15.10.14

Manuel Pinto de Azevedo e o Primeiro de Janeiro (OBRIGADO, MANUEL PINTO DE AZEVEDO)


Ontem quando publicava o artigo sobre a rua Manuel Pinto de Azevedo (pai) lembrei-me que o Onofre Varela possuia um texto sobre a sua chegada ao jornal "O Primeiro de Janeiro".

Na verdade que o recebeu não foi este mas o seu filho.

Desde já agradeço ao Onofre o facto de me ter disponibilizado o texto e o desenho que o acompanha.


2014 PJaneiro Varela


OBRIGADO, MANUEL PINTO DE AZEVEDO

Publicar desenhos no jornal O Primeiro de Janeiro  (PJ) era coisa
impensável para mim. Um jornal tão sério, com tão ilustres
colaboradores, feito e lido por pessoas tão importantes, não teria,
seguramente, um lugar para alguém tão insignificante como eu. Por isso
decidi oferecer os meus serviços a O Comércio do Porto e ao Jornal de
Notícias, jornais que considerava mais populares.
De ambos, porém, obtive resposta negativa.
Estavamos em 1964.

A vontade de fazer desenhos para um jornal tomara conta de mim, e no
Porto sobrava O Primeiro de Janeiro para tentar essa sorte.
Esperei quatro anos! Três deles cumprindo o serviço militar e o outro
ganhando forças e coragem para vencer a timidez que me atava,
impedindo-me de lhes ir bater à porta.

Por fim escrevi ao director do PJ, e à carta juntei alguns desenhos.
A resposta não foi demorada. Trouxe-ma o carteiro: "Passe por cá para
conversarmos". e assinava-a o senhor Daniel Constant.
Foi um dia feliz! o Jornal Grande, onde eu não antevia lugar de
colaborador, aceitava conversar comigo com vista a uma possível
colaboração como ilustrador!

O pior para mim foi passar por lá!...
E a ideia de ter de conversar... queimava-me as entranhas!
Deixei passar o tempo com o peso medonho do contacto pessoal a
atormentar-me os dias.
Passava em Santa Catarina e ficava parado à porta do jornal a olhar o
átrio amplo e marmóreo. E as montras. Aquelas montras onde tantas
vezes admirei as decorações desenhadas pelo mestre Júlio Resende... e
os bonecos do Matulinho!

O PJ tem grande responsabilidade no meu gosto pelo desenho.
Em miúdo passei horas a copiar o Reizinho e toda a sua corte de
personagens, e o D. Lucas e a Dona Periliquitetes! E os retratos de
Allan Lad, Toni Curtis. Gina Lollobrígida, Errol Flyn... e tantas
outras estrela de Hollywood com fotografia publicada a cores nas
páginas de Teatro e Cinema.

Foi essa intimidade de longos anos com O Primeiro de Janeiro que me
empurrou escada acima.
O imenso vitral e o relevo do alto das paredes esmagavam-me.
O coração queria saltar do peito.
Um austero porteiro de farda cinzenta, em secretária de estilo,
indicou-me uns assentos de couro duro em corredor cinzento. Esperei.
O austero porteiro, vim a conhecê-lo depois, era o senhor Dias; um
bondoso homem.

Fui atendido pelo senhor Daniel Constant que se lembrava de me ter
escrito e estranhou a minha demora em comparecer. Bom conversador,
envolveu-me em intensas palavras e no aroma agradável do seu charuto.

Depois fez-me entrar no gabinete do director: uma imensa sala com
altos reposteiros e maples de couro semi-ocultos por montes de jornais
e revistas.
Sobre uma das pilhas, um televisor permanecia em difícil equilíbrio.

O senhor Manuel Pinto de Azevedo atendeu-me cordialmente.
Agradou-me aquele rosto sereno que me falava com um sorriso e onde eu
encontrava impressionantes semelhanças com Walt Disney!

O que aconteceu depois não me parecia ser real: Manuel Pinto de
Azevedo aceitou a minha colaboração de ilustrador, e ali mesmo me
encomendou uma série de desenhos humorísticos para publicação diária
nas páginas de férias cuja data de saída se avizinhava.
Depois endossou-me para o senhor Adalberto Sampaio, artista gráfico e
colaborador permanente do jornal, que me disse das condições técnicas
em que devia apresentar os desenhos.

Foi o abrir da porta grande por onde entrei no mundo fascinante do jornalismo.
Da camaradagem que n'O Primeiro de Janeiro encontrei, guardo as
melhores recordações.
As ilusões, os desenganos e as oportunidades que vieram depois povoar
o meu percurso profissional, são elementos de outras histórias. Nesta,
apenas cabe o abrir do portão dourado do castelo da comunicação
social, pelas mãos desse mago cuja memória me merece a mais profunda
gratidão.
Obrigado, Manuel Pinto de Azevedo.

Onofre Varela

(Texto e ilustração inseridos no catálogo da exposição "Onofre Varela,
25 anos de Cartoon e Ilustração de Imprensa. Coliseu do Porto, Salão
Jardim. Janeiro de 1994")


Do mesmo autor encontrarão também aqui no blogue "A Casa da Rata do CICA".

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