6.2.08

O tempo em que a Ribeira foi centro cívico da cidade


Os "mercatores do Porto"

A partir da conquista de Lisboa aos mouros, por D. Afonso Henriques, em 1147, cessaram, por assim dizer, as incursões árabes aos territórios do Norte do país e a costa portuguesa deixou de andar, como acontecia até ali, infestada de navios mouriscos, cujas tripulações assaltavam os barcos dos mercadores portuenses, mal eles saíam barra fora.

Tentando aproveitar, entretanto, as vantagens foraleiras concedidas, anos antes, pela "Carta de Foral", dada pelo bispo D. Hugo à cidade, novos moradores, provenientes especialmente das terras do interior, chegam ao velho burgo para se empregarem nos mesteres e, sobretudo, nas actividades ribeirinhas, porque o rio começava a ser a via dorsal de todo o comércio, não apenas com as terras do interior mas, fundamentalmente, com o exterior.

A cidade expandia-se para fora do primeiro muro defensivo, crescia em prestígio económico, assistia ao aumento cada vez mais acentuado do seu comércio com o exterior e via a sua população a aumentar de dia para dia.

Com o interesse que começa a despertar o intenso labutar da vida mercantil, mas não só, na zona ribeirinha da cidade, a população arrisca descer de Cimo de Vila para ao pé do rio, onde a vida fervilhava de tal modo que o Senado Municipal, a certa altura, teve que tomar medidas para evitar brigas e morticínios, tão intensa era a actividade que ali se desenvolvia no carregar e descarregar de navios, que ali chegavam todos os dias vindos das mais distantes paragens.

Da parte do Porto, eram os próprios burgueses da cidade que em seus navios faziam o comércio com a Flandres e outros portos do Norte da Europa e da França. E os pescadores da Lada, de Miragaia e de Massarelos também iam, em seus próprios barcos, até aos mares afastados da Bretanha e da Inglaterra. Levavam o sal das salinas de Matosinhos e de Guifões e traziam o pescado com que abasteciam os mercados do burgo.

A população aumentou com tal rapidez na zona ribeirinha que, em 1249, o bispo D. Julião Fernandes, para prover essa gente de assistência religiosa condigna, designou um capelão para a ermida de S. Nicolau, na Reboleira, precursora da actual igreja paroquial de S. Nicolau.

Desde muito cedo que os homens de negócios, que actuavam com seus barcos a partir do rio Douro, procuravam furtar-se ao pagamento dos impostos, levando as suas embarcações para o entreposto de Vila Nova de Gaia, criado por iniciativa de D. Afonso III, no ano de 1255.

O monarca, para retirar ao bispo do Porto e ao Cabido as pingues rendas que ambos recebiam da intensa actividade comercial que os mercadores da cidade desenvolviam, mandou ordem aos mestres e capitães dos navios que entrassem no Douro, para que "desembarcassem as mercadorias que trouxessem nos seus barcos no novo bairro de Vila Nova, afim de lhe pagarem aí a ele Rei os direitos devidos e não ao bispo nem ao Cabido…"

Esta atitude de D. Afonso III viria a gerar, no futuro, uma série de questões, pendências e conflitos entre a Mitra e os burgueses da cidade que, por seu vez, deram origem a excomunhões, interditos e queixas dos bispos ao Papa.

Numa data que não é possível determinar, mas que coincidiu com este surto de desenvolvimento do comércio marítimo, criou-se no Porto a primeira Bolsa destinada a acudir aos percalços da navegação e do comércio dos barcos do Porto que comercializavam com os portos do Norte da Europa. A iniciativa, para que não fiquem dúvidas, foi dos próprios armadores de navios da cidade. Muito anterior à que D. Dinis instituíra em Lisboa.

Na base desta iniciativa esteve o naufrágio na costa flamenga, em 1149, no tempo de D. Sancho I, portanto, de um navio da praça do Porto.

Pode dizer-se que se o progresso mercantil se fazia sentir especialmente na Ribeira, junto ao rio, onde se criara o novo centro cívico da urbe, a indústria, com os seus mesteres, prosperava nas encostas da Penha Ventosa e da Vitória como ainda hoje o atestam os nomes de arruamentos que nos trazem à memória os mesteirais de antanho agora evocados nos nomes de algumas das ruas portuenses Caldeireiros, Pelames, Mercadores, Bainharia.

No reinado de D. Pedro I (1357-1367 ), havia no Porto mais naves e navios do que em todos os outros portos do país. E a maior parte dessas embarcações de alto bordo eram construídas nos estaleiros da Ribeira e de Miragaia que competiam em qualidade e quantidade com os maiores estaleiros da Europa.

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