Lembrei-me agora da diversidade de profissões urbanas que, por volta dos anos 50, existiam por esse Porto fora e que o progresso (?) - ou, se quiserem, a globalização - matou sem dó nem piedade. Dir-se-á que nos nossos dias já não precisamos disso; que, por exemplo, o Mercado do Bolhão poderá fechar as suas portas, como fecharam as do Mercado do Anjo, que ninguém dará pela diferença. Dir-se-á que podem fechar todas as lojas da Baixa Portuense que as catedrais de consumo aí estão para as substituir com vantagem. Mas, e a alma do Porto, não morrerá entretanto ?
Não, vão dizer que velha urbe terá forças para ressurgir por muitas malfeitorias que lhe façam e que não importa que se assista ao "esmagamento total" do comércio tradicional que o Porto encontrará forças para substituir, sob outras formas, aquela que foi uma das poderosas forças de afirmação da cidade no contexto regional e mesmo nacional. Vão dizer, por fim, que não importa que tenham fechado os cinemas do centro - e que a caminho encerrem também os teatros e os cafés que ainda existem dignos desse nome - que os portuenses encontrarão outras formas de convivência social.
Na realidade a História demonstra que, na voragem do tempo, outros modos de viver também foram cruelmente esmagados como aqueles que invadiram a cidade a partir de meados do século XIX quando o Porto, depois de ter galgado as Muralhas Fernandinas mercê dos planos almadinos de Oitocentos, iniciou outra etapa de crescimento que só terminou na Estrada da Circunvalação. José Pacheco Pereira - um portuense ilustre - escreveu na sua monumental biografia não autorizada de Álvaro Cunhal, que há 50/60 anos labutavam nas cidades "uma enorme quantidade de artesãos e semioperários, em mil e um ofícios que já não existem". Já não há, de facto, "carroceiros, padeiros, cortadores de carnes verdes, cinzeladores, funileiros, colchoeiros, latoeiros, marceneiros, criadas e criados de servir".
Já não há, também, padeiras de Avintes e Valongo; peixeiras de Matosinhos e da Afurada; e hortaliceiras da Maia e de Ramalde. Também já não há os carroceiros que vinham, à noite, de S. Cosme e arrabaldes, levantar as "águas chocas" e os estrumes amontoados nas ruas. Como também acabaram os galegos que, fugidos à fome em que viviam no dealbar do século XX, invadiram o Porto e se encarregaram dos trabalhos mais pesados eram aguadeiros, carrejões e fabricantes de polvilho para os colarinhos engomados das camisas. Neste particular da oferta de emprego, o Porto funcionava para o norte do país como que uma espécie de Brasil onde arribavam todos aqueles que queriam fugir às más colheitas, à carestia do pão e à praga da filoxera das vinhas, engrossando o contingente das criadas e aprendizes de ofícios - e daqueles que aspirando subir na vida queriam ser caixeiros das lojas mais afamadas.
Citemos outra vez, com a devida vénia, Gaspar Martins Pereira "Apesar de tudo, das transformações que se verificaram na segunda metade do século XIX, não é possível esconder a vincada ruralidade do Porto até início do século XX: são paisagens, ruídos, cheiros, gestos e vozes que, apesar das inovações, conservarão uma forte ligação do Porto com o mundo rural do norte". Tudo isto, afinal, não acabou há muito tempo... À minha porta, na Rua do Almada, em meados da década de 50 do século passado, ainda passavam carros de bois com pipas de vinho, pedra e carqueja e desfilavam o Infantaria 18 que, em boa formatura, ia à Serra do Pilar fazer exercício de tiro.
E era eu que ia à Praça da Liberdade contratar um carrejão para transportar a S. Bento, o malão que minha avó levava para Caldas de Moledo quando ia às vindimas daquilo que era seu.
Não, vão dizer que velha urbe terá forças para ressurgir por muitas malfeitorias que lhe façam e que não importa que se assista ao "esmagamento total" do comércio tradicional que o Porto encontrará forças para substituir, sob outras formas, aquela que foi uma das poderosas forças de afirmação da cidade no contexto regional e mesmo nacional. Vão dizer, por fim, que não importa que tenham fechado os cinemas do centro - e que a caminho encerrem também os teatros e os cafés que ainda existem dignos desse nome - que os portuenses encontrarão outras formas de convivência social.
Na realidade a História demonstra que, na voragem do tempo, outros modos de viver também foram cruelmente esmagados como aqueles que invadiram a cidade a partir de meados do século XIX quando o Porto, depois de ter galgado as Muralhas Fernandinas mercê dos planos almadinos de Oitocentos, iniciou outra etapa de crescimento que só terminou na Estrada da Circunvalação. José Pacheco Pereira - um portuense ilustre - escreveu na sua monumental biografia não autorizada de Álvaro Cunhal, que há 50/60 anos labutavam nas cidades "uma enorme quantidade de artesãos e semioperários, em mil e um ofícios que já não existem". Já não há, de facto, "carroceiros, padeiros, cortadores de carnes verdes, cinzeladores, funileiros, colchoeiros, latoeiros, marceneiros, criadas e criados de servir".
Já não há, também, padeiras de Avintes e Valongo; peixeiras de Matosinhos e da Afurada; e hortaliceiras da Maia e de Ramalde. Também já não há os carroceiros que vinham, à noite, de S. Cosme e arrabaldes, levantar as "águas chocas" e os estrumes amontoados nas ruas. Como também acabaram os galegos que, fugidos à fome em que viviam no dealbar do século XX, invadiram o Porto e se encarregaram dos trabalhos mais pesados eram aguadeiros, carrejões e fabricantes de polvilho para os colarinhos engomados das camisas. Neste particular da oferta de emprego, o Porto funcionava para o norte do país como que uma espécie de Brasil onde arribavam todos aqueles que queriam fugir às más colheitas, à carestia do pão e à praga da filoxera das vinhas, engrossando o contingente das criadas e aprendizes de ofícios - e daqueles que aspirando subir na vida queriam ser caixeiros das lojas mais afamadas.
Citemos outra vez, com a devida vénia, Gaspar Martins Pereira "Apesar de tudo, das transformações que se verificaram na segunda metade do século XIX, não é possível esconder a vincada ruralidade do Porto até início do século XX: são paisagens, ruídos, cheiros, gestos e vozes que, apesar das inovações, conservarão uma forte ligação do Porto com o mundo rural do norte". Tudo isto, afinal, não acabou há muito tempo... À minha porta, na Rua do Almada, em meados da década de 50 do século passado, ainda passavam carros de bois com pipas de vinho, pedra e carqueja e desfilavam o Infantaria 18 que, em boa formatura, ia à Serra do Pilar fazer exercício de tiro.
E era eu que ia à Praça da Liberdade contratar um carrejão para transportar a S. Bento, o malão que minha avó levava para Caldas de Moledo quando ia às vindimas daquilo que era seu.
Jorge Vilas
Publicado no Jornal de Notícias
Publicado no Jornal de Notícias
1 comentário:
Adorei o que acabei de ler e que saudades desses tempos...pena não ter algumas fotos para ilustrar.Parabens.
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