12.6.08

O início do reviralho

Cem mortos no Porto Presos concentrados em Lisboa

A revolta militar de 3 de Fevereiro de 1927 foi organizada por democratas nortenhos com a intenção de travar a marcha da Ditadura Militar saída do levantamento de 28 de Maio de 1926, nove meses antes. Com ela, dava-se início ao período que ficou conhecido como do reviralho, que, particularmente entre 1926 e 1940, procurou a reposição do regime democrático e das liberdades individuais e públicas.

À frente dos revoltosos do Porto estavam prestigiados militares e democratas, como o general Sousa Dias, o comandante Jaime de Morais, o capitão Sarmento Pimentel e o tenente João Pereira de Carvalho, ao lado dos quais se colocaram figuras gradas da república e da democracia, como Jaime Cortesão, capitão-médico à altura, e José Domingos dos Santos.

Madrugada de esperança

A revolta começou na madrugada daquele dia 3, com a saída do seu quartel, do Regimento de Caçadores 9, a que se juntou uma companhia da Guarda Republicana, aquartelada na Bela Vista; uma parte do Regimento de Cavalaria 6 de Penafiel, que, entretanto, chegara ao Porto; e vários núcleos de outros regimentos da cidade. No dia seguinte (4) vieram juntar-se aos revoltosos os militares do Regimento de Artilharia de Amarante.

Fiel ao Governo e, portanto, contra o movimento do general Sousa Dias, manteve-se parte bastante reduzida do Regimento de Infantaria 18, que tinha como comandante o coronel Raul Peres, o Regimento de Cavalaria 9 e o Regimento de Artilharia 5, da Serra do Pilar (Gaia).

A GNR fizera saber, através do seu comandante, major Alves Viana, que se manteria neutral e garantia o policiamento da cidade "em defesa das vidas e dos haveres dos cidadãos".

Dos respectivos quartéis os revoltosos dirigiram-se para a zona da Batalha, onde estavam as sedes do Quartel-General e do Governo Civil; e onde ficava a mais importante estação do telégrafo. Numa primeira acção foram feitos prisioneiros o general Ernesto Sampaio e o coronel Zamith, respectivamente primeiro e segundo comandantes da Região Militar; o tenente-coronel Nunes da Ponte, governador civil do Porto, e o seu substituto, major Sequeira Tavares; o comandante da força que fazia a guarda ao Quartel-General, tenente Alão, e o presidente da Comissão de Censura à Imprensa.

Colocação das forças

Depois foi a vez dos estrategas militares gizarem qual devia ser a posição que a tropas iriam ocupar no terreno. A distribuição ficou assim definida ao cimo da Rua de 31 de Janeiro, na bifurcação com a Rua de Santa Catarina, foi colocada uma metralhadora para impedir a progressão do inimigo por aquelas duas artérias. Foi cognominada de "a trincheira da morte", por razões óbvias...

Na confluência das ruas de Cima de Vila e da Madeira levantou-se uma barricada atrás da qual se colocou outra metralhadora; à esquina do edifício do Hospital da Ordem do Terço foi montada outra peça, voltada para a Rua do Cativo; no desaparecido Largo do Corpo da Guarda, ao cimo da rua que ainda mantém esta designação, outra metralhadora guardava o acesso àquele ponto alto da cidade; finalmente, levantou-se o pavimento da Rua de Alexandre Herculano, na junção desta artéria com a Praça da Batalha e a Rua de Entreparedes, para ali se montarem duas peças de artilharia.

Entretanto, soldados do Regimento de Infantaria 6 (Penafiel) e elementos da GNR da Bela Vista estacionaram ao longo da Rua Chã. Além destes dispositivos, havia, estendidas ao longo das ruas que circuitavam aquele perímetro, "vedetas" a impedir a passagem de civis.

Concluída a tarefa de montagem da defesa dos pontos nevrálgicos da cidade, chegou-se à altura de pôr em acção a estratégia politica. E foi dentro desta lógica que o chefe militar do "Comité Revolucionário do Norte", Jaime de Morais, enviou ao general Carmona, presidente da República, o seguinte ultimato "Forças revolucionárias de todo o Norte impõem demissão do Gabinete Militar que abusivamente quis governar em nome do Exército, desejando a sua substituição por um Governo Nacional republicano e o regresso à Constituição."

O cerco

Enquanto tudo isto se desenrolava, as forças fiéis ao Governo iam, paulatina mas eficazmente, montando o cerco aos revoltosos. Desde o primeiro dia que, aqui ou além, se registavam trocas de tiros e escaramuças. Só no primeiro dia da revolta registaram-se 12 feridos. Logo na noite do dia 3 a artilharia da Serra do Pilar fez-se ouvir e duas bombas, vindas de Vila Nova de Gaia, atingiram o quartel dos Sapadores Bombeiros, então instalados na Rua de Gonçalo Cristóvão. A luta durou cinco longos dias.

Houve recontros nas Ruas de Barros Lima e Montebelo (actual Avenida de Fernão de Magalhães); no Marquês de Pombal; na Praça dos Poveiros e no Largo do Padrão.

Entretanto, chegavam tropas da praça de Valença. Desembarcaram na estação do caminho-de-ferro da Boavista (Avenida da França) e dali, pela Carvalhosa, Cedofeita, Clérigos, Praça da Liberdade e Rua de 31 de Janeiro, dirigiram-se para a zona da Batalha onde se juntaram aos revoltosos que apoiavam.

A Leixões chegava, entretanto, o vapor "Infante de Sagres", com tropas governamentais. Outras atravessavam o Douro em Valbom e encaminhavam-se para o centro da cidade. Com o apertar do cerco os combates eram cada vez mais renhidos nas proximidades da Praça da Batalha - Bonfim, Santo André (Poveiros), Padrão, Campo de 24 de Agosto, Rua do Duque de Loulé, Fontainhas, S. Lázaro, foram palcos de violentos tiroteios.

O ministro da Guerra, Passos e Sousa, em pessoa, e o coronel João Carlos Craveiro Lopes (pai do futuro marechal Francisco Craveiro Lopes, que de 1951 a 1958 foi presidente da República, antecedendo ao almirante Américo Tomás), comandante da Região Militar e governador militar da cidade, conduziram as operações do cerco aos revoltosos, encurralando os sitiados num círculo de ferro e fogo de tal modo apertado de que só puderam sair pela rendição quase sem condições.

A rendição

Na tarde do dia 7, o quartel-general dos revoltosos, instalado no Teatro de S. João, dispensou todos os civis que ali prestavam serviços. À meia-noite, foi pedido ao major Alves Viana, da GNR, que fizesse chegar ao Regimento de Artilharia 5, em Gaia, onde estava o comando das tropas governamentais, um documento assinado apenas pelo general Sousa Dias em que se propunha a rendição das forças revoltosas sobre determinadas condições, nomeadamente a "isenção de responsabilidade aos sargentos, cabos e soldados e toda a responsabilidade aos oficiais". O quartel-general das forças fiéis ao Governo respondeu à mensagem concedendo a isenção de responsabilidades apenas a cabos e soldados. Pelas 3 horas da manhã, o general Sousa Dias mandou informação de que aceitava as condições propostas.

Na manhã do dia 8, o comandante da Região Militar, Craveiro Lopes, através da TSF telegrafia sem fios, enviou a seguinte mensagem ao presidente da República "Felicito V. Ex.ª e o Governo da Nação. Tropas entraram Praça da Batalha, Porto, às 8 horas e meia, tomando conta da cidade onde a vida vai retomando a sua normalidade".


Nos cinco dias que durou a "Revolução do Porto" perderam a vida, em consequência dos combates, mais de 100 pessoas, entre militares e civis. Um dos mortos foi o jornalista António Maria Lopes Teixeira. O número de feridos excedeu o meio milhar.

Os estragos em edifícios foram também consideráveis. Os de maior vulto registaram-se na sede da Agência de Publicações, na Praça da Liberdade; no Asilo das Raparigas Abandonadas (Postigo do Sol), com algumas crianças feridas; no edifício do Banco Angola e Metrópole; nos quartéis das três corporações de bombeiros (Municipais, Voluntários e Portuenses); nos cafés Chave d'Ouro e Leão d'Ouro, ambos na Praça da Batalha; na Casa Americana, junto à "trincheira da morte"; na Casa Donas e na Casa Lagoa, a primeira na Praça da Liberdade e a segunda na Rua de 31 de Janeiro; no edifício dos Correios (palacete dos Guedes), na Praça da Batalha, parcialmente destruído pelo incêndio causado por uma granada; num altar da igreja dos Congregados; na estação de S. Bento; no edifício do Governo Civil; no Hospital de Joaquim Urbano; e nos hotéis Aliança (à entrada da Rua de Sampaio Bruno), Grande Hotel do Porto (onde um projéctil caiu no quarto do cônsul norte-americano) e Sul-Americano, na Batalha (que ficou com a frontaria como um crivo).

Sofreram também danos de monta os edifícios do Quartel-General e do Regimento de Infantaria 18; o Salão Rivoli, antigo Teatro Nacional; e a Tabacaria Africana, que ficava ao cimo da Rua de 31 de Janeiro.

Em Lisboa, os combates entre os revoltosos e as forças governamentais causaram 90 mortos e 400 feridos. GS


A Revolta de 3 de Fevereiro de 1927 ganhou rapidamente adeptos.

Mal se soube do levantamento militar do Porto, outros movimentos revolucionários surgiram em vários pontos do país. No final, os prisioneiros foram concentrados na Penitenciária de Lisboa, para onde foram encaminhados idos de várias cidades e vilas.

A foto mostra-nos um desses grupos de prisioneiros.

Em primeiro plano, sentado no chão, José Bento Pessoa da Figueira da Foz.

Segundo plano, sentados, da esquerda para a direita dr. Francisco Chagas (Tavira); tenente Freirinha (Lisboa ?); dr. Barbosa Viana (Lisboa); tenente-coronel Firmino da Silva Rego (Lisboa); dr. Manuel …(?) (Faro); major Viana (Porto); e dr. Alberto Xavier (Lisboa).

Terceiro plano, de pé, pela mesma ordem Barbosa… (Lisboa); dr. Morais Cabral, delegado do procurador da República em Caminha; Máximo … (Oeiras); Urbano Rodrigues, jornalista, director do jornal Republicano "O Mundo", pai de outros dois grandes jornalistas, Miguel e Urbano Tavares Rodrigues (Lisboa); dr. Vítor Fonseca (Faro); tenente António Lobo (Lisboa); padre Carmo Pereira (Caminha); e tenente Monteiro (Lisboa).

No opúsculo "Memórias de um sitiado (5 dias e 5 noites sob a metralha)", datado de 1927, são identificados os oficiais presos no final da revolta. São eles um general (Sousa Dias), dois coronéis, três majores, 18 capitães, 55 tenentes, seis alferes, três músicos das bandas militares.

O mesmo documento refere que até 11 de Fevereiro tinham sido presos 125 sargentos e 22 civis.

Todos os presos foram conduzidos à Penitenciária de Lisboa dois dias depois.

Germano Silva

Publicado no Jornal de Notícias


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