13.2.08

Capela do Poço das Patas onde iam os condenados



Voltei a uma parte da cidade pela qual nutro um especial interesse que assenta, sobretudo, no rico historial do seu passado e na fraterna vivência de quantos ali vivem.

Estou a falar do Bairro Oriental, mais concretamente daquela zona que fica entra a Rua de Santo Ildefonso e a beira rio.

Tento imaginar e reconstituir o sítio ao tempo em que aquela vasta área era coberta, praticamente, por três enormes quintas a dos Cirnes, do lado do actual Campo de Vinte e Quatro de Agosto; a do Prado, propriedade do bispo, onde está o Cemitério do Prado do Repouso; e a do Fraga ao longo da qual se abriu a Rua de S. Vítor.

Esta última artéria, aliás, tomou o nome daquele santo por causa de uma capela da mesma invocação que havia na quinta de repouso do bispo.

Tentar reconstituir, ainda que mentalmente, a vida de um qualquer lugar, fique ele numa aldeia sertaneja ou na mais cosmopolita das cidades, é sempre traçar um quadro evocativo dentro do qual se aninha a história e os costumes de várias gerações.

Não sabemos, aliás, de outro rincão tão popular como este, numa cidade rica de plebeísmos encantadores.

Quem não ouviu falar da tradicional romaria que noutros tempos se fazia a Santa Ana, junto ao rio, no Rego Lameiro ?

Era tão grande a concorrência de romeiros que as autoridades da época viam-se na contingência de reforçar a vigilância policial do local para evitar distúrbios.

O trono desta devoção sincera da gente do Bonfim, não ficaria muito longe do Lugar da Aguada, onde os barcos que subiam o rio se abasteciam de água antes de se meterem ao mar para as longas viagens com destino à Índia ou ao Brasil.

E já que temos estado no campo das evocações, imagine-se o quadro exuberante de movimento e alarido que deve ter sido o sitio onde estava a Fonte da Aguada, na pressa do encher das barricas e do seu transporte para bordo e pitoresco do bulício que tudo isso originava.

Da capela da invocação de Nossa Senhora das Dores, ficou-nos a memória na Rua da Senhora das Dores. Ficava o modesto templo nas traseiras do antigo Recolhimento de S. Lázaro, actual Colégio de Nossa Senhora da Esperança, na então chamada Viela da Senhora das Dores, entretanto incorporada no Largo do Camarão.

E aí está um curioso topónimo - Camarão. Andrea da Cunha e Freitas dá-nos uma curiosa explicação para a origem desta designação "… porque ali morava, em 1698, um tal Manuel Gonçalves, o Camarão, casado com Maria Nogueira, pais de uma moça Antónia, recebida nesse ano, à face da Igreja, com o pedreiro João de Sousa…"

Imaginem só, como a alcunha de um cidadão anónimo perdurou no tempo ao ponto de continuar por séculos a marcar a identidade de um lugar na história de uma cidade.

Anexo à capela de Nossa Senhora das Dores, funcionava "um recolhimento de viúvas pobres", fundado pelo benemérito Francisco António Rebelier. Esta instituição foi, anos mais tarde, transferida para a Rua das Fontainhas onde passou a funcionar sob a administração da Santa casa da Misericórdia do Porto.

Para o interesse pitoresco do sítio que temos estado a evocar, falam-nos ainda as azenhas que eram movidas pelas águas do ribeiro de Mijavelhas que se despenhavam no Douro e a casa e fornos militares, ali para as bandas das Fontainhas, onde se cozia o pão destinado ao abastecimento da guarnição militar da cidade.

Outro templo destas imediações já desaparecido foi a capela do Poço das Patas. Ficava nas proximidades da imponente moradia dos Cirnes (actual edifício da Junta de Freguesia do Bonfim) nas proximidades, portanto, do Campo Grande ou da Feira do Gado (antigo Campo de Mijavelhas e actual campo de 24 de Agosto) ao lado da estrada para Valongo.
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Artigo de Germano Silva publicado no Jornal de Notícias


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