28.4.08

O bispo que urbanizou o antigo Campo das Hortas

O sítio da porta de carros



O bispo em questão foi D. Tomás de Almeida, filho de D. António de Almeida Soares, 2º conde de Avintes; e de D. Maria Antónia de Bourbon, filha de D. Tomás de Noronha, 3º conde dos Arcos, descendente, portanto, de duas das mais importantes famílias do país daqueles tempos.

D. Tomás de Almeida foi apresentado bispo do Porto, por carta régia de D. João V, em 30 de Abril de 1709. Logo no mês seguinte aquele mesmo monarca nomeou-o governador da Relação e das Armas desta cidade. Tratava-se, na época, de dois dos mais importantes cargos civis e de extraordinária relevância se tivermos em conta que Portugal participava na Guerra da Sucessão de Espanha.

Mas o que nos interessa especialmente abordar nesta crónica é a faceta de grande renovador urbanístico revelada por D. Tomás de Almeida - que viria a ser o primeiro Cardeal Patriarca de Lisboa.

Foi ele que transformou o medieval campo das hortas na antiga Praça Nova das Hortas que é hoje a Praça da Liberdade; e foi ele que mandou abrir, no pano da muralha fernandina, "para a maior comodidade do público", o Postigo de Santo Elói, em frente à velha Rua das Hortas, actual Rua do Almada.

A estes dois importantes melhoramentos devemos juntar as obras mandadas fazer por D. Tomás de Almeida na igreja dos Congregados, nomeadamente o embelezamento do interior do templo e a construção de um amplo e elegante átrio exterior.

E sobre este último melhoramento é que nos vamos deter mais em pormenor.

Tratava-se de construir um amplo átrio no terreno que ficava na frente da igreja.

Havia no entanto um pequeno problema que obstava a que as obras arrancassem mesmo diante da fachada do templo e a dois passos da muralha fernandina que ficava a escassos metros de distância, erguiam-se dois enormes álamos junto dos quais havia bancos de pedra que "serviam de assento" a quem por ali passava, naturalmente.

As árvores eram da cidade. Para poderem ser derrubadas era preciso uma autorização camarária.

E foi no sentido de obter essa autorização que, nos começos de Novembro de 1712, os padres da Congregação do Oratório (Congregados) oficiaram à Câmara. É muito curiosa a petição redigida pelos religiosos.

Começava assim "… dizem o pe. Propósito e mais Padres da Congregação do Oratório que, como a V. M.cês. já é notório, o ilustríssimo Senhor Bispo lhes manda fazer defronte da igreja, um átrio ou tabuleiro que aformoseará muito e fará deleitável aquele terreno como muito bem se deixa ver…"

Vem a seguir o problemas dos álamos, alegando os Congregados, na sua petição, que a manutenção das duas árvores no local, além de impedirem a vista da igreja, "farão o projectado átrio menos formoso" e tentam justificar o seu abate explicando que "são já uns troncos secos e feios".

Mas o melhor da petição ficou para o fim. Os assentos à sombra dos álamos também não estavam bem onde os haviam posto. O melhor é transcrever a parte final da petição "… além disso, como o dito átrio há-de ter degraus por onde a ele se suba, não convém que defronte estejam assentos, dos quais se esteja registando (notem bem!) a descompostura das mulheres que sobem…"

Ora aí está. Tratava-se afinal da preservação dos bons costumes. "E como reagiu a Câmara" - pergunta o leitor com toda a legitimidade.

Para já sabe-se que reagiu rapidamente, ao contrário do que normalmente acontece nos dias de hoje.

Em 26 de Novembro daquele ano a edilidade mandou que os ficais municipais fizessem uma vistoria ao local e mediante o relatório por estes apresentado autorizou o abate de um dos álamos, o que estava mais chegado à muralha. Quanto ao problema da descompostura das mulheres, nada se sabe porque os fiscais não o mencionaram no seu relatório pelo simples facto de que não havia ainda as escadas e elas ainda se não descompunham.

O dr. Artur de Magalhães Basto, que estudou este assunto, comentando o facto de ter sido derrubado apenas um álamo, teceu este jocoso mas excelente e oportuno comentário "… como o outro álamo ficou subsistindo é de crer portanto que subsistissem também alguns inconvenientes assentos dos quais, uma vez construídas as escadas, poderiam os curiosos estar a registar … o que não era para se registar…"


Como é geralmente sabido o pano da muralha fernandina que passava em frente à igreja dos Congregados descia da Batalha pela Calçada da Teresa (actual Rua da Madeira); limitava a cerca do convento das freiras de S. Bento da Ave Maria (onde está a estação ferroviária de S. Bento); e continuava, em ligeira curvatura, em direcção à antiga Calçada da Natividade (hoje Rua dos Clérigos) até à Porta do Olival, na Cordoaria.
Mesmo em frente à fachada da igreja dos Congregados havia uma porta na muralha chamada a Porta de Carros. Fora aberta, segundo um velho documento, "… para assim dar melhor serventia à cidade, principalmente aos inumeráveis carros que da comarca da Maya, Penha Fidel (Penafiel) e mais contornos da cidade, por ella entrão e por isso tomou dos Carros o apelido chamando-se Porta de Carros…" O citado documento refere ainda que ".. quem olhasse da porta para Norte, veria uma planície bastante dilatada… tão amena, desafogada e fértil que pella abundância de hortaliças que produzia, se chamava Campo das Hortas e hoje por estar todo povoado de nobres edifícios, deixando o nome de Campo conserva no entanto o nome das Hortas…"


Germano Silva


Publicado no Jornal de Notícias






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