O desaparecido mercado do peixe
Julgo que acontece com muito mais gente aquilo que se passa comigo percorremos todos os dias um determinado número de ruas desta cidade, julgamos que acerca dela sabemos tudo, até a sua própria história e, de repente, surge uma informação que nos leva a pensar exactamente o contrário - que nada sabemos da origem dos sítios que até aí nos pareciam familiares.
A crónica de hoje é uma espécie de teste aos conhecimentos do leitor acerca da história de meia dúzia de lugares e dos mais conhecidos da nossa cidade.
Tomemos como ponto de partida o Largo da Ramada Alta. Sabe-se muito pouco sobre a origem desta designação. Que tem a ver com as características rurais que o sítio teve no passado, parece não haver dúvida.
Logo a seguir temos a Rua do Barão de Forrester. O nome deste súbdito britânico só muito recentemente foi dado a esta artéria.
Até meados do século XIX toda esta zona era considerada um arrabalde da cidade e tinha ainda um aspecto verdadeiramente rústico.
A rua em análise, que chegou a ser a continuação da Rua de Cedofeita, chamou-se, antes disso, Rua do Ribeirinho, por causa de um pequeno curso de água que ali corria a céu aberto e que alimentava a chamada Fonte do Ribeirinho ou dos Ablativos.
O curso de água era tão pequeno que passou a ser designado pelo diminutivo de ribeiro…
E eis-nos chegados à Rua de Cedofeita. Não vou perder tempo a explicar a origem lendária e simplista da expressão latina "cito-facta" ou seja, "cedo-feita".
A urbanização desta rua é relativamente recente. E se tivermos em conta que uma artéria só começa verdadeiramente a ser "gente" quando é bordejada de casas temos de aceitar que estamos perante uma rua relativamente moderna enquanto aglomerado urbano.
No século XVIII a artéria ainda não estava totalmente urbanizada e o povo designava-a por Rua da Estrada. A velha estrada que da medieval Porta do Olival seguia para Vila do Conde, Barcelos e Guimarães.
Foi já no século XIX que se começaram a urbanizar terrenos como o campo da Corredoura, o lameiro do Carril e o casal da Cruz, que chegou a dar o nome a uma parte da actual Rua de Cedofeita.
Prosseguindo na caminhada, sempre com a Torre dos Clérigos por fundo, vamos dar direitinhos à moderna Praça de Carlos Alberto, antiga Praça dos Ferradores, por os deste ofício ali terem as suas oficinas; mas que também se chamou Largo da Feira das Caixas porque por ali se faziam as caixas de madeira em que os emigrantes que iam para o Brasil metiam o seu modesto bragal.
Aqui chegados ocorre perguntar onde ficava por estes sítios a "Rua do Outeiro, por detrás do Carmo, que vai dos Ferradores para Cedofeita…" Julgamos tratar-se da actual Travessa do Carregal também indicada em documentos antigos como ficando "à entrada da Rua de Cedofeita…"
Neste sitio cruzavam-se várias estradas e caminhos que tendo como ponto de referência a já citada Porta do Olival daqui continuavam para Guimarães, Braga, S. Tiago de Compostela, Barcelos, etc. Não é de estranhar, por isso, que ali se tivessem estabelecido várias estalagens com "seus cómodos, assim para pessoas como para bestas…"
As mais famosas situavam-se "no caminho para o Moinho de Vento", um dos raros topónimos antigos ainda existente. Serviu para designar um largo, uma rua e uma travessa. Prevalece apenas no largo através do qual se chega a um pequeno logradouro onde em tempos não muito distantes se fazia a Feira do Pão.
O logradouro em causa é a Praça de Guilherme Gomes Fernandes que ao tempo em que ali havia o mercado se chamava Praça de Santa Teresa. E antes disso foi o Campo da Via Sacra ou do Calvário Velho, por se situar ali a cruz que evocava a última estação de uma "Via Crucis" que começava junto à Sé e acabava neste planalto.
A designação de Calvário Velho tinha uma explicação era para distinguir do Calvário Novo que ficava para as bandas do antigo Mercado do Peixe, na Cordoaria. As cruzes desta Via Sacra estavam implantadas na Rua do Dr. Barbosa de Castro que, por isso, se chamava Rua do Calvário. Que pena que lhe tivessem mudado o nome…
A nossa digressão em retrospectiva terminou na Cordoaria, junto ao desaparecido Mercado do Peixe. Um sítio que, estou seguro, ainda está na memória de muitos dos leitores destas crónicas. Começado a construir em 1869, em terrenos que anteriormente havia sido ocupados por dois espaçosos armazéns a que se dava o nome de Celeiros da Cordoaria, também chamados Celeiros do Pão, o mercado durou praticamente até aos nossos dias, até à construção do Palácio da Justiça, em 1961. Para aqueles que já não conheceram esse mercado portuense fazemos aqui uma pequena mas emotiva evocação do que era a vida quotidiana dentro e fora do mercado. Pode dizer-se que o ambiente era de romaria popular. No largo fronteiriço havia todos os dias um formigueiro de gente que se movimentava num constante vai-vém, por entre o alarido dos pregões como nos tempos em que por aquelas bandas se fazia a Feira de S. Miguel.
Nasci no Porto. Desde muito jovem percorri ruas e lugares. Frequentei pessoas e acontecimentos. Afastei-me da cidade. Voltei ao lugar onde vi a Luz. Com o passar do Tempo libertei-me de um certo bairrismo. A cidade não é minha, mas eu sou desta terra.
30.10.07
Viagem em retrospectiva da Ramada Alta à Cordoaria
Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias
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