25.11.07

A Rua das Varandas da Cordoaria

Houve mais do que uma artéria Laje ou Lajem?


A pergunta desta vez é colectiva. Vem de uma turma inteira. Os jovens estudantes andam a fazer um trabalho sobre a toponímia do chamado Centro Histórico do Porto e, a determinada altura, viram-se confrontados com uma dúvida e a pergunta é para tentar desfazê-la "… será que a actual Rua da Laje, existente em Miragaia, tem a ver com a antiga Rua da Laje, antecessora da velha Ferraria que deu origem à nossa conhecida Rua dos Caldeireiros ?"

A questão é pertinente e a resposta, passe a imodéstia, vai permitir aclarar, não apenas esta confusão, mas outras que amiúde surgem com diferentes arruamentos que têm ou tiveram nomes parecidos, como é o caso dos topónimos Boavista, Paraíso, Adro, Salgueiros, Outeiro, etc.

Comecemos pelo designativo Laje. Há, que saibamos, na actualidade, dois arruamentos com essa denominação uma rua e uma travessa. Nenhuma delas, no entanto, tem a ver com a medieval Rua da Laje que também aparecia com a grafia de "Lage", "Lagea" ou "Lagem".

A Rua da Laje que, com a divisão da diocese pelo bispo D. Frei Marcos de Lisboa, ficou a pertencer à freguesia da Vitória, desapareceu da toponímia portuense nos finais do século XVII. Designava a parte superior da actual Rua dos Caldeireiros, junto à Rua de Trás que por esse motivo se chegou a chamar Rua de Trás da Laje.

A actual Rua da Laje, na freguesia de Miragaia, que liga o Campo dos Mártires da Pátria (Cordoaria) à Rua de Azevedo de Albuquerque, só aparece mencionada em documentos no século XVIII como a "Rua da Laje da Cordoaria junto aos celeiros…" Estes celeiros ficavam onde depois foi construído o Mercado do Peixe e onde agora está o Palácio da Justiça.

Na sua conhecida "Toponímia Portuense", Cunha e Freitas refere a existência de uma outra Rua da Laje na Ribeira "que se não deve confundir com esta de que estamos a tratar…".

Esclarecida esta dúvida vamos citar mais dois ou três casos de ruas portuenses que tiveram as mesmas designações mas sem qualquer ligação entre si.

Comecemos pelo topónimo Boavista. Que se saiba houve no Porto, pelo menos, três ruas com esta designação. Uma na extinta freguesia de S. João de Belomonte, sucessora, julga-se, da antiquíssima Rua da Munhota. Ao logradouro que fica diante da capela de Nossa Senhora da Esperança, a S. João Novo, chamava-se no século XVI o sítio da Boavista.

Por Rua Nova da Boavista também foi conhecida a actual Rua do Sol que, em tempos muito recuados, se chamou Viela das Tripas.

E temos a actual Rua da Boavista que começou a ser rasgada em 1784 ao longo de terrenos que pertenciam à Quinta da Boavista e daí o nome. Porque o espaço disponível ainda o permite, vejamos agora o caso da Rua do Paraíso. A que conhecemos é a que estabelece a ligação entre a parte alta da Rua do Bonjardim e o Largo da Lapa.

É obra do nosso conhecido João de Almada e Melo que no seu plano de melhoramentos para a cidade, de 1784, fez constar o seguinte "… e assentou-se que se continuasse a abrir na largura de 30 palmos, a travessa de comunicação entre a Estrada do Bonjardim e o Bairro da Lapa, em linha recta da sua abertura, que já se acha feita defronte do chafariz da Vila Parda…" Inicialmente, esta artéria teve a designação de Travessa da Senhora da Lapa.

A outra rua com o mesmo nome ficava também nas imediações da Rua do Bonjardim, mas muito perto do antigo sítio da Cancela Velha digamos que, sensivelmente, onde posteriormente se abriu a rua de Rodrigues Sampaio.

Chamava-se Rua do Paraíso porque, nos início do século XVIII, corria ao longo de uma quinta com a mesma designação que pertencia à influente e próspera família Huet Bacelar.

Nas pesquisas que fez para a sua obra já acima referida, Cunha e Freitas diz que esta artéria teve várias designações e cita-as " … ao Paraíso e Rua do Paraíso, em 1723; Lugar do Paraíso e Viela do Paraíso, em 1724".

E , em anos posteriores, encontrou mais estas referências "… Viela do Mendes, na Rua do Paraíso (1772); Rua do Paraíso, acima da Viela do Tintureiro, defronte da Cancela Velha (1767); Rua do Paraíso, defronte do pardieiro; e Rua defronte do Pátio do Paraíso (1772)". Esclareça-se, entretanto, que ainda existe na toponímia da cidade o Pátio do Paraíso que fica nas traseiras do Palácio Atlântico, na Praça de D. João I.


O sítio da Cordoaria onde se construiu o Palácio da Justiça e onde fica a Rua da Laje, foi em tempos idos rasgado por várias artérias algumas com denominações bastante sugestivas. Por exemplo Rua das Traseiras da Cordoaria ou Rua das Varandas da Cordoaria. Ambas as designações vêm citadas em documentos do século XVIII. Cem anos antes, toda esta zona a poente da velha Cordoaria devia ser aterradora se fizermos fé no que um outro historiador portuense ( Sousa Reis) escreveu referindo-se ao tempo em que o Hospital de Santo António ainda não andava a ser construído. Escreveu ele: "… para as bandas do mar, precipitavam-se sobre Miragaia as faldas do monte lavradas pelas águas do rio Frio que por ali passa (a céu aberto naquela altura) e cujos despenhadeiros, olhados do alto da vereda horrorizavam a quem por ali tivesse que passar…" A água daquele rio Frio que agora corre encanado por baixo do edifício do Hospital de Santo António já abasteceu a Fonte dos Fogueteiros que existiu ao fundo da Rua da Laje, embutida num dos arcos que se construíram quando foi feito o paredão que viria a dar continuidade da Rua da Restauração do Viriato até à Cordoaria. O nome de Fogueteiros tem origem no primitivo nome da actual Rua de Azevedo Albuquerque que era Rua do Fogueteiros.

Texto de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias

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