28.10.08

Nomes e actividades de certas ruas da cidade

Na história da toponímia portuense, há um trabalho que está por fazer o levantamento dos nomes já desaparecidos de algumas artérias da cidade. Um trabalho que se nos afigura de muito interesse para o cidadão comum e de grande utilidade para os estudiosos da história do Porto. Mas esse trabalho não se deve limitar à enumeração pura e simples dos topónimos que foram erradicados das esquinas de múltiplas ruas portuenses. Será imprescindível informar sobre a sua origem e, fundamentalmente, explicar quais foram as razões que originaram tais substituições.

Em regra, essas mudanças obedecem a objectivos políticos de todo arredados dos critérios que devem ter em conta os interesses históricos do Porto. Como exemplo vou citar alguns casos servindo-me de apontamentos que em tempos coligi para um trabalho que trago em mãos sobre a zona do antigo Campo do Olival. Mas não me cingirei unicamente, a esta interessante área da cidade. Oficialmente não temos no Porto nenhum topónimo que recorde a antiga e importante actividade dos cordoeiros.

Continuamos a dizer Cordoaria quando nos referimos ao actual Jardim de João Chagas. Mas, oficialmente, aquela denominação já não existe. Este topónimo designou também uma rua - da Cordoaria Velha para a diferenciar da nova. Trata-se da artéria que tem agora o nome de Francisco da Rocha Soares.

As mudanças de nomes de ruas que mais bradaram aos céus, ocorreram em 1875 e foram produzidas através de um edital camarário. Meia dúzia de casos para amostra na zona do Campo Alegre havia a Rua dos Coutos, denominação que foi substituída pela de Beco do Campo Alegre, quando já havia a rua deste nome.

No Bonfim substituíram a curiosa e popular denominação de Travessa da Feiticeira pela de Travessa do Campo 24 de Agosto. Outra repetição, se calhar, desnecessária. Mas há mais na actual Travessa da Rua Chã funcionou a cadeia. Por isso a artéria se chamou, durante anos e anos, Viela da Cadeia. O que terá levado os "entendidos" destas coisas a substituir a antiga nomenclatura ? O local até é interessante do ponto de vista histórico. Esteve ali uma capela dedicada à Santíssima Trindade cuja construção lembrava um memorável sermão que o padre jesuíta Francisco Estrada pregou em 1546 na Porta do Olival.

E como eu gostava de saber onde ficava a Travessa Donatária, em Cedofeita? E a localização precisa da medieval Rua do Mend'Afonso e da Viela do Pasteleiro, nas imediações do actual Largo dos Lóios ?

Sabe o leitor onde ficavam no Porto as oficinas dos homens que faziam os foguetes para serem queimados nas romarias nortenhas ? Pois se não sabe poderia saber se não tivessem mudado o nome à antiga Rua dos Fogueteiros. É da actual Rua de Azevedo de Albuquerque, ali para as bandas das Virtudes. Claro que Azevedo de Albuquerque merecia ter o seu nome perpetuado numa rua do Porto. Além de professor da Escola Politécnica, foi um dos artífices da Revolta Republicana do 31 de Janeiro.

Mas não seria possível honrar a sua memória sem eliminar um topónimo que tinha inegável interesse histórico local ?

Um caso de recuperação de um topónimo antigo ocorreu nos finais do século XIX quando a ermida de S. Crispim e S. Crispiniano teve que ser demolida por causa da abertura da Rua de Mouzinho da Silveira.

Com a capela também desapareceram alguns arruamentos típicos daquela zona ribeirinha a Rua da Ponte de S. Domingos; a Rua da Biquinha, alusão a uma curioso fonte que por ali havia e cuja água, segundo antiga tradição, tinha propriedades extraordinárias que curavam certas moléstias dos olhos; e a Rua de S. Crispim.

Quando, nos finais do século XIX, se reconstruiu a capela, ao cimo da actual Rua de Santos Pousada, deu-se a uma nova artéria desta zona o nome de Rua Nova de S. Crispim. Do mal, o menos. De um documento do arquivo do mosteiro de S. Domingos retiro esta informação curiosa "… o Senado (leia-se Câmara Municipal) cedeu ao convento (dos dominicanos) a maior parte da pedreira de Belomonte até à Porta do Olival, em troca de umas casas que faziam face para a Rua da Ponte de S. Domingos, sobre e escadinha da volta que faz a dita rua para as Cangostas…"

À antiga Rua das Cangostas corresponde a Rua de Sousa Viterbo dos nossos dias. Foi um dos mais pitorescos trechos do Porto antigo da zona ribeirinha. Dessa parte da cidade velha resta o Pátio de S. Salvador onde ainda existem vestígios do medieval Hospital de Santa Clara.

Subindo um pouco voltamos às imediações da Rua Chã, a antiga Rua Chã das Eiras. E perguntamos sabe o leitor onde ficava a Calçada da Chancelaria ? Era actual Rua do Corpo da Guarda também sacrificada, em parte, com a abertura da chamada Avenida da Ponte. E mais acima, ainda, algures em Cima do Vila, ficava a Travessa dos Entrevados ou da Caridade.

Que interessante seria fazer o levantamento dos nomes antigos das artérias da cidade, incluindo, naturalmente, as desaparecidas !

Germano Silva

Jornal de Notícias




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