21.8.08

Obras que o bispo de Viseu mandou fazer na foz do Douro


«Num tomo referente à igreja e Couto de S. João da Foz do Douro, que se guarda no Arquivo Distrital do Porto, existe um códice, dos começos do século XVII, em que se fazem minuciosas e não menos laudatórias referências às obras mandadas fazer naquele lugar por D. Miguel da Silva, bispo de Viseu e abade comendatário do mosteiro beneditino de Santo Tirso a cuja jurisdição aquele couto pertencia.

Consta do documento em questão que o referido prelado mandou ali construir "a igreja de S. João da Foz, cousa mui grandiosa…"

É por demais evidente que a referência não diz respeito ao templo actual, mas sim à igreja quinhentista, a primeira no estilo renascentista que se construiu em Portugal e que desapareceu quando, no seu lugar, se levantou a fortaleza de S. João da Foz do Douro. No interior do castelo ainda se podem ver vestígios dessa antiga igreja.

O trecho atrás referido menciona também, como tendo sido mandadas fazer por D. Miguel da Silva, as seguintes obras "… um farol que já não há "; "… uma guarita dentro da água que é como baliza, a modo de padrão, para se desviarem as embarcações do penedo que está junto a ela "; e "… na Cantareira, uma ermida de Nossa Senhora, obra real e, em um lanço dela, para a parte do rio, pôs um letreiro…"

Quanto à ermida, parece não haver dúvida tratar-se da pequena capela de planta quadrada e sólida construção, que logrou resistir a mais de quatro séculos de malfeitorias, do tempo e dos homens, e chegou até aos nossos dias, sendo no entanto conhecida por "Ermida de S. Miguel-o-Anjo".

Há dois letreiros colocados "para a parte do rio". Aquele que vem referido no texto em análise, deve ser uma inscrição gravada no granito da fachada sul, agora já quase ilegível, onde em tempos se podia perfeitamente ler o seguinte " SALVOS IR RD" que quereria dizer: " SALVOS IRE ROGO DEUM " ou seja, por outras palavras, "Rogo a Deus que voltem sãos e salvos…"

Bom, e o resto ? Que "baliza", "padrão" e "guarita" eram aquelas que o bispo de Viseu mandara fazer "dentro da água" ? E que farol era aquele "que já não há…"? Pois foi preciso esperar pela segunda metade do século XIX, para que sobre este assunto se fizesse alguma luz.

Tudo começou em 1862, no decurso das obras de extracção de pedra que decorriam na barra do Douro, mais concretamente no fundo do rio. A certa altura, os mergulhadores que se ocupavam com aquelas tarefas trouxeram para a superfície uma estátua de granito que representava a figura de um homem " vestido à romana e envolto em uma capa, com uma das pontas traçadas sobre um dos braços estendidos".

As primeiras análise que se fizeram revelaram que a estátua, "de boa concepção artística", deve ter estado debaixo de água por mais de um século.

Durante muito tempo o estranho achado suscitou a curiosidade pública e muita gente, não apenas do Porto mas também das terras limítrofes, acorreu à Foz para observar a estátua.

As mulheres diziam que era um santo e queriam, a toda a força, que fosse levado para o interior da igreja paroquial. Mas o destino foi outro mandaram-no para o Museu Arqueológico do Carmo… em Lisboa.

As notícias que deram a conhecer aquele curioso achado referiram, dias depois, que, no mesmo sítio onde aparecera a escultura, haviam sido encontradas, também, "colunas, alguns capitéis e a base de uma delas…"

E logo a seguir, exactamente do mesmo sítio, foi retirada uma lápide com a seguinte inscrição latina "Michael Silvivs / Episcop Visens / Navigantion / Salvtis cavsa / Turris II Fecit / Et IIII Colvmnas / Posvit - Ann. M.D. XXX VI "

A inscrição quer diz que D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, mandou fazer duas torres e quatro colunas para guia dos navegantes, no ano de 1536. Dois anos antes da conclusão da ermida de S. Miguel-o-Anjo. Em tempos muito recuados, os marinheiros que pretendessem entrar no rio Douro, orientavam-se através de um alto pinheiro.

Mas a árvore um dia ardeu e, em 1533, foi substituída, dizem as crónicas, por marcas de pedra colocadas mesmo à entrada da barra "para servirem de guia ás embarcações que desejassem entrar no Douro…"

Parece não haver dúvidas de que as colunas, as bases, os capitéis, a pedra com a inscrição e a estátua, retiradas do fundo do rio, a partir de 1862, deviam fazer parte de uma estrutura mandada fazer por D. Miguel da Silva para orientação dos barcos na entrada da barra.

Assim temos que todos aqueles achados devem ter feito parte do farol "que já não há", da guarita construída "dentro da água", bem como da " baliza a modo de padrão".»

Germano Silva



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