará a nascer um novo centro cosmopolita?
A Para a maior parte dos portuenses, a Rua da Picaria é sinónimo de móveis. A carpintaria e a marcenaria, a par da venda de mobiliário, ainda é a actividade dominante, mas o negócio atravessa um período de acentuada decadência. Ao mesmo tempo, sente-se nesta rua um sopro de modernidade que promete mudar a sua face nos próximos anos.
O expoente máximo desta renovação é a galeria de ilustração e desenho Dama Aflita, que abriu em Novembro. O espaço é pequeno, mas suficiente para albergar obras nestes suportes. "Queremos fomentar coisas de bairro, criar situações de diálogo, por exemplo, com as lojas de mobiliário", adianta Júlio Dolbeth, ilustrador, docente universitário e um dos promotores. O artista madrileno Luís Urculo, com trabalhos em técnica mista, é o primeiro a expor na galeria, que é "pioneira em Portugal" na sua abordagem. Na sala das traseiras está a Cinbol, uma empresa de organização de eventos e consultoria, nomeadamente de imagem. Estará a rua a ser contaminada pelos ares cosmopolitas da vizinha José Falcão, ou mesmo de Miguel Bombarda? Inês Costa e Simão Bolívar, os dois sócios da Cinbol, e Júlio Dolbeth, todos moradores na Baixa do Porto, acham que sim, e que as indústrias criativas vão dar cartas.
Nas lojas de móveis, o sentimento é distinto. O PÚBLICO visitou algumas (garantiram-nos que há seis em actividade, mas nem todas estavam abertas) e percebeu que está a terminar um ciclo. Há falta de condições de estacionamento e a maioria das peças tem um design datado. A actividade sobrevive graças a um punhado de clientes fiéis e de meia-idade. Os comerciantes resignam-se e também aceitam culpas: "Nunca estivemos unidos, e há coisas que não se pode mudar sozinho", admite José Carvalho, da Carvalho & Cunha, Lda.
Rua de "boas famílias"
Quem chegou a prometer mudar o país foi a mais célebre personalidade nascida nesta artéria íngreme, em 1934: Francisco Sá Carneiro. O primeiro presidente do PSD cresceu no número 49, uma casa ampla e própria de uma família burguesa, e montou ainda, do outro lado da rua, o seu escritório de advocacia. Hoje, é Miguel Veiga, também ele fundador do partido, que exerce a actividade na Picaria.
Ao andar de porta em porta, encontrámos o cicerone ideal para conhecer a história da vizinhança: Reinaldo Pereira, gerente de O Ernesto, restaurante de cozinha tradicional portuguesa, no número 85. O actual proprietário tomou conta do negócio em 1990, depois de o herdar do seu pai, Ernesto Pereira, que comprou o estabelecimento em 1968. Reinaldo Pereira viveu na Picaria desde os 14 anos, mesmo por cima do restaurante, e fala de uma rua de "boas famílias", onde antigamente "até vinha gente de Lisboa" comprar mobiliário. Do passado, guarda um episódio marcante: o dia da morte de Sá Carneiro, quando a massa humana que aguardava o comício em que o político deveria estar presente, no Coliseu, se dirigiu para a rua, após a notícia do acidente em Camarate. "Isto estava cheio de gente aos gritos, a gritar contra os comunistas. Era de arrepiar", relembra. Quanto ao restaurante, não se deixe enganar pelos azulejos datados da entrada: eles são o que resta dos distantes anos 60, porque agora O Ernesto tem duas acolhedoras salas (e até um pátio) nas traseiras, com uma pequena cascata e quadros de Henrique do Vale e Augusto Canedo. A comida é tradicional e de sabor caseiro e um cliente ponderado até pode sair de lá com uma conta de apenas dez euros.
Onde também há quadros nas paredes é na Moldursant, uma loja de molduras e materiais para Belas-Artes que já data de 1917. Esta casa é uma das referências do Porto para artistas e estudantes da área e consegue escapar à crise mais profunda dos "vizinhos" do mobiliário. Obras de artistas como Sobral Centeno e Júlio Resende foram sendo doadas à gerência e servem agora de decoração à loja. Alguns jovens artistas também deixam trabalhos em exposição na Moldursant, o que a torna numa espécie de galeria. Continuando nas artes, acrescente-se que o Teatro Art'Imagem tem aqui instalações. E resta-nos falar do Rosa Escura (o nome vem do seu papel de parede), por ora o único bar da rua. Só abre à noite, e o ambiente é calmo e acolhedor. Nesta antiga loja de bicicletas, há sempre peças de joalharia, quadros e esculturas em exposição.
Para quem se questiona sobre a origem do nome da rua, aqui vai a resposta: falar em picaria é o mesmo que falar em equitação e sabe-se que a artéria tinha várias actividades relacionadas com os cavalos, até ao primeiro quartel do século XX. Depois vieram os móveis. Estaremos na fase da transição para uma nova Picaria? Reinaldo Pereira julga que sim, e garante que um prédio recentemente recuperado tem os seus sete apartamentos "já alugados", e que se fala em mais projectos de reabilitação.
O PÚBLICO pôde verificar obras em pelo menos um imóvel. A Picaria parece estar a recuperar alguns moradores, principalmente jovens, depois de um processo de desertificação iniciado nos anos oitenta.»
2 comentários:
A 2ª fotografia faz-me lembrar as diversas vezes que fui ter com o meu pai ao trabalho dele - TLP, agora Portugal Telecom
Também ainda me lembro daqueles grandes portões normalmente fechados! Tinham ainda o símbolo do "sininho" com as letras: APT.
Mas já foi há muitos anos, mesmo muitos.
Eu também ia lá esperar a saída da minha mãe.
Não nos esqueçamos que nesses anos as telefonistas eram obrigadas a pedir autorização aos administradores da empresa para se casarem!!!
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