A rua é dos elementos mais importantes na Urbanística, como espaço canal de estruturação do processo de desenvolvimento da cidade, pois é ao longo dela que se vão ordenando as construções e fixando os sistemas de vida e, por ela, no subsolo e no solo, circulam as redes de infra-estruturas e os sistemas viários de circulação de transportes e mercadorias, para além da mobilidade pedonal ao longo dos respectivos passeios. Daí a importância deste vaso capilar do corpo urbano chamado cidade e o seu papel estruturante, funcionando em rede e criando múltiplos interstícios por onde passa o sangue revitalizador de toda a vida urbana. Sem ruas não havia cidades e sem cidades não haveria aquilo a que chamamos e de que fazemos parte, vida colectiva e estrutura societária. Toda a gente sabe isto e, mesmo que nem sempre dê atenção ao facto, tem gravado no seu sistema genético a imagem da rua e das suas funcionalidades.
A rua de que quero falar hoje é esta, mas associada a uma função que os últimos tempos lhe estão a devolver, com os riscos e vantagens daí derivados A rua política, espaço canal de extravasamento da contestação e do protesto, ingrediente complementar de afirmação da vontade democrática, no âmbito da regulamentação específica que pauta o "direito à manifestação". Há os que discordam do processo de utilização da rua para tais fins e até se incomodam com isso, mas, mesmo para esses, convém que seja dada atenção aos "sinais" vindos da rua, porque ela deve ser sempre entendida como "espaço de liberdade", se quisermos valorizar a magnífica obra de Vieira da Silva, a pintora, na sua interpretação artística libertária de homenagem ao 25 de Abril.
A rua tem andado agitada e nervosa, ultimamente, e já fica a dúvida, para alguns, de saber distinguir quem promove e movimenta esse clima que dela tem vindo a tomar conta, com espontânea independência consideram muitos, com a mistura do picante ingrediente partidário consideram os mais "escaldados" e a quem "o calo" destas coisas já viciou na apreciação ou lhes confere maior frieza de análise. Por certo, uns e outros terão razão, daí que o importante a reter é o facto, que, em si, sobreleva o modo porque e como ocorre.
É indubitável que a "rua política" está a adquirir uma nova dimensão, já não são só os experimentados e habituais utilizadores que descem até ela e com os clássicos comportamentos, mas há um novo panorama que se oferece aos olhos de quem está atento e não pode deixar de medir as consequências desta nova aragem.
A rua, como espaço de afirmação e procura de notoriedade grupal, está a mudar, a ser expressão de novos processos de agitação e agrupamento das pessoas, diria que, de novas fórmulas de intervenção e afirmação da cidadania. Mesmo sem escanotear que, por detrás disto, estejam tiques corporativos difíceis de debelar numa sociedade tradicionalmente corporativa, os sinais e os processos, e os meios técnicos de inter-comunicabilidade entre as pessoas, estão a desenhar um novo cenário de utilização da rua, que não substitui a democracia quando ela está, ou devia estar, consolidada, mas serve para lhe fazer chegar os tais "sinais" de insatisfação e desejo de correcção que os eleitos não podem deixar de levar em conta.
Do ponto de vista da cidadania não pode esperar-se, nem desejar-se, que o poder se transforme a partir da rua, numa sociedade democrática com regras aceites, mas a vitalidade de uma democracia também passa pela capacidade de reacção e de afirmação de indignação, perante medidas ou comportamentos do poder que não levam em conta a necessária exigência dialogante com os cidadãos, estruturados em organismos associativos ou de classe. Democracia pressupõe isso mesmo, diálogo e negociação, teimosamente, dolorosamente, até aos limites, se possível.
Os governos não devem nem podem funcionar e decidir face ao clima ou estado de humor da rua, mas não podem fechar as janelas dos gabinetes dos decisores ao ruído que dela provém.
Em nome da valorização social e cívica deste "espaço canal" da vida colectiva e em favor da maturidade democrática de um sistema que contém, no mesmo plano, representantes eleitos e agentes legítimos dessa representatividade electiva.
A rua, uma vez mais, está viva e é essencial ao funcionamento da cidade livre e democrática.
A rua de que quero falar hoje é esta, mas associada a uma função que os últimos tempos lhe estão a devolver, com os riscos e vantagens daí derivados A rua política, espaço canal de extravasamento da contestação e do protesto, ingrediente complementar de afirmação da vontade democrática, no âmbito da regulamentação específica que pauta o "direito à manifestação". Há os que discordam do processo de utilização da rua para tais fins e até se incomodam com isso, mas, mesmo para esses, convém que seja dada atenção aos "sinais" vindos da rua, porque ela deve ser sempre entendida como "espaço de liberdade", se quisermos valorizar a magnífica obra de Vieira da Silva, a pintora, na sua interpretação artística libertária de homenagem ao 25 de Abril.
A rua tem andado agitada e nervosa, ultimamente, e já fica a dúvida, para alguns, de saber distinguir quem promove e movimenta esse clima que dela tem vindo a tomar conta, com espontânea independência consideram muitos, com a mistura do picante ingrediente partidário consideram os mais "escaldados" e a quem "o calo" destas coisas já viciou na apreciação ou lhes confere maior frieza de análise. Por certo, uns e outros terão razão, daí que o importante a reter é o facto, que, em si, sobreleva o modo porque e como ocorre.
É indubitável que a "rua política" está a adquirir uma nova dimensão, já não são só os experimentados e habituais utilizadores que descem até ela e com os clássicos comportamentos, mas há um novo panorama que se oferece aos olhos de quem está atento e não pode deixar de medir as consequências desta nova aragem.
A rua, como espaço de afirmação e procura de notoriedade grupal, está a mudar, a ser expressão de novos processos de agitação e agrupamento das pessoas, diria que, de novas fórmulas de intervenção e afirmação da cidadania. Mesmo sem escanotear que, por detrás disto, estejam tiques corporativos difíceis de debelar numa sociedade tradicionalmente corporativa, os sinais e os processos, e os meios técnicos de inter-comunicabilidade entre as pessoas, estão a desenhar um novo cenário de utilização da rua, que não substitui a democracia quando ela está, ou devia estar, consolidada, mas serve para lhe fazer chegar os tais "sinais" de insatisfação e desejo de correcção que os eleitos não podem deixar de levar em conta.
Do ponto de vista da cidadania não pode esperar-se, nem desejar-se, que o poder se transforme a partir da rua, numa sociedade democrática com regras aceites, mas a vitalidade de uma democracia também passa pela capacidade de reacção e de afirmação de indignação, perante medidas ou comportamentos do poder que não levam em conta a necessária exigência dialogante com os cidadãos, estruturados em organismos associativos ou de classe. Democracia pressupõe isso mesmo, diálogo e negociação, teimosamente, dolorosamente, até aos limites, se possível.
Os governos não devem nem podem funcionar e decidir face ao clima ou estado de humor da rua, mas não podem fechar as janelas dos gabinetes dos decisores ao ruído que dela provém.
Em nome da valorização social e cívica deste "espaço canal" da vida colectiva e em favor da maturidade democrática de um sistema que contém, no mesmo plano, representantes eleitos e agentes legítimos dessa representatividade electiva.
A rua, uma vez mais, está viva e é essencial ao funcionamento da cidade livre e democrática.
Gomes Fernandes
(Arquitecto, professor da Universidade Lusófona - Porto)
(Arquitecto, professor da Universidade Lusófona - Porto)
Publicado no Jornal de Notícias
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