11.9.07

As Ruas do Porto no século XIX

O Porto de Júlio Dinis

por Jorge Vilas em "Jornal de Notícias"

Júlio Dinis em "Uma Família Inglesa", editado em 1867, escreve que o Porto do seu tempo se dividia naturalmente em três regiões, distintas por (possuírem) fisionomias particulares. Eram elas a região oriental, a central e a ocidental ... sendo que na segunda predominava o portuense propriamente dito; na oriental, o brasileiro de "torna viagem" ; e na ocidental, o inglês, por nela terem as suas residências os súbditos de Sua Majestade que se dedicavam ao comércio do Vinho do Porto.

Aquele que deu à estampa, um ano mais tarde, "A Morgadinha dos Canaviais" é muito crítico em relação ao que ele designa, também de bairro central. Diz ele que ali predominam "a loja, o balcão, o escritório, a casa de muitas janelas, as crueldades arquitectónicas a que se sujeitam velhos casarões com o intuito de os modernizar"... Fala ainda da "rua estreita muito vigiada de polícias"; das "ruas em cujas esquinas estacionam galegos armados de pau e corda"; das "ruas ameaçadas de procissões, as mais propensas à lama"; daquelas "onde mais se compra e vende, onde mais se trabalha de dia, onde mais se dorme de noite". Para aquele que, além de escritor, também foi lente da Escola Médico Cirúrgica do Porto, no bairro central do Porto tinha ainda "muitos ares do velho burgo do bispo, não obstante as aparências modernas que revestiu".

E agora, que pensava Júlio Dinis da região (ou bairro) ocidental ? Era, naquele tempo - e ainda hoje o é em grande medida - uma zona da cidade onde predominava uma "arquitectura despretensiosa, mas elegante; janelas rectangulares; o peitoril mais usado do que a sacada". Em suma era "uma manifestação de um viver mais íntimo, porque o peitoril tem muito menos de indiscreto do que a varanda". Muitas dessas residências situavam-se ao fundo dos jardins "assombrados de acácias, tílias e magnólias, cortados de avenidas tortuosas". A todos os títulos, um viver recolhido "chaminés fumegando quase constantemente, persianas e transparentes de fazerem desesperar curiosidades"...

Por último o bairro (ou região) ocidental, segundo Júlio Dinis. Ele descreve-o, já o referimos, como a zona da cidade mais procurada pelos "capitalistas que recolhem da América". Camilo Castelo Branco era muito caustico com os usos e costumes destes "brasileiros"; Júlio Dinis, não lhe fica atrás, embora a sua crítica fosse mais "soft". Predominam, escreveu ele ainda em "Uma Família Inglesa", que as construções naquela zona eram "enormes moles graníticas, a que chamam palacetes, o portal largo, as paredes a azulejo azul, verde ou amarelo, liso ou de relevo (...) portões de ferro com o nome do proprietário e a era da edificação". "E , remata ele, pelas janelas quase sempre algum capitalista ocioso" !

Este "Bairro dos Brasileiros" desenvolveu-se à custa de Quinta do Cirne, um vasto território portuense que ficaria hoje entre S. Lázaro e o cemitério do Prado do Repouso; e entre o Campo de 24 de Agosto e a Praça da Alegria. Aquela vasta quinta fora comprada por uma parceria de capitalistas, entre eles alguns "brasileiros", aos herdeiros de Francisco Cirne Madureira e, a pouco e pouco, transformou-se numa urbanização populosa e elegante. Não obstante, os abastardamentos que foram introduzidos ao longo de mais de um século aquela zona da cidade ainda hoje mantém um ar de "boulevard" parisiense em miniatura, é certo, mas mesmo assim digna da admiração de dois jornalistas gauleses que, comigo, flanaram pelas duas do Duque de Saldanha, do Barão de S. Cosme e Avenida de Rodrigues de Freitas, entre outras.

A zona desenvolveu-se a partir de 1875, quando, concluída a Ponte de Maria Pia, abriu a que é hoje Estação de Campanhã. Ela, por si só, uma outra fisionomia da cidade.


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