19.9.07

Compreender a toponímia lendo velhos almanaques

Artigo de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias


Quem quer que pretenda saber um pouco mais acerca da antiga toponímia do Porto dificilmente conseguirá atingir os seus objectivos se dispensar a leitura dos roteiros , insertos em velhos almanaques dos finais do século XIX, guias e elucidários.

Acabo de folhear um desses livrinhos ("Elucidário do Viajante no Porto"), publicado em 1864, e confesso que os meus conhecimentos sobre a localização de algumas artérias da cidade, entretanto desaparecidas, ficaram muito mais enriquecidos depois da leitura desse volume de pouco mais de 150 páginas e que se vendia por 600 reis o exemplar.

Começo por um sítio que me é muito querido a zona da Praça dos Poveiros e imediações. Ainda hoje por ali topamos com nomes de artérias que nos trazem à memória o ambiente de ruralidade que deve ter caracterizado aqueles sítios em tempos idos: Arrabalde e Campinho, por exemplo.

Leio sobre esta zona uma curiosa descrição "… a estrada que da cidade do Porto conduzia, pelo lugar de Valongo, até Penafiel e Vila Real, principiava na Rua de Entre-Muros ou de Entre- Paredes, a qual ainda conserva esse nome, seguia pelo Campinho, Largo do Arrabalde, devesal do Caramujo, no ponto do Padrão, passava no Largo de Mijavelhas (actual Campo de 24 de Agosto) e indo pelo chão dos Olivais (Rua do Bonfim) passava ao lado do monte de Godim…"

O devesal do Caramujo (lugar abundante em árvore e pastos) desapareceu quando se rasgou a Rua da Alegria. Ao certo não se sabe qual é a origem desse nome, mas o mais provável é que tenha origem no apelido de um dos dois mais importantes proprietários locais André Gonçalves, o Caramujo, que vivia em Miragaia; e o licenciado João Alvares Caramujo. Com a designação de Caramujo houve uma rua e uma viela, que são já coisa do passado.

A propósito do "chão dos Olivais", nome antigo dado à actual Rua do Bonfim, era por esse "chão" que, no tempo da Quaresma, passava uma imponente Via Sacra que tinha o seu começo junto da capela de Nossa Senhora da Batalha, à entrada da Rua de Cima de Vila, e que terminava no alto do Monte de Godim, onde se construiu a igreja paroquial do Bonfim.

A actual Rua de Santo Ildefonso (antiga Rua Direita) ainda não existia como artéria, quando se deu início ao culto da Via Sacra.

A rua, que também teve o nome de 23 de Julho, em memória do combate da Ponte de Ferreira, travado entre liberais e absolutistas durante a guerra civil (1832/33), foi rasgada ao longo de terrenos que faziam parte do Campo dos Trapeiros, no lugar da Pocinha, e daí que a sua primeira designação tivesse sido a de Rua dos Trapeiros.

Tomando como ponto de partida a Praça da Batalha, ao tempo em que ainda lá existia a Capela de Nossa Senhora da Batalha, quem, ainda no século XVIII, se dirigisse na direcção do Norte tinha obrigatoriamente que meter por uma estreita artéria chamada Viela dos Matos, posteriormente crismada de Viela do Adro ( do adro da igreja de Santo Ildefonso) que dava acesso à actual Rua de Santa Catarina.

Por aqueles tempos, os terrenos compreendidos entre as actuais ruas de 31 de Janeiro e de Santa Catarina ainda não estavam totalmente urbanizados. Faziam parte de quintas ou eram terrenos de cultivo e lavradio. A dona das mais importantes parcelas era a D. Antónia Adelaide Ferreira, a célebre Ferreirinha da Régua.

Onde foi construído o edifício do actual Grande Hotel do Porto havia a Viela das Pombas, que é hoje uma rua com o nome de António Pedro. Em tempos idos, esta artéria tinha ligação com a desaparecida Viela da Neta, que foi substituída, em parte, pela moderna Rua de Sá da Bandeira. A Viela da Neta, de triste memória, tinha também ligação com a actual Rua Formosa, numa altura em que a esta artéria se dava a popular designação de Rua do Enforcado. Esta denominação anda ligada a um triste episódio que ocorreu por ali e teve como protagonistas um galego e a sua ama. Aquele assassinou a patroa para a roubar. Não tardou a ser preso e a forca, onde foi condenado a morrer, levantou-se em frente à casa da ama. Depois da execução, a cabeça e as mãos do galego ficaram pregadas na forca por muito tempo…




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