12.1.13

Rua da Picaria 2012 | ou "os cavalos na rua da Picaria"

331212

Há ruas assim como esta que fazem parte do “viver a cidade”. Ficam conhecidas por isto ou por aquilo durante anos ou décadas e depois, de repente, passam para o esquecimento colectivo.

A rua da Picaria é uma delas. Durante décadas a Picaria eram as lojas de móveis populares, baratos. Daqueles móveis que se compravam para passar com uma mão ou duas de robiallac comprada na drogaria mais próxima, por vezes também se passava bioxéne para esconder os nós do pinho.

A rua da Picaria era a rua dos móveis como a rua das Flores era a rua das ourivesarias, a do Almada das ferragens e a de Cedofeita dos chapeleiros e das lojas de sapatos, a rua da Fábrica para os livros escolares, etc.

Nesses anos a renovação da cidade abria o espaço da Praça da D. Filipa e nascia a rua de Ceuta. O topónimo já tinha passado da memória mesmo dos mais antigos portuenses. Os automóveis já tinham substituído os veículos de tracção animal, os tripeiros já não associavam Picaria com picadeiro nem com cavalos. Foi nesse tempo que eu comecei a conhecer a rua da Picaria. 

Durante anos e anos subi e desci essa rua sem cavalos mas com camiões a carregar ou a descarregar mercadorias. Por vezes entre o cheiro a gasóleo aparecia o odor da madeira ainda mal seca. Embora com passeios estreitos era uma rua que eu utilizava várias vezes para regressar da avenida. 

No início da rua o lado esquerdo era mais divertido. Logo ali à esquina havia a Companhia dos Telefones com o sino da APT nos grandes portões, depois, quase a seguir havia a montra de uma pensão que invariavelmente tinha uma pescada com uma peça de fruta na boca. Depois havia aquele prédio grande e imponente sempre com as portas fechadas que me diziam que era da condessa de Lumbrales, mais acima lojas que já tinham montras. Do lado direito só me lembro da loja das molduras e mesmo na esquina do largo da loja das motorizadas. Ah, ia-me esquecendo, por vezes naquelas janelas da sobre-loja de um prédio surgia a cabeça e o cigarro do Dr. Arlindo de Magalhães, quando ele não estava na livraria da rua Ricardo Jorge. 

Sinceramente não eram desse tempo as cavalariças do palacete Lumbrales, eu diria mesmo que já existia o prédio recente onde funcionou o célebre escritório de advogados do dr. Francisco Sá Carneiro e outros.

Um dia comecei a construir este blogue sobre as ruas. Eu bem procurei nos textos e nas imagens a prova da existência de cavalos e outras referências ao equídeos. Nada! Nem argolas nas paredes nem ferros a proteger as entradas.

Um dia na farmácia da rua da Conceição fiquei a saber que em tempos idos tinha sido lá uma estação de Mala-posta. Mas era frágil como índice para a importância do nome. De outra vez faço uma breve visita a um dos comércios e reparo a existência de uns degraus com forma bizarra. Foi-me esclarecido que eram especiais para os cavalos poderem descer até às cavalariças que se encontravam no antigo quintal do lado da rua do Almada. 

O registo fotográfico foi feito posteriormente e a minha “história” aqui fica a acompanhá-lo.



4 comentários:

Carlos Cunha disse...

Caro amigo, subo e desço, muitas vezes a Rua da Picaria. Um pormenor deste interessante 'post' : a referência a um meu antigo professor de história, Arlindo Magalhães e com o incontornável detalhe do cigarro. Aliás, o cigarro morredouro era a ignição do seguinte. Abraço Teo

T D disse...

Carlos,
Não é só teu! também eu conheci aquela salita de tecto baixo. sombria. com cinza no chão. estou a vê-lo a falar para dentro e a fumar para fora. prisca molhada fonte de ignição para o próximo que lhe aparecia do outro lado. só sei que com ele consegui aprender coisas que não tinha apreendido até então. ai se eu começasse a falar das pessoas que conheci nos anos 60 em relação às ruas... que eu frequentava na altura. era um rosário de historietas. O dr. Arlindo conheci-o ainda menino de calções por cima do joelho. e foi com um familiar dele que provei pela primeira vez cana de açúcar no antigo hotel de Miramar. O dr. Arlindo é um homem que merece todo o meu respeito. há muitos anos que nada sei dele. a livraria fechou. penso que ele já não está entre nós!

António Laúndes disse...

Importante foi também o alfarrabista à esquina da Rua da Picaria com a Rua da Conceição. Neste alfarrabista não me lembro de vender nem de comprar nada... mas desfolhei e li algumas páginas...

Unknown disse...

Obrigado pelas Vossas palavras de apreço ao meu pai. Apesar de ter falecido, há alguns anos, é sempre bom saber que apesar dos anos e da distância a sua marca ainda está bastante presente. O Porto são cheiros, memórias, caminhos... A nossa cidade foi feita por pessoas e a sua história será sempre perpetuada no futuro dos nossos jovens, através destas pequenas lembranças.