Nem o Cerco do Porto alterou a fisionomia da cidade ela mantinha-se concentrada até à igreja de Cedofeita e Rua da Carvalhosa, a ocidente; Lapa e Fontinha, a norte; Rua da Alegria e S. Vítor a oriente. É dentro deste perímetro que em breve começarão grandes operações urbanísticas, quer a título particular, quer a título municipal, enquanto que os arrabaldes mantêm a sua fisionomia rural. Até que o ímpeto reformador de Mouzinho da Silveira, apostado em dar um cunho moderno - e liberal - à Administração Pública, vem contribuir para que o Porto ganhe o espaço territorial que, nos nossos dias, vai até à Estrada da Circunvalação.
De facto, em 1836, é promulgada uma nova divisão administrativa do país e, nesse contexto, são anexados ao Porto os municípios da Foz e de Campanhã por decreto de 6 de Novembro; e a freguesia de Paranhos, pertencente às Terras da Maia, por diploma de Setembro de 1837. Posteriormente - e devido a outros arranjos legislativos - é extinto o município de Bouças, sendo uma parte integrada em Matosinhos e outra no Porto, dando origem às freguesias de Ramalde e de Aldoar. É ainda criada por decreto de 12 de Dezembro de 1841 a freguesia do Bonfim à custa de território das freguesias de Campanhã e de Santo Ildefonso.
O Porto - consagrado por D. Pedro IV como Cidade Invicta - vê assim confirmada a sua liderança tanto mais que são criados por essa altura três bairros administrativos com tutela judicial sobre vários julgados da região o de Cedofeita, abrangendo a Foz, Matosinhos, Leça, Aveleda, Azurara e Leça do Balio; o de Santa Catarina, com jurisdição sobre Campanhã, S. Pedro da Cova, Avintes, Grijó e Vila Nova de Gaia; e o de Santo Ovídio, cuja malha se estendia por Rio Tinto, Alfena, Valongo, Santo Tirso e Aguiar de Sousa. Trata-se, enfim, da projecção das Muralhas Fernandinas, agora em sentido exclusivamente jurídico-administrativos e económicos.
O regime alfandegário então instituído é a prova de que algo estava a mudar. O esquema de barreiras decretado em 1821 estabelecia as estradas de produtos devedoras de imposto no alto da Calçada de Gaia, para sul; no Senhor do Bonfim, para Vila Real; na que é hoje Praça do Marquês de Pombal (então sítio da Aguardente) para Guimarães; e para Braga, na zona da Prelada. No final de Oitocentos estava já em vigor um novo regime que ia do Esteiro de Campanhã até ao Castelo do Queijo, limites estes que vão dar existência à Estrada da Circunvalação. Aliás, quando esta via-limite do Porto foi construída, havia inclusive um fosso para impedir que alguém, obrigado o pagar a taxa, escapasse aos postos que ainda hoje se encontram ao longo daquela estrada, nomeadamente no Esteiro de Campanhã, na Vilarinha, no Amial.
Por esta altura, o processo de urbanização do Porto começa a desenvolver-se em duas vertentes por um lado, o crescimento em mancha de óleo da zona central; por outro lado o desenvolvimento das "aldeias periféricas de Campanhã, Paranhos, Aldoar, Ramalde, Foz e Nevogilde" , como salienta Gaspar Martins Pereira. Segundo este historiador, todas estas zonas mantiveram até tarde a sua feição rural, a ponto de o seu "sentimento de identidade conservar formas de expressão tradicionais". Documentos da Polícia da época relatam "combates à pedrada entre grupos rivais de rapazes - por vezes às centenas - nas fronteiras das respectivas freguesias", casos de Ramalde contra Lordelo e de Cedofeita contra Paranhos...
Este sentimento de pertença ainda existe de certo modo. Ainda não há muito tempo - e quiçá ainda se mantém esse hábito - era possível ouvir da boca dos portuenses que viviam (ou vivem) no Carvalhido, em Paranhos, em Ramalde ou Aldoar e que se deslocavam à Baixa para tratar da sua vidinha "Até logo, vou ao Porto!" ...
Jorge Vilas
Publicado no Jornal de Notícias
De facto, em 1836, é promulgada uma nova divisão administrativa do país e, nesse contexto, são anexados ao Porto os municípios da Foz e de Campanhã por decreto de 6 de Novembro; e a freguesia de Paranhos, pertencente às Terras da Maia, por diploma de Setembro de 1837. Posteriormente - e devido a outros arranjos legislativos - é extinto o município de Bouças, sendo uma parte integrada em Matosinhos e outra no Porto, dando origem às freguesias de Ramalde e de Aldoar. É ainda criada por decreto de 12 de Dezembro de 1841 a freguesia do Bonfim à custa de território das freguesias de Campanhã e de Santo Ildefonso.
O Porto - consagrado por D. Pedro IV como Cidade Invicta - vê assim confirmada a sua liderança tanto mais que são criados por essa altura três bairros administrativos com tutela judicial sobre vários julgados da região o de Cedofeita, abrangendo a Foz, Matosinhos, Leça, Aveleda, Azurara e Leça do Balio; o de Santa Catarina, com jurisdição sobre Campanhã, S. Pedro da Cova, Avintes, Grijó e Vila Nova de Gaia; e o de Santo Ovídio, cuja malha se estendia por Rio Tinto, Alfena, Valongo, Santo Tirso e Aguiar de Sousa. Trata-se, enfim, da projecção das Muralhas Fernandinas, agora em sentido exclusivamente jurídico-administrativos e económicos.
O regime alfandegário então instituído é a prova de que algo estava a mudar. O esquema de barreiras decretado em 1821 estabelecia as estradas de produtos devedoras de imposto no alto da Calçada de Gaia, para sul; no Senhor do Bonfim, para Vila Real; na que é hoje Praça do Marquês de Pombal (então sítio da Aguardente) para Guimarães; e para Braga, na zona da Prelada. No final de Oitocentos estava já em vigor um novo regime que ia do Esteiro de Campanhã até ao Castelo do Queijo, limites estes que vão dar existência à Estrada da Circunvalação. Aliás, quando esta via-limite do Porto foi construída, havia inclusive um fosso para impedir que alguém, obrigado o pagar a taxa, escapasse aos postos que ainda hoje se encontram ao longo daquela estrada, nomeadamente no Esteiro de Campanhã, na Vilarinha, no Amial.
Por esta altura, o processo de urbanização do Porto começa a desenvolver-se em duas vertentes por um lado, o crescimento em mancha de óleo da zona central; por outro lado o desenvolvimento das "aldeias periféricas de Campanhã, Paranhos, Aldoar, Ramalde, Foz e Nevogilde" , como salienta Gaspar Martins Pereira. Segundo este historiador, todas estas zonas mantiveram até tarde a sua feição rural, a ponto de o seu "sentimento de identidade conservar formas de expressão tradicionais". Documentos da Polícia da época relatam "combates à pedrada entre grupos rivais de rapazes - por vezes às centenas - nas fronteiras das respectivas freguesias", casos de Ramalde contra Lordelo e de Cedofeita contra Paranhos...
Este sentimento de pertença ainda existe de certo modo. Ainda não há muito tempo - e quiçá ainda se mantém esse hábito - era possível ouvir da boca dos portuenses que viviam (ou vivem) no Carvalhido, em Paranhos, em Ramalde ou Aldoar e que se deslocavam à Baixa para tratar da sua vidinha "Até logo, vou ao Porto!" ...
Jorge Vilas
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