Existe no Arquivo Histórico Municipal grande número de requerimentos dirigidos, ao longo do século XIX, aos administradores dos Bairros Oriental e Ocidental do Porto e, posteriormente, à própria Câmara, por moradores e comissões das freguesias, solicitando autorização para ocupação de terreno municipal (entenda-se vias públicas) durante a realização de festas em certos locais.
Referindo maioritariamente os festejos são-joaneiros, muitos têm a ver com iniciativas que marcavam o carácter social e a identidade das comunidades espalhadas pelo burgo, reunidas em torno da sua igreja paroquial ou de outros templos que dão conteúdo às manifestações da religiosidade popular. E, queiram ou não, gostem ou não os arautos e profetas do admirável mundo novo da pós-modernidade, tais manifestações constituíram formas coerentes de participação das populações na vida da urbe, de amor aos bairros, de procura de certa margem de evasão e de sonho e, para alguns, de certa forma de transcendência do ramerrão quotidiano, que não tenho dúvida em aceitar como fé. Ou alegria. Ou felicidade. Simplesmente.
Entre a multidão de requerentes aparecem, por exemplo comissão de festas de S. João no Largo da Maternidade: ocupação de terreno com mastros e coretos (1930-31); comissão de festejos em Salgueiros : ocupação de terrenos com barracas (1931-32); Benigno Peixoto e outros, Travessa do Monte da Estação: pedem isenção de taxas para colocação de mastros na rua (1935); comissão do Largo Actor Dias : colocação de mastros (1952); Mário Amadeu Morais, Rua de Grijó: licença para colocação de mastros (1953); comissão de festas na Bica Velha: licença para barraca (1954); comissão de festas na Rua do Paraíso: licença para colocação de mastros e altofalante (1954). E muitos outros. Centenas.
Vitalidade bairrista
Tais documentos expressam a vitalidade bairrista das comunidades que faziam da cidade uma festa repartida; representam, também, nas décadas de 1930 a 50, o associativismo que congregava os moradores dos bairros em espécie de projecto comum para fazerem a festa (S. João e outras). Tudo isto morreu, ou quase.
Tragadas na voragem de uma suburbanização coerciva e centrifugadas da cidade por políticas incompetentes, injustas e talvez criminosas, as populações, na maioria dos lugares, desligaram--se das referências e afundaram--se no mais soez conformismo e apatia cívicas. Com honrosas excepções, dignas de apreço.
Não sou partidário da subsidiodependência cara aos promotores de certas artes ditas eruditas, mas da criação de condições e apoios para acontecimentos que promovam as culturas - no plural e não no singular, restritivo e mistificador de espectáculos para as elites, no fingimento do alargamento a novos públicos.
Nesta conformidade, não posso deixar de aplaudir a aprovação pela Assembleia Municipal do Porto de uma proposta da vereação da Cultura no sentido da "isenção total do pagamento das taxas devidas pelas Juntas e outras entidades de natureza privada com estatuto de utilidade pública (...) para a realização das iniciativas, eventos e ocupações da via pública, integrados nas festividades identificadas" feira- -romaria de S. Lázaro; S. Telmo; N.ª S.ª da Lapa; St.º António (Bonfim e Massarelos); S. Pedro (de Azevedo e Miragaia); Cruzes e Senhor da Pedra (Campanhã); N.ª S.ª do Calvário; Senhor do Padrão; N.ª S.ª da Saúde; S. Bartolomeu; S. Roque (Vitória); Senhor da Boa Fortuna; Santa Clara; N.ª S.ª de Campanhã; N.ª S.ª dos Anjos (Lordelo); Senhora do Porto; Senhora do Ó; S. Nicolau; N.ª S.ª da Conceição (Foz).
Na fundamentação daquela proposta dizia-se "Considerando a importância patrimonial das manifestações citadas e bem assim a necessidade de implementar medidas que, complementando a crescente participação e interesse populares, quer na manutenção, quer na revitalização das tradições imemoriais da cidade, permitam assegurar a continuidade e salvaguarda de um património imaterial único".
E ainda "Cabe ao Município do Porto promover a defesa do Património, quer nas suas componentes de preservação e recuperação, quer no apoio a prestar enquanto actividades culturais de interesse municipal".
São estes os gestos simples de uma política de concretização dos desígnios que afirmam a cidade e o seu carácter, ajudando as iniciativas de animação a manterem acesa a chama das suas tradições, e a promoção de atitudes de participação que, doutra forma, se desvanecerão. (Mesmo assim, a proposta foi aprovada com uma abstenção...)
Referindo maioritariamente os festejos são-joaneiros, muitos têm a ver com iniciativas que marcavam o carácter social e a identidade das comunidades espalhadas pelo burgo, reunidas em torno da sua igreja paroquial ou de outros templos que dão conteúdo às manifestações da religiosidade popular. E, queiram ou não, gostem ou não os arautos e profetas do admirável mundo novo da pós-modernidade, tais manifestações constituíram formas coerentes de participação das populações na vida da urbe, de amor aos bairros, de procura de certa margem de evasão e de sonho e, para alguns, de certa forma de transcendência do ramerrão quotidiano, que não tenho dúvida em aceitar como fé. Ou alegria. Ou felicidade. Simplesmente.
Entre a multidão de requerentes aparecem, por exemplo comissão de festas de S. João no Largo da Maternidade: ocupação de terreno com mastros e coretos (1930-31); comissão de festejos em Salgueiros : ocupação de terrenos com barracas (1931-32); Benigno Peixoto e outros, Travessa do Monte da Estação: pedem isenção de taxas para colocação de mastros na rua (1935); comissão do Largo Actor Dias : colocação de mastros (1952); Mário Amadeu Morais, Rua de Grijó: licença para colocação de mastros (1953); comissão de festas na Bica Velha: licença para barraca (1954); comissão de festas na Rua do Paraíso: licença para colocação de mastros e altofalante (1954). E muitos outros. Centenas.
Vitalidade bairrista
Tais documentos expressam a vitalidade bairrista das comunidades que faziam da cidade uma festa repartida; representam, também, nas décadas de 1930 a 50, o associativismo que congregava os moradores dos bairros em espécie de projecto comum para fazerem a festa (S. João e outras). Tudo isto morreu, ou quase.
Tragadas na voragem de uma suburbanização coerciva e centrifugadas da cidade por políticas incompetentes, injustas e talvez criminosas, as populações, na maioria dos lugares, desligaram--se das referências e afundaram--se no mais soez conformismo e apatia cívicas. Com honrosas excepções, dignas de apreço.
Não sou partidário da subsidiodependência cara aos promotores de certas artes ditas eruditas, mas da criação de condições e apoios para acontecimentos que promovam as culturas - no plural e não no singular, restritivo e mistificador de espectáculos para as elites, no fingimento do alargamento a novos públicos.
Nesta conformidade, não posso deixar de aplaudir a aprovação pela Assembleia Municipal do Porto de uma proposta da vereação da Cultura no sentido da "isenção total do pagamento das taxas devidas pelas Juntas e outras entidades de natureza privada com estatuto de utilidade pública (...) para a realização das iniciativas, eventos e ocupações da via pública, integrados nas festividades identificadas" feira- -romaria de S. Lázaro; S. Telmo; N.ª S.ª da Lapa; St.º António (Bonfim e Massarelos); S. Pedro (de Azevedo e Miragaia); Cruzes e Senhor da Pedra (Campanhã); N.ª S.ª do Calvário; Senhor do Padrão; N.ª S.ª da Saúde; S. Bartolomeu; S. Roque (Vitória); Senhor da Boa Fortuna; Santa Clara; N.ª S.ª de Campanhã; N.ª S.ª dos Anjos (Lordelo); Senhora do Porto; Senhora do Ó; S. Nicolau; N.ª S.ª da Conceição (Foz).
Na fundamentação daquela proposta dizia-se "Considerando a importância patrimonial das manifestações citadas e bem assim a necessidade de implementar medidas que, complementando a crescente participação e interesse populares, quer na manutenção, quer na revitalização das tradições imemoriais da cidade, permitam assegurar a continuidade e salvaguarda de um património imaterial único".
E ainda "Cabe ao Município do Porto promover a defesa do Património, quer nas suas componentes de preservação e recuperação, quer no apoio a prestar enquanto actividades culturais de interesse municipal".
São estes os gestos simples de uma política de concretização dos desígnios que afirmam a cidade e o seu carácter, ajudando as iniciativas de animação a manterem acesa a chama das suas tradições, e a promoção de atitudes de participação que, doutra forma, se desvanecerão. (Mesmo assim, a proposta foi aprovada com uma abstenção...)
Hélder Pacheco
Publicado no Jornal de Notícias
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